Eduardo Cunha (PMDB), atual presidente da Câmara dos Deputados

Uma polêmica necessária com os companheiros da Consulta Popular

Em recente artigo assinado por um dos seus principais dirigentes, a Consulta Popular sustentou que a proposta de uma “Constituinte exclusiva do sistema político” deve ser uma bandeira central dos movimentos sociais combativos no próximo período.

No mesmo texto, buscam polemizar com os setores da oposição de esquerda ao Governo Dilma, especialmente aqueles que se opõem a essa proposta com adjetivos de que esses seriam “míopes”, “pragmáticos”, “defensivos”, “economicistas”, entre outros.

Pela importância desta discussão, principalmente em uma conjuntura de aumento da polarização política e social, e pelo respeito que temos em relação aos companheiros (as) da Consulta Popular, queremos voltar ao tema, buscando deixar bem explícito quais são as nossas reais e principais divergências.

Nosso objetivo não é a polêmica pela polêmica, mas sim a busca de construirmos as condições políticas para uma frente única que afirme um campo do povo trabalhador e da esquerda socialista, oposto não só à “velha direita tucana”, mas oposto também ao Governo Dilma, o PT e sua famigerada base aliada. Vamos à discussão.

Onde estão localizados tanto o Governo Dilma como o PT
O texto dos companheiros insiste que o Governo Dilma e o PT são aliados para a conquista de uma constituinte exclusiva para a reforma política, porque a presidente levantou essa proposta logo após as jornadas de junho de 2013 e durante a sua campanha eleitoral.

Para eles, o problema é que o atual governo estaria cercado por um campo conservador que impede que o PT executasse a proposta de constituinte exclusiva e uma reforma política de interesse dos trabalhadores e da maioria do povo.

Para nós, é justamente essa a nossa maior diferença. Diferença essa que vai muito além da centralidade de uma palavra de ordem. Opinamos muito diferente. Consideramos que tanto o Governo Federal como o seu principal partido não estão interessados em realizar uma reforma política realmente democrática.

Como em todo governo conformado a partir da conciliação de classes, ou seja, da união de partidos de origem popular com partidos da burguesia, o PT se usa da presença de partidos da direita em sua base aliada para não avançar no sentido de reduzir o poder e os lucros dos ricos e poderosos. Já afirmamos antes, a proposta de reforma política defendida por Dilma não passa de uma “cortina de fumaça”, que busca esconder o fracasso de seu governo e desviar as mobilizações que se iniciaram em 2013 e que seguem ocorrendo.

Por exemplo, o PT se diz contra o financiamento privado e empresarial das campanhas. Mas é o partido que mais recebeu dinheiro das grandes empresas nas campanhas passadas, mais até do que o PSDB. Será que temos que acreditar que logo PT quer acabar com o controle que os grandes empresários exercem na política brasileira? Vamos examinar um interessante artigo publicado recentemente no Blog de Zé Dirceu, um dos expoentes da direção petista:

… uma aliança entre os a favor do sistema de financiamento de campanhas exclusivamente público com os a favor de um sistema misto público-privado pode disputar com aqueles que defendem  a manutenção do atual sistema de financiamento privado, mas com o estabelecimento de tetos de contribuição mais rigorosos. O que fica evidente, então, é que a maioria quer manter o atual sistema com limites mais estreitos que os atuais para as doações privadas.

(“Retomada dos trabalhos da Reforma Política começa hoje na Câmara”, publicado no dia 25.2)

Fica evidente qual é a verdadeira orientação do PT para a sua bancada. Com a excessão de alguns poucos deputados petistas, na verdade a maioria esmagadora da bancada, ao invés de se posicionar de forma categórica pelo fim do financiamento das campanhas eleitorais pelas grandes empresas, fará uma frente pelo financiamento misto. Proposta esta que, na verdade, mantém o financiamento empresarial, atualmente a principal fonte da corrupção da política brasileira e o elemento principal que faz com que todos os governos e parlamentos sejam completamente subordinados aos interesees do grande capital.

Sem que os companheiros da Consulta Popular revejam esta caracterização sobre o papel do Governo Dilma e do PT será impossível derrotar a verdadeira contra-reforma política em curso tanto na Câmara de Deputados como no Senado e afirmar os pontos de uma verdadeira reforma política que interesse a maioria do povo trabalhador. Mais uma vez, “quem não sabe contra quem luta, jamais poderá sair vencedor”.

E não para por aí. Por exemplo, qual a posição real do PT sobre a distribuição do tempo de televisão e rádio? Apoiam a proposta de concentrar ainda mais o tempo nas mãos dos chamados “grandes partidos” que controlam atualmente o Congresso Nacional.  Ou ainda, qual a proposta do PT em relação às coligações entre os partidos nas eleições proporcionais? A favor de acabar com essa possibilidade, mais uma vez para beneficiar os partidos que apoiam o atual regime político.

Podemos seguir dando exemplos, mas nos parece suficiente para demonstrar que uma reforma política realmente democrática só será realizada contra o PT, e nunca imaginando que eles são aliados nessa luta. A manutenção dessa caracterização, mesmo que possa ser de forma inconciente, joga “água no moinho” da política do PT de tentar usar a discussão da Reforma Política para mascarar a sua forma corrupta e pró-patronal de governar o país.

Com a política defendida pelos companheiros da Consulta Popular não impediremos que a direita tradicional, em especial os tucanos, se beneficiem do fracasso do Governo Dilma. Mas, o que é pior, enfraquecemos a construção de um campo de oposição de esquerda a este governo de conciliação de classes e também contra a direita, a única saída positiva para o fracasso do projeto petista de governar aliado ao grande capital.

