O aborto é quase um ?tabu?: ninguém fala sobre o assunto, mas todo mundo sabe que existe e não é difícil conhecer alguém que precisou interromper a gravidez, apesar que prática, no Brasil, é considerada um crimeO Código Penal prevê de um a três anos de prisão para mulheres que realizem aborto. Os únicos casos permitidos são para a gravidez resultante de estupro ou quando há risco de morte para a mãe.

Pesquisas revelam que as mulheres que decidem abortar não são poucas e não se encaixam, nem de longe, no perfil de uma criminosa: têm entre 20 e 29 anos, trabalham como doméstica, manicure, cabeleireira, ganhando menos que três salários mínimos e já tem pelo menos um filho.

Segundo a Pesquisa Nacional de Aborto (PNA), dentre as mulheres até 40 anos, uma em cada cinco já fez aborto. Nas jovens, entre 18 e 19 anos, uma em cada 20, também. Uma prática que, inclusive, extrapola as crenças religiosas: pouco menos de dois terços das mulheres que fizeram aborto são católicas; um quarto, protestantes ou evangélicas, e menos de um vigésimo, de outras religiões.
Sinceramente, você acha que elas deveriam ser presas, ficar com graves problemas de saúde ou até mesmo morrer?

Uma ilegalidade fatal para as trabalhadoras
Essas mulheres certamente não gostariam de estar contra a lei. Não só por acreditarem nelas, mas também porque sabem que, ao contrário dos ricos, se infringirem as regras, a punição será imediata e pesada. E, no caso do aborto, se descobertas serão apresentadas à sociedade como alguém que odeia crianças ou assassinas. Mas, há outros riscos que pesam na decisão.

Quando uma mulher engravida, o desemprego, os baixos salários, a falta de moradia ou comida na mesa, pesam muito mais. Como também, todas trabalhadoras conhecem as dificuldades de acesso à saúde pública de qualidade ou a angústia na espera de uma vaga na creche. Tudo isso multiplicado pela ideologia machista, que faz com que a mulher seja vista como a única responsável pelo cuidado dos filhos.

Pressionada por essa realidade, muitas vezes, a única opção que resta é o aborto clandestino que, lamentavelmente, é uma das primeiras causas de mortalidade materna. Se ele fosse legalizado, muitas seriam salvas. O pior é que, como todas as leis, esta só funciona para o povo pobre. Enquanto 2,2 milhões de partos são realizados, um milhão de mulheres fazem abortos todos os anos, segundo pesquisas.

Mas, nem todos em clínicas imundas, com terríveis métodos caseiros de efeitos duvidosos, quando não perigosos. O aborto já é legalizado para quem tem condições de pagar. O dinheiro faz com que as mulheres ricas estejam livres de qualquer perigo para a saúde e abortem com condições de segurança. Por isso, certamente, não há nenhuma delas entre as cerca de 150 mil mulheres que, a cada ano, morrem ou ficam com sequelas graves. Só as trabalhadoras morrem.

Direito de decidir versus os interesses do Estado
Vale lembrar que o mesmo Estado que obriga que a mulher tenha o filho, não lhe garante condições para criá-lo. Por isso mesmo, ter ou não ter filhos deveria ser uma decisão de cada uma, de acordo com suas condições e convicções.

Jogada na pobreza, responsável pela criação dos filhos e sem apoio do Estado, a mulher trabalhadora ainda lhe tem negado o direito de decidir se quer ou não ser mãe. O direito democrático de decidir sobre seu próprio corpo e sua vida deve ser da mulher e não de senhores que, ainda por cima, lucram com esta situação.

Ao proibirem a legalização do aborto, as autoridades estão protegendo um dos negócios mais lucrativos do país (ao lado do tráfico de armas e drogas e prostituição): as clínicas clandestinas, que faturam milhões de dólares e formam um lobby no Congresso para impedir projetos pró-aborto.

Os que são contrários à legalização do aborto não estão “defendendo a vida”, como afirmam. Ao contrário, estão condenando à morte e a mutilações 150 mil mulheres todos os anos.

Dilma: legalizar é defender a vida
Ao contrário do que se imagina, os países com as menores taxas de aborto são aqueles onde o aborto é legal e de fácil acesso. Na Holanda e na Alemanha, por exemplo, anualmente, em cada grupo de mil mulheres, apenas seis abortam. Em nosso continente o aborto é legal apenas em Cuba (desde 1965), na Cidade do México (desde 2007) e no Uruguai (desde 2011).

Enquanto isso, num país governado por uma mulher, milhares de mulheres continuam morrendo em troca de barganhas políticas, feitas pela própria Dilma, com a bancada religiosa, seja para ganhar a eleição ou aprovar projetos. Exemplos não faltam. Ainda na campanha eleitoral, a presidente publicou a “Carta ao Povo de Deus”, garantindo à bancada cristã que “eleita presidente (…), não tomarei a iniciativa de propor alterações (…) da legislação do aborto e de outros temas concernentes à família (leia-se união civil LGBT) e à livre expressão de qualquer religião no País”.

Uma luta de toda classe trabalhadora
Por isto tudo, é fundamental que as mulheres trabalhadoras e pobres se organizem juntamente com seus companheiros de classe. A luta pela legalização do aborto é uma luta de todos os trabalhadores, e não apenas das mulheres.

Só assim as mulheres trabalhadoras e pobres, caso queiram, poderão abortar sem por suas vidas em risco. Somente elas, as principais vítimas, lado a lado dos homens, poderão mudar essa situação. Para tal é fundamental que os sindicatos e entidades dos movimentos estudantil e popular incorporem a defesa do direito ao aborto e da vida das mulheres no cotidiano de suas lutas.