Maracatu Rural, em Pernambuco

O maior e mais popular festejo brasileiro, o Carnaval se expressa de maneiras muito diferentes país afora; como dizia o poeta, “somos muitos carnavais”

O Carnaval tem suas raízes profundamente fincadas no questionamento de valores e práticas da classe dominante. Sua origem está nas festas gregas da Antiguidade. Continuou na sociedade medieval europeia, mesmo quando a Igreja era senhora toda poderosa fazendo reis, ditando regras, perseguindo e matando qualquer um que se colocasse em seu caminho.

Celebração da vida e seus prazeres, a festa pagã atravessou o Atlântico e ganhou, no Brasil, o tempero fundamental das culturas africanas e indígenas, que agregaram seu gingado e ritmos. Uma festa que tem como essência a inversão e o questionamento dos valores dominantes. Por meio da sátira e de fantasias, durante alguns dias, o Carnaval eleva o povo à condição de senhores das ruas.

Porém o Carnaval tem sofrido um forte processo de mercantilização. As classes dominantes investem pesado em comprar e incorporar toda e qualquer manifestação da cultura popular. Junta-se a isso o machismo cada vez mais crescente, expresso na exibição das mulheres, sobretudo as negras, como objetos de consumo.

Apesar das dificuldades, o Carnaval se reinventa e até faz graça das tentativas de transformar a festa em produto para poucos privilegiados. A vasta diversidade cultural do Brasil também fez com que a festa ganhasse o tempero das particularidades culturais que regiões do país apresentam.
 

Pernambuco: diversos ritmos da folia
Frevo, maracatu, caboclinho, ciranda, coco de roda, Mangue Beat, samba. Esses são apenas alguns dos ritmos que animam os foliões no carnaval pernambucano. Uma mistura de influências europeias, africanas e indígenas tornou o Carnaval num dos mais famosos do país. E a festa não acontece apenas em Olinda e Recife. No interior, também tem folia, como em Nazaré da Mata, ao som do Maracatu Rural, ou em Bezerros com seus Papangus. Tem também o Carnaval dos Caretas, em Triunfo, ou o Carnaval dos Caiporas, em Pesqueira. Para se divertir, não precisa abadá nem pagar ingresso. Basta colocar a fantasia, encher o peito de alegria e sair nas ruas desfilando irreverência. Pelo menos é o que todos querem.

Ou melhor, quase todos. Os governos vem tentando transformar essa festa popular em mercadoria. O Galo da Madrugada, por exemplo, está cheio de camarotes vips. No ano passado, tentaram impor horário para acabar a festa. Mas o povo e os movimentos culturais não vão deixar passar nada que acabe com a tradicional folia de rua, que democratiza a alegria e a espontaneidade.
 


Bloco Ilê Aiyê, em Salvador

Salvador: driblando a mercantilização
Cresce a cada ano o desejo e a procura dos baianos por um carnaval diferente, para além dos blocos de cordas e dos camarotes. Há muitos blocos de fanfarra em que é possível curtir a folia sem comprar abadás.

A saída do Ilê Aiyê na Liberdade, no sábado de carnaval, é uma tradição. Um momento de encontro no principal bairro negro de Salvador, que mistura resgate à cultura negra e resistência contra o racismo.

Na segunda-feira, é o dia do tradicional bloco de protesto Mudança do Garcia que surgiu num bairro popular em protesto à falta de água, pavimentação e luz. Hoje reúne milhares de foliões em centenas de blocos carregados de muita irreverência. O PSTU participa com o bloco Fé na Luta Socialista. Este ano, pela sétima vez, levará irreverência para denunciar os ataques dos governos.

 

Rio de Janeiro: a festa dos blocos
Não existe expressão maior de liberdade para o carioca que não seja a palavra Carnaval. O carnaval popular de rua do Rio ainda é livre. A maioria de seus blocos são autofinanciados e autênticos. A alegria, a emoção e a liberdade estão presentes nos blocos da Vila Isabel ou da Grande Tijuca. Os da alegria autêntica do subúrbio e da Baixada, em especial os de Madureira, os fabulosos da Região Portuária e os blocos livres do Centro, com destaque para Cordão do Boi Tolo, Embaixadores da Folia, Prata Preta e o Bloco Secreto, os blocos encantados de Santa Teresa e Laranjeiras, os muitos e maravilhosos blocos tradicionais da Zona Sul.

No ano passado, surgiram blocos que nunca haviam desfilado. Venderam abadás e prometeram colocar cordas para foliões privilegiados. A revolta foi grande e o prefeito foi obrigado proibir esse tipo de comercialização. Neste ano, querem realizar festas privadas, com ingressos caros, dentro do Maracanã, desfigurado e privatizado.

 

Natal: Os Cão
Uma tradição que já dura décadas, Os Cão foi criado em forma de protesto. A fantasia do bloco é lama do mangue, galhos e criatividade. O nome vem da proibição da Igreja Católica. Como protesto, os foliões se fantasiavam com chifres, fazendo analogia ao diabo.

Em Natal, o bloco já acontece há mais de 50 anos na praia da Redinha, zona norte da cidade, que concentra grande parte da periferia. “A primeira vez que eu fui nesse bloco foi na década de 1980, fui eu e um grupo de estudantes da escola técnica. O bloco sempre foi espontâneo, sem muita organização. Entramos no mangue, e as pessoas ali presentes ajudavam a nos melar. Em 84, eu lembro que as pessoas saíram no bloco fazendo referência às Diretas Já, pintando os carros e paredes ao longo do bloco”, conta Nando Poeta, frequentador do bloco há 40 anos.

Hoje, o bloco enfrenta uma ameaça. Os mangues de onde os foliões retiram a lama estão sendo destruídos por grandes construtoras e empresas de reprodução de camarão.

Colaboração: Henrique Saldanha, Jeferson Choma, Viny Psoa, Rafael Nunes e Rebeca Malaquias
 
Publicado no Opinão Socialista 491