Percebendo que os escândalos de corrupção, principalmente as denúncias de ‘mensalão’ feitas pelo deputado Roberto Jefferson (PTB), ameaçavam a reeleição de Lula em 2006, o PT e seus aliados resolveram reagir, para tentar amenizar os efeitos da crise e a semi-paralisia do governo. Vinte e quatro dias depois da divulgação das primeiras denúncias e de uma intensa e caríssima operação para tentar abafar o caso, o governo Lula e o PT se colocam numa surpreendente postura a favor da CPI e da apuração das denúncias.

Para tentar reverter a imagem de governo corrupto, Lula trocou as diretorias dos Correios e do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) e orientou o PT apoiar a CPI dos Correios, sendo que o partido já havia inclusive punido o senador Eduardo Suplicy por ter assinado o pedido de abertura da mesma CPI. Além disso, Lula fez um discurso emocionado afirmando que tem “uma biografia a preservar”, que “não irá acobertar ninguém” e que “cortará na própria carne se for necessário”. Por coincidência, o discurso foi na abertura do IV Fórum Global Contra a Corrupção, em Brasília.

A virada de posição pode parecer estranha, mas foi a última cartada possível para um governo em crise e contra a parede. As denúncias sobre o pagamento de mesadas de R$ 30 mil a deputados em troca de apoio político na Câmara se somaram ao escândalo de corrupção nos Correios. José Dirceu, diversos deputados e ministros petistas e o próprio presidente Lula sabiam da operação, encaminhada pelo tesoureiro petista, Delúbio Soares, segundo denúncias de Roberto Jefferson.

No dia 6 de junho, foi publicada na Folha de S. Paulo a entrevista em que o deputado petebista Roberto Jefferson diz que o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, pagava um ‘mensalão’ de R$ 30 mil a deputados do PP e do PL em troca de apoio ao governo no Congresso. Jefferson declarou que tinha avisado sobre o esquema aos ministros Antônio Pallocci, José Dirceu, Ciro Gomes, Aldo Rebelo, Walfrido Mares Guia e o presidente Lula. “Eu disse ao presidente: ‘o Delúbio vai botar uma dinamite na sua cadeira. Ele continua dando mensalão aos deputados’”, conta o deputado petebista. Sobre os conflitos políticos no Congresso, Roberto Jefferson explica que “tudo o que você está vendo aí nessa queda-de-braço é que o ‘mensalão’ tem que passar para R$ 50 mil, para R$ 60 mil”.

Toda a virada na postura do governo e do PT com relação à apuração das denúncias de corrupção tem o claro objetivo de reeleger Lula em 2006. Apesar do discurso de Lula, o apoio à CPI e a colaboração que o governo diz estar disposto a dar para as investigações não visam apurar de fato os escândalos e punir os corruptos. O que importa para o governo é mostrar uma postura ética à opinião pública, fazendo parecer que se há corrupção envolvendo o PT e o governo, tudo não passa de uma exceção. A tática do governo deverá ser a de restringir os trabalhos da CPI às denúncias sobre corrupção nos Correios e tentar resgatar denúncias sobre o governo FHC. Ao mesmo tempo, o governo deve tentar colocar pessoas de sua confiança nas Comissões, para garantir que não se investigue tudo a fundo, para não atingir o governo.

Na tentativa de frear a crise política e impedir que o tema da corrupção seja a única pauta do país e do Congresso, o governo passou a contar com o apoio da oposição burguesa. Aécio Neves, governador de Minas Gerais, saiu em defesa de Lula, dizendo que ele “não é Collor e merece respeito”. Outro tucano, o senador Artur Virgílio, temeroso dos impactos da crise política em uma economia que já dá sinais de estagnação, pregou um compromisso para aprovar uma pauta ‘positiva’ no Congresso.

Por outro lado, Roberto Jefferson já declarou que tem mais denúncias e provas de tudo o que disse, como gravações de conversas comprometendo deputados e ministros. Muitas coisas, de fato, ainda estão no ar, como o questionamento sobre de onde vem o dinheiro para pagar os ‘mensalões’. Não há dúvidas de que o que veio a público até agora é só o cheiro de toda a lama que acoberta o Planalto.