Como conquistar uma Reforma Política realmente democrática?
O ano começou com uma nova intensificação das lutas, seja contra os ataques dos patrões como de todos os governos. Deve nos encher de alegria as greves votoriosas dos operários da Volks do ABC e da GM de São José dos Campos contra as demissões e as manifestações radicalizadas dos servidores públicos do setor da educação, tanto no Paraná como em Santa Catarina, para ficar somente em alguns exemplos.

Estes exemplos demonstram que é possível derrotar o ajuste fiscal do Governo Dilma, que já atingiu direitos trabalhistas e conquistas sociais. Da mesma forma, derrotar a política dos patrões e governos de jogar o ônus da crise econômica, que se aproxima rapidamente do Brasil e já atinge o setor industrial brasileiro, nas costas dos trabalhadores.

Os companheiros da Consulta Popular também identificam a importância desse processo de lutas. E se apoiam nele, inclusive, para defender que é possível eleger novos parlamentares para uma constituinte exclusiva da reforma política onde os setores conservadores ficassem em minoria.

Bem, essa caracterização não leva em consideração que, mesmo se o atual Congresso Nacional aprovasse essa proposta de constituinte, possibilidade que cada dia fica mais remota, a eleição para esta nova Casa legislativa seria realizada com as mesmas regrais atuais. Ou seja, uma eleição controlada completamente tanto pelo poder econômico (manteria financiamento das grandes empresas, por exemplo) e pelos grandes meios de comunicação.

Mesmo que os trabalhadores lutem cada dia mais e mais, o que sinceramente apostamos que aconteça, não seria possível ganhar uma eleição destas. E, o que é pior, teremos ainda uma esmagadora maioria dos deputados do PT, na verdade, votando ao lado das propostas defendidas pela chamada “direita conservadora”. Essa nos parece ser uma realidade pelo menos mais provável, não nos parece que o cenário analisado pelos companheiros da Consulta Popular seja mais factível.

Isto não significa, para nada, que defendemos que as lutas em curso parem somente em bandeiras chamadas “econômicas”. Por exemplo, a luta pela derrubada do ajuste fiscal não é somente uma “luta econômica”, ou mesmo a luta pela auditoria e a suspensão do pagamento da dívida. Mais do que nunca defendemos a máxima de Lênin, que em nossa intervenção cotidiana e nas mobilizações que participamos devemos combinar a luta econômica, com a luta política e a luta ideológica, contra o Capital e seus agentes nos governos e também dentro de nosso movimento.

Estamos completamente a favor que defendamos também conjuntamente os pontos fundamentais de uma reforma política realmente democrática e de interesse popular durante todos os protestos da classe trabalhadora, da juventude e da maioria do povo. Boa parte destes pontos, inclusive, já está presentes na plataforma encabeçada pela OAB e a CNBB para a reforma política, que apoiamos conjuntamente, embora também existam nesta proposta pontos que não temos acordo. E outros queremos agregar no desenvolvimento da própria luta.

O que seguimos considerando equivocado é jogar ilusões que esse Congresso Nacional irá convocar uma Constituinte, ou que mesmo que uma nova constituinte eleita com os critérios atuais possa de fato votar uma reforma política realmente democrática. 

O que de fato precisamos fazer é ganhar o conjunto dos movimentos sociais combativos para, em primeiro lugar, derrotar a real reforma política em curso, que é uma proposta que caminha para trás, fechando ainda mais o atual regime político. Reforma essa que conta, na verdade, com o apoio não só dos partidos da “direita tradicional”, mas também do PT, em vários de seus pontos fundamentais.

Esta é a única forma possível de vencermos, nos apoiando de forma sincera nas mobilizações protagonizadas pela classe trabalhadora neste momento, para forjar uma real correlação de forças que permita derrotar o atual regime político burguês, e afirmar propostas que realmente ampliem a democracia.

Para terminar, é importante também nunca deixarmos de afirmar que as reais mudanças que o nosso páis precisa não virá somente e nem principalmente de uma reforma política, especialmente realizada no Congresso Nacional. Mudanças estruturais no país exigem mudanças estruturais, não apenas no regime político. E, mesmo no regime político, mudanças estruturais que garantam soberania só poderão ser conquistadas desfazendo todas as contrarreformas aprovadas nos últimos 20 anos, portanto, com a derrota do Capital no terreno político da luta de classes, a arena fundamental dos embates do próximo período.

Sem desfazer os inúmeros fios e nós que atam o atual regime aos interesses do imperialismo e que limitam e impedem uma real soberania do país e uma política que atenda verdadeiramente os interesses da classe trabalhadora e da maioria do povo, teremos, mesmo no âmbito da democracia formal, uma democracia política manietada, sujeita aos interesses dos monopólios internacionais. É por isso que junto com a luta pela derrubada do ajuste fiscal do governo é central hoje a luta pela suspensão do pagamento da dívida e auditoria (o que implica em derrubar a Lei de Responsabilidade Fiscal) e que lutemos estrategicamente por um governo dos trabalhadores, sem patrões.

Mas, companheiros da Consulta Popular, é possível uma luta comum entre nós por uma reforma política realmente democrática? Consideramos que sim. Mas, para nos unificarmos nesta batalha, os companheiros devem abandonar a tese que o Governo Dilma é um governo em disputa, e que construamos conjuntamente um campo da classe trabalhadora e da esquerda socialista, em oposição à direita e também ao PT.