Mulheres afegãs com burka

Como no Iraque, aumentam os ataques aos soldados invasores. Quatro anos de ocupação aumentaram a miséria da população, a produção de ópio e não reduziram a violência e a repressão às mulheresPassados mais de três anos e meio da invasão norte-americana ao Afeganistão, o imperialismo – que já se vê num atoleiro sem fim no Iraque – presencia agora o ressurgimento da luta rebelde naquele país. Embora o governo Bush teime em desmentir, os números e fatos falam mais alto. Desde outubro de 2001, quando os soldados dos Estados Unidos ocuparam o Afeganistão a pretexto de perseguir Osama bin Laden e derrotar as milícias fundamentalistas do Taliban, mais de 200 de seus soldados morreram e 600 ficaram feridos.

Nem mesmo a imposição de um governo servil, através de eleições de faz de conta que levaram ao poder o fantoche Hamid Karzai, conseguiram conter a revolta popular que, embora sem ter a alternativa de uma direção revolucionária, nos últimos meses vêm aplicando pesadas baixas às Forças Armadas afegã e americana. Insuficientes para conter o avanço rebelde, as tropas de ocupação pedem agora mais reforços a Londres e Berlim.

Mas nem isso poderá conter o ódio da população. A exemplo dos iraquianos, o povo afegão – submetido durante anos à ditadura reacionária do Taliban – sentiu que o domínio de Washington, travestido na figura de Karzai, em nada melhorou a sua vida. Pelo contrário. A mulher continua oprimida. A miséria e o analfabetismo continuam, e o país segue sendo conhecido como o paraíso dos exportadores de ópio.

O recrudescimento da rebelião afegã cresce dia a dia. Um dos exemplos mais gritantes foi a morte, no último dia 30, de 16 soldados americanos, quando de forma inédita o helicóptero onde viajavam foi derrubado pela guerrilha taliban. Depois desta ação, se elevaram para 45 a crifra de soldados mortos nos últimos dois meses.Dez dias antes, as mesmas milícias fizeram reféns 30 policiais que prometeram levar a julgamento em Mian Nishin, ao norte de Kandahar.

Atônito com a onda de ataques, o general James Conway, chefe de Operações do Estado Maior Conjunto dos EUA, apressou-se em desmentir que a situação no Afeganistão esteja se deteriorando. Numa coletiva com a imprensa no Pentágono, entretanto, assumiu que o número de ataques com explosivos aumentaram de uma forma “preocupante“. Mais: Conway teve de admitir a “possibilidade“ de que os Estados Unidos tenham de enviar mais tropas ao Afeganistão para tentar garantir o cumprimento das eleições legislativas em 18 de setembro.

As preocupações de Conway têm origem em fatos emblemáticos. No início de junho, assustados com a ofensiva taliban, centenas de soldados (fontes locais falam em 300) desertaram do Exército afegão. Trata-se de um duro golpe para os EUA, na medida em que o imperialismo não consegue ver seus administradores locais se tornarem senhores da situação. Para Karzai, por sua vez, significa a impossibilidade de aumentar o tamanho do Exército (o governo planejava triplicar o número de seus efetivos, chegando a 70 mil em 2007) e assim liberar as tropas de ocupação para outras missões.

O resultado é que os aliados de Washington – Tony Blair à frente – estão tendo de correr em socorro de Bush numa frente que para todos já parecia estar estabilizada. No dia 12 de junho, Londres revelou que planeja enviar, já em outubro, cerca de 5 mil soldados ao Afeganistão. Uma semana antes, a Alemanha e a Espanha acenaram com reforços de seus contigentes, com mais de 2 mil novos soldados. Eles irão se somar aos mais de 18 mil homens que o Pentágono mantém desde 2001 no Afeganistão, numa ocupação que já custou a Washington nada menos de US$ 53 bilhões.

Para piorar, agora as tropas de Karzai e de Bush não estão enfrentando apenas os homens do taliban mulá Omar, mas a crescente organização dos Patshun, etnia majoritária nas províncias de Zaul, Kandahar e Uruzgan, embora tenham alguns postos no governo (incluindo o próprio Karzai) parte dos Patchun não foram convencidos pela elite afegã dos benefícios representados pela ocupação do país. Até mesmo os intelectuais insuspeitos de simpatia com posições mais progressistas (e muito menos revolucionárias) já alertaram: “O governo não tem sido capaz de consolidar o império da lei e da ordem. O Taliban nunca desapareceu, apenas cruzou a fronteira para o Paquistão e agora retorna. Ao mesmo tempo, os afegãos, assim como os iraquianos, estão atentos ao tempo que as tropas dos Estados Unidos permanecerão em seus países“, afirmou Akbar Ahmed, diretor da American University.

A realidade miserável do dia a dia tornou-se o combustível que move o povo simples das ruas. De acordo com a Unicef, o Afeganistão tem um dos piores índices indicadores de saúde do mundo. Nos últimos anos 50 mil crianças menores de 5 anos morreram, atingidas pela diarréia. Esta doença é a principal causa de mortalidade infaltil, junto com as infecções respiratórias e outras doenças que poderiam ser prevenidas com simples vacinação. Obter qualquer melhora neste setor, porém, é quase impossível, já que o saneamento básico é quase um luxo, inacessível em quase 70% do país.

Paraíso dos traficantes
Diante da miséria, o cultivo da papoula (matéria-prima do ópio) torna-se uma das poucas saídas econômicas para os camponeses e vem batendo recordes. Em 2004, a produção da droga cresceu 64%, fazendo com que o Afeganistão fosse responsável por 87% do fornecimento desta droga para o mundo. Há cerca de 131 milhões de hectares de cultivos em 32 províncias. O resultado é que o ópio equivale hoje a 61% do PIB afegão.

A situação das mulheres não é menos dramática. Historicamente reprimidas pelo fundamentalismo do Taliban, que as proibia de trabalhar ou ir à escola, muitas deles se iludiram com a propaganda de Bush logo após a ocupação do país. Hoje, como até 2001, a maioria delas continua com o corpo coberto pela burca e sem poder trabalhar, porque seus maridos ou chefes tribais não permitem. Outras sofrem abusos e espancamentos por parte de seus companheiros. O governo de Karzai, por sua vez, se faz de surdo e cego quanto às denúncias sobre ativistas feministas ameaçadas de morte por defender seus mínimos direitos.