Ganhador do Nobel da Paz defende cancelamento das dívidas de países pobresO argentino que recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1980, em função de seu trabalho com os direitos humanos, falou no primeiro dia do Fórum Social Mundial, em uma entrevista coletiva, sobre a necessidade de se desenvolver uma campanha concreta pelo cancelamento do pagamento da dívida externa de todos os países.

A fala de Esquivel foi parte de uma coletiva à imprensa convocada para discutir o “Cancelamento da Dívida dos Povos Atingidos pelas Tsunamis”. Durante a entrevista, o presidente do Jubileu do Sul Asiático e Pacífico, destacou que “hoje, quando os povos de todo mundo estão fazendo campanhas de solidariedade para ajudar os povos afetados, numa espécie de mendicância para estes povos reconstruírem suas condições de vida imediata, nós devemos lembrar, que na ordem mundial vigente, a morte de pessoas significa bons negócios para muitos. E é um negócio extremamente bom para o mundo das ‘ajudas’ e da dívidas”. Destacando que a única forma de realmente se ajudar estes povos é através através do “cancelamento de suas dívidas e juros e do uso destas enormes quantias de dinheiro para a reconstrução da tragédia provocada pelo Tsunami”.

A fala do representante da Coordenação Anti-Dívida da Indonésia foi no mesmo sentido, ao afirmar “nós não queremos nem necessitamos uma moratória da dívida, como o governo está dizendo. Nós queremos o cancelamento da dívida. O total e incondicional cancelamento da dívida. E, depois disto, precisamos financiamento para reconstruir nosso país”.

Abaixo, reproduzimos a íntegra da fala de Esquivel:

“Há muitos anos temos reivindicado o cancelamento da dívida externa. Temos exigido isto em todos os fóruns internacionais e temos que sacar uma conclusão disto: não nos escutam!

Nós não somos devedores, somos aqueles que provêem créditos e temos que nos unir para resistir e gerar outras alternativas. Eles devem para nós, não nós para eles. Isto é fundamental. E creio que, no FSM, temos que dar um passo qualitativo e não só quantitativo. Temos que dar um passo em relação às decisões políticas, pois estamos frente a um genocídio social contra os povos do mundo. O que o FMI e o Banco Mundial e o Grupo dos 7 estão fazendo é um genocídio social, praticado contra a humanidade. E de uma vez por todas temos que dizer: Basta!

Escutamos os companheiros sobre a necessidade urgente do cancelamento da dívida dos países afetados pela Tsunami. E temos que ser solidários. Mas isto não basta. Temos que acabar com os mecanismos de opressão e de humilhação. Há quantos anos estamos nisto? Eu me recordava de um grande escritor, um amigo latino-americano, Eduardo Galeano, que estando em Itália, contou uma breve história que define claramente o que está passando com cada de nossos povos. E quero compartilhá-la com vocês. É quase um conto.

Perguntaram a Eduardo onde ele encontrava os temas para escrever. Ele disse que era muito simples: escutava o que o povo dizia. E ele conta que foi a um restaurante, se sentou e escutou o cozinheiro falando. O cozinheiro havia feito uma assembléia onde estavam presentes as galinhas, os patos, os porcos, os coelhos e os faisões. Ele havia os reunido para fazer um pergunta: Com que molho querem ser cozinhados? Alguns ficaram assustadíssimos até que se escutou uma humilde galinha que disse, eu não quero ser cozinhada. O cozinheiro disse: ‘Um momento, isto está totalmente fora de discussão, o único que vocês podem me dizer é o molho com que querem ser cozinhados’.

É isto que está acontecendo conosco. Que escolha temos? Somente escolher o molho com que queremos ser cozinhados? Temos que nos resumir a esta resignação ou começarmos a mudar? Isto tem uma enorme força a nível mundial e temos que gerar uma política de resistência, de desobediência civil para reverter esta situação de dominação, de poder cada vez mais concentrado. A globalização levou à concentração do poder, não à participação, mas sim à concentração em poucas mãos, que é o poder mundial que hoje nos submente. Se seguimos nisto, estamos perdidos. Ou reagimos ou achamos uma alternativa concreta de resistência dos povos do mundo frente a esta dominação ou nada sobrará de nós.

Temos que decidir que caminho tomar. Ou esperamos que escolham o molho com que vão nos cozinhar. Eu não quero ser cozido. É muito simples. E por isto estamos aqui para resistir para gerar outra consciência. Quando se fala da situação do Tsunami, temos que lembrar quantos morrem no mundo por dia. Os informes da FAO são muito concretos: morrem mais de 35 mil crianças, por dia, de fome.

Quem são os responsáveis por isto? Quantos morreram no Tsunami? Temos a informação, vinda da Austrália, que os EUA tinham todos os elementos para avisar o que estava se procedendo com o Tsunami e não avisou aos pobres do mundo. Agora, querem fazer obras de caridade, querem fazer assistencialismo, querem fazer favores. Mas aqueles povos têm que continuar pagando os juros da dívida, eterna, imoral e injusta, que somente rouba a vida dos povos. É isto o que queremos?

Eu acredito que, hoje, temos um grande desafio que é gerar estratégias e políticas para reverter esta situação. O FMI e o Banco Mundial, que foram criados para estar ao serviço do povo, estão a serviço das grandes coorporações e dos grupos que dominam o mundo. Temos que dizer basta! Mas nós não podemos seguir com diagnósticos, temos que dar um basta de uma forma concreta!”