Na Bolsa de Valores de São Paulo, acionistas se alvoroçam em um mega leilão de privatização. Há quilômetros dali, no mesmo momento, tropas federais reprimem uma greve considerada “política”. O que poderia muito bem ser um cenário típico dos anos 1990, em plena era FHC e auge do neoliberalismo financeiro, acontecia no dia 6 de fevereiro de 2012, no terceiro mandato consecutivo do PT à frente do governo federal.

Em meio à comemoração da grande imprensa ao que é considerada a maior privatização do PT, uma coisa é certa: a privatização dos três maiores aeroportos do país, que aglutinam no total 30% dos passageiros e quase 60% das cargas, representa um marco para o governo petista. A venda ocorre poucas semanas após o lançamento do livro “A Privataria Tucana”, do jornalista Amaury Ribeiro Jr., sobre as negociatas que envolveram as privatizações do governo do PSDB e que provocaram até a aprovação de uma CPI na Câmara dos Deputados.

Como afirmou a economista Elena Landau, diretora de Privatizações do BNDES entre 1993 a 1994, ao jornal O Globo, “acabou o ‘FlaXFlu’ ideológico sobre privatização” . Segundo ela, “Não houve uma inflexão do processo de privatização. Ele começou com o Collor e não parou mais. O que houve foram nuances em diferentes governos. As concessões, que nunca deixaram de ser feitas, são uma forma de desestatização.” Não é à toa o clima de júbilo entre o tucanato e a grande mídia.

Além do uso dos fundos de pensão para a compra dos aeroportos, o governo vai financiar a venda através de dinheiro público por meio do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), em um prazo a perder de vista. “Seguramente iremos buscar, na primeira etapa [que vai até 2014], dinheiro do BNDES. O BNDES já disponibilizou os recursos e não tem porque não utilizá-los”, comemora Carlo Botarelli, do consórcio Aeroportos Brasil, que levou Viracopos. Ou seja, a privatização será financiada por dinheiro público, mas os lucros serão privados.

Modelo tucano
A venda dos aeroportos foi acompanhada diretamente por Dilma Rousseff, mas seguiu à risca o modelo tucano de privatização. Primeiro, precariza-se ao máximo a empresa ou o serviço público, a fim de preparar a opinião pública para a venda. Após isso, deprecia-se o preço para turbinar o “ágio”, ou seja, a diferença do preço mínimo do leilão e a quantia oferecida pelo consórcio e alardear a operação como um verdadeiro “sucesso”. E foi o que aconteceu.

A privatização do maior aeroporto do país, o Aeroporto Internacional Cumbica, em Guarulhos, foi efusivamente comemorada na imprensa. O leilão foi arrematado pelo consórcio Invepar, integrado pelos maiores fundos de pensão do país (Previ, Funcef e Petros) e a empreiteira OAS, junto a uma estatal sul-africana. Invepar já controla a Linha Amarela, a rodovia Raposo Tavares, o Metrô Rio, Bahia Norte, Litoral Norte, além de 25% da CRT (Concessionária Rio-Teresópolis). A venda foi realizada por pouco mais de R$ 16 bilhões. O pagamento será feito em até 20 anos.

O aeroporto de Viracopos, em Campinas, foi arrematado pelo consórcio formado pela Triunfo Participações, Constran e a francesa Egisavia por R$ 3,8 bilhões, no prazo de 30 anos. Já o de Brasília foi para as mãos do consórcio controlado pela Engevis e pela argentina Corporación América, por R$ 4,5 bilhões. O governo autorizou o BNDES a subsidiar 80% do total de investimentos que as empresas se comprometeram a fazer nos aeroportos. 

Setor lucrativo
O modelo da privatização dos aeroportos seguido pelo governo do PT segue à risca o modelo tucano dos anos 1990. Ao contrário da era FHC, porém, a conjuntura é totalmente distinta. O país passa por anos de crescimento econômico e um aumento da arrecadação proporcionalmente maior. A crise da dívida externa e a falta de divisas, que fez o país atrair capital estrangeiro para a compra das estatais, não mais existem, embora a dívida pública no total seja recorde hoje. E não há muitas dúvidas de que o dinheiro da venda dos aeroportos vá para pagar os juros da dívida.

O único argumento que resta para que o governo Dilma privatize é a lógica neoliberal de que os principais setores da economia, inclusive os estratégicos e lucrativos, devem ser controlados pelo capital privado. Lógica que permaneceu no governo do PT. De acordo com a própria Infraero, Cumbica, por exemplo, deu um lucro de R$ 770 milhões só em 2011, com uma movimentação diária de 160 mil pessoas e perspectivas de aumento no próximo período.

Com a privatização, a maior parte dos investimentos virá do BNDES, mas o lucro irá para os consórcios privados. E agora, o governo já coloca na mira dos investidores privados os aeroportos de Confins, em Minas, e Galeão, no Rio. Para os usuários, restará o aumento das tarifas, o que aconteceu em todos os aeroportos privatizados no mundo. “Geralmente aumentam o custo, as tarifas dos aeroportos, para fazer frente ao investimento necessário”, atestou à imprensa Carlos Ebner, diretor no Brasil da Associação Internacional de Transporte Aéreo.

O PT e as privatizações
Ao contrário do que muitos acreditam, a entrega do setor aeroportuário não é estreia do PT no terreno da privataria. Em seu terceiro mandato no governo federal, a ficha petista é extensa: privatização de inúmeras jazidas de petróleo, inclusive as do pré-sal; parte da previdência pública; várias estradas federais; hospitais universitários; florestas, etc.

Por outro lado, segue o processo de desnacionalização da Petrobrás, Banco do Brasil, Correios e outras estatais, nas quais os investidores privados (nacionais e estrangeiros) abocanham parte significativa do lucro. Além disso, a reestatização de empresas como a Vale sequer passa pela cabeça do governo Em resumo, a lógica neoliberal herdada dos tempos de FHC permanece intacta no governo petista. Mudou o discurso, porém, a prática é a mesma.

Resta saber se Amaury Ribeiro abrirá um capítulo sobre a privataria petista em alguma reedição do livro.