Redação

A morte de Diego Armando Maradona, no dia 25 de novembro, foi com certeza mais um triste acontecimento de um ano repleto de notícias trágicas. Um dos maiores, mais famosos e mais polêmicos jogadores do século 20, Maradona estará para sempre no panteão sagrado do futebol. Como craque, reunia inteligência, raça, habilidade e velocidade que deixavam seus adversários enlouquecidos.

Seu talento foi descoberto quando tinha apenas nove anos. O treinador do Argentinos Juniors, Francis Cornejo, o encontrou jogando num campinho de uma favela da Grande Buenos Aires, e são nesses campos que sempre floresceram os maiores talentos da história do futebol latino-americano. Não por acaso, a paixão por Maradona nutrida por milhões de garotos pobres vem da representação simbólica que ele conquistou dentro dos gramados. “Maradona é um de nós”, pensavam eles.

Foi no Boca Juniors que Maradona começou a se tornar um herói do futebol. Quando jogava no mítico La Bombonera, ele e o estádio se tornavam uma coisa só. Em 1982, foi para a Europa jogar no Barcelona. Pouco depois seguiu para o Napoli, um pequeno, mas tradicional clube do sul da Itália.

Foi nesse momento que Maradona iniciou sua consagração mundial com a Copa do Mundo de 1986 realizada no México. Quem acompanhou os jogos daquele mundial teve a impressão de que se tratava de um filme cujo roteiro estava preparado desde o início para a exaltação de Maradona. Porém nada estava escrito nas estrelas, e a estrela de Maradona brilhou em todos os jogos, até a Argentina conquistar o aquele campeonato.

Todas aquelas partidas foram incríveis. Entretanto, as quartas de final contra a Inglaterra foram mágicas. Aqueles noventa minutos concentravam muito mais coisa do que se possa imaginar para um esporte. O país havia passado por uma das ditaduras mais sanguinárias da América do Sul, e as lembranças daqueles anos sangrentos eram vivas na memória do povo argentino. Quatro anos antes, a Argentina perdera a Guerra das Malvinas para o Reino Unido. Era hora de dar o troco.

Foi nessa partida que ele fez o famoso gol de mão – imortalizada como “la mano de Dios” –, abrindo o placar. Contudo, o melhor estava por vir. Numa arrancada sensacional, o craque saiu do campo de defesa e, sozinho, driblou seis jogadores até marcar um golaço. Maradona derrubou o império britânico.

A Copa seguinte, realizada em 1990, não seria tão bela assim. Maradona já havia passado a ser venerado como rei em Nápoles, ao ponto de convocar a população local para torcer pela Argentina, e não pela Itália, numa Copa do Mundo realizada em solo italiano. Nápoles – que fica numa região historicamente marginalizada do país – atendeu a Maradona.

Nas semifinais, a Argentina eliminou a Itália, atiçando o rancor dos nacionalistas. Naquela Copa, porém, a estrela argentina não brilhou, e a seleção amargurou um vice-campeonato quando enfrentou a Alemanha nas finais.

Em março de 1991, um exame antidoping deu positivo para cocaína, escancarando a dependência química do atleta. Suas ligações com figuras da Camorra, a máfia napolitana, também lhe renderam uma suspensão do futebol por quinze meses. Deprimido, Maradona afundou cada vez mais nas drogas.

Na Copa de 1994, Maradona prometeu seu retorno. A empolgação, no entanto, teve voo curto e já na primeira partida o craque foi pego no antidoping por uso de efedrina, uma droga usada para emagrecer. A FIFA terminou punindo-o com outros quinze meses de banimento. Com o fim da punição, ele voltou ao seu amado Boca Juniors, mas ao longo de toda a década apresentou um futebol muito abaixo do seu rendimento anterior. Por isso, em 1997, abandonou de forma definitiva os gramados diante de novos rumores de antidoping.

Politicamente, Maradona se aproximou do castro-chavismo, tornando-se amigo de Fidel Castro e de Hugo Chávez. Também foi um ardoroso defensor da causa palestina e liderou um protesto contra a visita de George W. Bush a Mar del Plata, mandando o Acordo de Livre Comércio entre as Américas (ALCA), que os ianques pretendiam impor à América Latina, “al carajo”.

Se para muitos Maradona foi um deus, ele certamente foi o mais humano dos deuses. Foi a encarnação das grandes contradições do nosso mundo e do nosso tempo, incorporando virtudes e defeitos. Como um artista da bola fez multidões explodirem em júbilo. Se a vida é uma sucessão de dor e alegria, Maradona nos ofereceu motivos para sorrir e comemorar com seu futebol.

 

HOMENAGEAR MARADONA, SIM…

Sem passar pano para o machismo

Nem só de glória e carisma viveu o ídolo. Fora dos campos, sua vida foi marcada também por excessos e situações lamentáveis. O ex-jogador argentino tinha um histórico de machismo e violência contra mulheres que não pode ser minimizado.

Em 2014, circulou na internet um vídeo de Maradona agredindo sua então namorada Rocío Oliva. Na gravação, o ex-craque, visivelmente bêbado, levanta-se do sofá e se irrita ao ver a companheira mexendo em seu telefone. Sua ex-mulher, Claudia Villafañe, também mencionou a violência psicológica de Maradona durante o casamento.

Questionar Maradona por suas atitudes machistas não é negar seus outros méritos, mas apontar suas contradições e alertar aos que o têm como ídolo que sua conduta com as mulheres não deve servir de exemplo para ninguém, sobretudo para os homens da classe trabalhadora.