Ato em defesa do direito ao aborto, em 2005

28 de setembro é o Dia Latino-Americano e Caribenho pela Descriminalização e Legalização do AbortoMuitos pensam que a criminalização é a melhor forma de evitar que o aborto aconteça, o que não é verdade. Quando analisamos os dados a conclusão é oposta. Na América Latina, onde o aborto é considerado crime na imensa maioria dos países, a taxa de aborto (número de abortos ocorridos a cada mil mulheres) é a mais alta do mundo. Nas regiões onde o aborto é legalizado ocorre o oposto, as taxas de aborto são menores.

No continente, apenas quatro países legalizaram o aborto: Cuba, México (apenas na Cidade do México), Porto Rico e Uruguai. Até mesmo o aborto terapêutico, em caso de risco a vida da mulher, é proibido em muitos países, como é o caso do Chile, El Salvador, Haiti, Honduras, Nicarágua, República Dominicana e Suriname. No último mês, um triste fato mostrou a intransigência dessa legislação conservadora: uma adolescente de 16 anos, grávida e portadora de uma grave doença, morreu na República Dominicana, porque os médicos se recusaram a iniciar um tratamento contra o câncer.

Esses números demonstram que o argumento comumente usado por aqueles que são contrários ao aborto, de que a legalização deste procedimento tornaria o aborto uma prática generalizada e o transformaria em um método contraceptivo, não passa pela prova da realidade.

Na América Latina ocorrem 4,4 milhões de abortos por ano. 95% deles são considerados inseguros, e aproximadamente 1 milhão de mulheres são internadas em razão de complicações do aborto mal feito.

O aborto é a primeira causa de mortalidade materna no Chile, na Argentina, na Nicarágua e no Paraguai. Nos outros países é uma das primeiras. São milhões de mulheres que colocam suas vidas em risco.

Outro argumento comumente usado contra o aborto, a defesa da vida, se mostra falso diante desses números. A criminalização mata as mulheres e não inibe o aborto.

Quem são as mulheres que abortam?
Uma pesquisa sobre o perfil das mulheres que abortam no Brasil aponta que elas têm entre 20 e 29 anos, vivem em união estável, têm até oito anos de estudo, são trabalhadoras, católicas, com pelo menos um filho e usam métodos contraceptivos. Essas mulheres recorreram ao aborto como uma tentativa desesperada de interromper uma gravidez indesejada.

A situação no subcontinente
A América Latina está repleta de governos de “frente popular”, que se dizem de esquerda. Mesmo havendo mulheres à frente de alguns desses governos, não houve avanço em quase nada nos direitos das mulheres. Dilma no Brasil é um exemplo emblemático. O aborto foi um dos principais temas debatido no segundo turno que a elegeu presidente e o PT optou pela aliança com os setores mais conservadores lançando um compromisso por escrito (Carta ao Povo de Deus) de não modificar a legislação sobre o aborto.

No Uruguai, a recente legalização do aborto é uma exceção, infelizmente. Com a crise econômica, os governos do mundo inteiro tem feito o oposto. Nos Estados Unidos, país em que o aborto é legalizado desde 1973, Obama encaminhou ao congresso, no bojo da reforma da saúde, a restrição ao uso de recursos públicos para o aborto. Os recursos só seriam permitidos nos casos de estupro, incesto, ou para salvar a vida da gestante. O mesmo tem acontecido na Europa: o aborto é um dos direitos que está sendo ameaçado pelos planos de austeridade.

Direitos não garantidos pelo Estado
As mulheres não têm o direito à maternidade, plenamente garantido, e também não tem direito ao aborto. Mas essa realidade atinge de forma muito diferente as mulheres ricas e as pobres. Quem pode pagar tem acesso a todos os exames do pré-natal em hospitais de qualidade, pode fazer ultrassons de ultima geração e usufruir todos os recursos que permitem prevenir e identificar doenças da mãe e do bebê.

Para as mulheres pobres tudo isso é negado. Por isso, a defesa de direitos sociais como o acesso à saúde pública de qualidade, à escola pública desde a primeira infância, à licença a maternidade de seis meses, são fundamentais. Defendemos que a mulher tenha todas as condições de ser mãe se assim o desejar.

A defesa do direito ao aborto não é o um incentivo ao aborto. O que incentiva o aborto são as condições de pobreza e miséria as qual as mulheres estão submetidas. O aborto deve ser evitado com o acesso à educação sexual, distribuição gratuita de contraceptivos, incluindo a pílula do dia seguinte. Mas quando só restar o aborto como alternativa para evitar uma gravidez indesejada, as mulheres devem ter este direito garantido pelo sistema público de saúde.

Não podemos fechar os olhos, milhares de mulheres fazem aborto. E quem pode pagar tem acesso a ele em clínicas clandestinas, que cobram um preço alto por este procedimento e lucram com o preconceito e a intolerância. A criminalização do aborto não preserva a vida, ao contrário, coloca em risco a vida de milhões de mulheres pobres que, desesperadas, recorrem a métodos inseguros para ter direito a decidir sobre o seu corpo e seu futuro.