A dramática morte de 21 trabalhadores na explosão da base de Alcântara (MA), suscita muitas perguntas. Nenhuma justificativa dada pelas autoridades esclareceu o que ocorre com a Agência Espacial Brasileira

`FotoO ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, afirmou que a explosão do Veículo Lançador de Satélites – VLS 1 – se deu pelo corte de verbas do governo FHC. O presidente Lula imediatamente o corrigiu e disse: “Acidentes acontecem quando se está lidando com tecnologias sofisticadas”. Já o senador Aloizio Mercadante (PT-SP), na entrevista no programa Roda Viva da TV Cultura, fez outra correção: “Não foi a falta de verbas que provocou o acidente”. É que apenas 10% das verbas disponíveis para a Agência Espacial Brasileira foram usadas.

Parece que cada representante das coisas públicas fala o que quer. Vamos às contradições destas três justificativas.

Primeiro: o presidente Lula, que dessa vez não pecou por suas toscas metáforas, pecou pela falácia. Cientistas e tecnólogos sabem que quanto mais alta a tecnologia, menos riscos ocorrem. Nos EUA, a Nasa sofreu poucos acidentes até o momento em que substituiu projetos científicos por projetos de guerra. O astrônomo e militante pacifista Carl Seagan, que trabalhou cerca de 40 anos na Nasa, denunciou várias vezes na mídia mundial essa mudança de prioridade nos projetos norte-americanos. Uma mudança que provocou o empobrecimento das pesquisas sobre a evolução dos planetas, a investigação de outros sistemas cósmicos e contribuiu com alguns acidentes.

Se o presidente do Brasil não sabe, uma pesquisa leva anos para ser feita, cada segundo significa aprimoramento da descoberta ou da tecnologia. E cada segundo perdido significa décadas de atraso. Sabe-se que a confecção de uma “simples” (notem as aspas) válvula solenóide (válvula de fluxo de acionamento eletromagnético) para o submarino nuclear brasileiro ainda não se concretizou (até onde temos informações) após 20 anos de pesquisa. A construção de UMA válvula (e não o submarino inteiro) exige tecnólogos bem formados, experiência, verbas, acessos a informações, trabalho de equipe e mesmo bons salários (ao contrário do que foi divulgado pelos petistas que votaram a reforma “fiscal”, chamada de previdenciária, tecnólogos e cientistas não são privilegiados).

Quais os salários dos 21 mortos da EAB? Segundo o cunhado de uma das vítimas, Sidney Aparecido de Moraes, o salário dos técnicos eletrônicos era cerca de R$ 1.200 e estes precisavam de atividades fora do Rio de Janeiro para aumentar a renda mensal. Os técnicos e engenheiros eletrônicos também não tinham seguro de vida. Vale a pena conferir estas carreiras que Lula chama de privilegiadas.

Em segundo lugar: a fala do ministro da Ciência e Tecnologia não revela nada. Ela esvazia o tema da ciência e tecnologia. Queremos saber: havia falta de verbas? Quanto FHC deixou de aplicar na EAB? Quais as providências que o governo petista tomou para não arriscar o projeto do VLS-1- Veículo Lançador de Satélite? Qual o volume desta verba? Por que só 10% das verbas disponíveis para o Programa Espacial tinham sido usadas até o dia 1º de agosto? Qual a imposição do FMI ao programa espacial brasileiro?

E aí fica o terceiro problema: o senador do PT Aloízio Mercadante, professor da PUC e da Unicamp, sabe que verba de pesquisa não tem nada de sazonal, não tem colheita em época certa. Nenhuma pesquisa pode parar quando iniciada, nem pode ser realizada sem pessoas qualificadas.

Três perguntas ao governo petista

1. Alcântara é um lugar estratégico – em termos de localização e em termos políticos- para o lançamento de foguetes. Os EUA tentaram no governo tucano “alugar” a base de Alcântara. Agora obterão o consentimento de Lula e seus ministros para trocar a área de Alcântara por informações e “verbas”?

2. A EAB passará a “prestar serviços” aos EUA? Lembremo-nos que Bresser já falava em organizações sociais para as universidades públicas, o que em outras palavras significava transformar os cientistas e tecnólogos em “vendedores” (Bresser chamou de empreendedores) ou prestadores de serviços aos empresários de plantão na “boquinha” pública do ensino e pesquisa.

3. Qual a prioridade que o governo Lula dará à ciência e à tecnologia brasileiras? Investirá na formação ou na compra de programas dos EUA? Pelo andar da carruagem (pela reforma da Previdência que ceifou cabeças de muitos professores no auge da carreira e pela falsa reforma tributária) corremos o risco de transformarmo-nos em colônia dos programas do país ao norte do planeta. Viajaremos em foguetes americanos lançados em Alcântara, a desejada base dos militares dos EUA.

  • QUE FIQUEM EM NOSSA MEMÓRIA os nomes de Aminthas Rocha Brito, Antonio Sergio Cezarini, César Augusto Costalonga Varejão, Gil César B. Marques, Daniel Faria Gonçalves, Eliseu Reinaldo Moraes Vieira, Gines Ananias Garcia, Jonas Barbosa Filho, José Eduardo de Almeida, José Eduardo Pereira, José Pedro C.P. da Silva, Luis Primom de Araújo, Mario César de Freitas Levy, Massanobu Shimabukuro, Maurício Biella de Souza Valle, Roberto Tadashi Seguchi, Rodolfo Donizeti de Oliveira, Sidney Aparecido de Moraes, Walter Pereira Júnior.

    Para trabalhar na EAB, estes trabalhadores fizeram uma longa jornada de estudos e pesquisa para serem técnicos e engenheiros eletrônicos. Não se faz profissionais desse porte em um dia, nem em um ano, nem em 10, em 20. Mas em um dia podemos matar 21 destas pessoas.

    * Luzia é Profª Drª da Universidade Estadual de Maringá e diretora do Sindicato dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino de Maringá (PR)

    Post author Luzia Marta Bellini*,
    especial para o Opinião Socialista
    Publication Date