Em 13 de maio de 1888, o Brasil tornou-se o último país do mundo a abolir a escravidão negra em suas terras. Hoje, mais do que celebrar a data, devemos usá-la como marco para a denúncia do racismo e da necessidade de ainda lutarmos muito pela nossa liberd`Arte
Nos livros escolares, a assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel é sempre cercada de muita festa e representada como um dos maiores símbolos da disposição das elites para atender os clamores populares e fazer justiça. Nada poderia ser mais falso.

Não que o evento, ocorrido há 117 anos, não tenha sido festejado ou seja completamente desprezível. Houve muita festa, é verdade, protagonizada particularmente pelos negros e negras, que se encontravam nas senzalas e nas ruas das cidades.

Contudo, cerca de 80% a 90% desses negros, segundo historiadores, já estavam libertos, seja com a fuga, seja pela alforria forçada, provocada, geralmente, pela falência do sistema econômico e político do Império. Um sistema que já era completamente incompatível com o desenvolvimento do trabalho assalariado, a criação de um mercado de consumo e tudo que o capitalismo moderno exigia.

Do mesmo modo, é importante lembrar que a assinatura da Lei, contra a vontade dos setores mais conservadores do Império, foi uma vitória da resistência negra e de todos aqueles que lutaram pela abolição. Uma vitória que, evidentemente, deve ser relativizada tanto pelo seu alcance quanto por suas conseqüências.

Não foram poucos os abolicionistas que se juntaram à causa motivados pela mesma lógica que marcou o pensamento de Joaquim Nabuco: “façamos nós, antes que eles o façam”. Ou seja, que ela se dê de forma “controlada e pacífica”, referências veladas ao Haiti e sua rebelião negra, que havia varrido o domínio colonial branco, juntamente com a escravidão.

Por outro lado, ao não ser acompanhada por uma única medida destinada a integrar negros e negras na sociedade brasileira ou repará-los por quase 400 anos de brutal escravidão, a Lei Áurea também serviu como marco inicial para o novo tipo de escravidão: aquela que tirou os negros da senzala para jogá-los nas favelas, no desemprego ou no subemprego, distanciados dos mais básicos dos direitos.

Dois brasis: um negro e um branco
O resultado desta história não poderia ter sido outro. Hoje, negros e negras são a enorme maioria dos desempregados, dos analfabetos, dos que não têm teto ou terra, daqueles que morrem nas portas dos hospitais públicos ou nas sarjetas das grandes cidades, vitimados por bárbaras chacinas. Enfim, para todo e qualquer lado que se olhe, o que podemos ver é que o enorme abismo que se abriu entre brancos e negros durante os anos da escravidão e que nunca foi fechado.

Um abismo alimentado pela superexploração capitalista de enormes setores da população em base à discriminação racial. É isso o que explica os números recentemente levantados pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Avançadas (Ipea) que demonstram que, enquanto um homem branco brasileiro, em média, recebe R$ 934,00, uma mulher branca ganha R$ 633,30, um homem negro tem o salário mensal de R$ 458,90 e uma mulher negra recebe apenas R$ 325,40.

Um abismo responsável pela existência de dois brasis: um negro e um branco, como demonstra o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), elaborado pela ONU. De acordo com a última estimativa, se considerarmos apenas os indicadores relativos à população branca (em itens como educação, saneamento, saúde etc.), o Brasil ocupa a 46a posição num ranking composto por 175 países. Já, se olharmos apenas para os dados referentes à população negra, caímos para a 107a posição, nos aproximando dos países africanos.

Lula com ares de princesa Isabel
É em meio a esta situação que Lula e seu governo têm tentado substituir a princesa Isabel em pomposas e festivas cenas. Desde que assumiu, não faltou alarde para anunciar medidas “definitivas” na libertação dos negros e negras. Medidas que não são acompanhadas de mudanças efetivas no sistema.

Primeiro, foi a criação de uma inoperante Secretaria Especial de Políticas para a Promoção da Igualdade Racial (Seppir), que, até hoje, realmente, não se explicou a que veio. Depois, o lamentável pedido de perdão à África, o show pirotécnico em torno do caso Grafite e uma série de questões pontuais que em nada tocam a estrutura racista do Estado. Agora, a convocação de uma Conferência (com o mesmo nome da Secretaria), cujos critérios e estrutura já evidenciam que nada de bom poderá resultar de lá.

Enquanto isso, a verdadeira política racial de Lula está sendo implementada em outros cantos. Desde que decidiram se aliar à escória da elite nacional, Lula, Matilde Ribeiro (ministra do Seppir) e também seus aliados no Movimento Negro fizeram uma opção sem volta: ser coniventes com e atuantes no aprofundamento do racismo brasileiro.

Isso fica evidente quando Lula e seus aliados aplicam as reformas neoliberais – como a Previdenciária, a Sindical e a Trabalhista –, que atacam os direitos do conjunto da classe trabalhadora, afetando ainda mais aqueles que já são historicamente marginalizados.

Como também fica evidente com as falsas medidas que o governo diz estar tomando para combater o racismo: especialmente a reforma Universitária, com projetos como o ProUni – ou seja, a compra de vagas para negros e carentes em universidades de quinta categoria, por meio da isenção de impostos para seus proprietários – e a limitadíssima proposta de cotas nas Federais.

Formuladas para conquistar o apoio da população negra e mais carente para seu projeto privatista, ambas propostas, na verdade, são renovados ataques à educação pública e jogam contra aqueles que defendem uma sociedade mais justa.

Com ares de princesa Isabel, Lula fala em um novo Brasil para negros e negras. Encena outra farsa, e todos aqueles que, realmente, lutam por uma sociedade livre de qualquer tipo de escravidão e preconceito só pode responder de uma forma: nossa liberdade ainda está por vir; ainda iremos derrubar de vez os grilhões do racismo, explodindo-os juntamente com as cercas, as algemas e as correntes do capitalismo.

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