Com o tradicional lema da África do Sul, “Amandlha, aweto”, ou “o poder é nosso”, encontro emociona

A abertura do I Encontro Nacional de Negras e Negros da CSP-Conlutas, realizada na noite de 21 de março, dia internacional de luta contra o racismo, tornou-se um grande ato de luta e homenagem ao povo negro, contra o racismo e a exploração. Além do combate ao racismo, a abertura do encontro que se estende por todo o domingo próximo, debateu as mobilizações durante a Copa sob o prisma da questão racial.

O ato que reuniu algo como 400 pessoas em seu auge reuniu dirigentes sindicais e do movimento negro, incluindo dois sul-africanos que participaram das mobilizações contra as injustiças da Copa em seus países. O sindicalista Hlokoza Motau e o estudante Thando Manzi compartilharam suas experiências e falaram sobre as diversas similaridades existentes entre a luta do povo sul-africano contra o racismo e o do povo negro no Brasil.

Thando iniciou a sua fala reproduzindo um grito tradicional durante os protestos na África do Sul. Ao grito de “amandlha”, que significa “poder”, todos respondem “aweto”, ou “é nosso”. Assim, aos gritos de “amandlha” e “aweto”, “o poder é nosso”, o estudante sul-africano iniciou sua fala relatando a situação de seu país que, 18 após o fim do apartheid, continua marcado pelo racismo. “Existe uma separação racial e até geográfica, com lugares só para negros e outros só para brancos, escola para brancos, restaurantes“, disse. O estudante citou a composição de uma empresa aérea no país, no qual 85% dos pilotos são brancos e apenas 15% negros.

Para Thando, “Brasil e África do Sul tem muito em comum, como a desigualdade social e o racismo“. O estudante destaca que o domínio das empresas multinacionais e as políticas neoliberais, tanto no Brasil como em seu país, reforçam o racismo, a exclusão social e o machismo. “Em meu país, as mulheres negras estão perdendo seus empregos, pois os principais locais em que trabalham, as pequenas fábricas, estão fechando porque agora tudo se importa da China“, exemplifica. Ele citou ainda os altos índices de estupro e feminicídio, sobretudo de mulheres lésbicas.

Um outro paralelo que o sul-africano traçou entre Brasil e África do Sul, foi o quanto a Fifa ganhou com a Copa, enquanto serviços públicos como a educação sofriam com o descasço. “Enquanto o governo sul-africano encheu os bolsos da Fifa durante a Copa, as nossas escolas tinham um dos piores índices do mundo“, relatou.

“Brasil, África, América Central/A luta do povo negro é internacional!”
Hlokoza Motau, sindicalista da NUMSA, começou seu discurso explicando o massacre de Shaperville, em 1969, no qual os negros se revoltaram contra o passaporte obrigatório na época para se ir de um lugar a outro dentro do próprio país. “Eu cresci sob esse sistema, nos faziam acreditar que éramos inferiores aos brancos e a ter medo deles“, relata. “Mas Shaperville nos deu coragem para resistir, começamos a nos organizar para resistir á opressão“, disse. “Começamos a levar a luta para as fábricas, transformamos as prisões em grandes centros de educação e formação política e os funerais em atos de formação política de massas“, contou.

Motau contou ainda como a exploração e a opressão combinavam-se para aumentar os lucros dos grandes donos das minas. “Quem instituía esse passaporte eram os donos das minas, para poderem superexplorar os trabalhadores“. Para o sindicalista, “o apartheid acabou, mas o sistema que o gerou continua existindo, se não esmagar o capitalismo, esse sistema opressor seguirá existindo“. Hlokoza compartilhou a experiência do NUMSA, que convocou uma frente única contra o neoliberalismo e como se está organizando um “movimento pró-socialismo”. “Não temos nenhum desejo de apoiar um partido da burguesia“, disse, referindo-se nesse meio o CNA (Congresso Nacional Africano), que está hoje no poder. “Estou muito feliz por hoje, pois percebo que estamos trilhando o mesmo caminho“, disse, sendo efusivamente aplaudido.

Racismo e a opressão à mulher
Vera Rosane, do Movimento Mulheres em Luta e do Quilombo Raça e Classe trouxe um depoimento e uma fala emocionantes, relatando a dupla opressão que atinge as mulheres negras. Ela lembrou do caso de Cláudia, morta e arrastada pela polícia do Rio no último dia 17. “Nós, mulheres negras, vivemos um requinte de crueldade do Estado“, disse. “No império, existíamos para satisfazer e servir aos senhores, hoje continuamos no mesmo lugar”, afirmou, colocando que 99% das empregadas domésticas são negras. No entanto, se há opressão, também há resistência, como demonstrou a greve dos garis, lembrada por Vera. “Quando a senzala se levanta, não fica pedra sobre pedra, como os companheiros garis mostraram“, disse.

Wilson Silva, do Quilombo Raça e Classe também trouxe um depoimento emocionante. Ele relatou como a luta dos negros sul-africanos está intimamente relacionada com a dos negros no Brasil. “O primeiro ato público que fui na minha vida foi quando tinha 14 anos e ocorreu o massacre de Shaperville, e fomos na embaixada da África do Sul“, relatou. Wilson comparou ainda o atual governo do país africano, encabeçado pelo CNA (o partido de Mandela) e a Cosatu, a principal central sindical, e o Brasil, com o governo do PT. Ambos tiveram suas histórias ligadas à luta da classe trabalhadora mas que hoje aplicam uma política econômica neoliberal.

O representante do Quilombo comparou ainda o massacre de Marikana que ocorreu em 2012 e vitimou 34 trabalhadores, e o massacre diário ocorrido contra os jovens negros da periferia. “Se o capitalismo mata, o neoliberalismo massacra“, afirmou. “Mas junho bateu forte em negras e negros, que foram aos milhares às ruas“, lembrou, reforçando que “infelizmente eles não estavam organizados e esse é o nosso objetivo aqui: oferecer uma alternativa de luta aos negros e negras desse país“, disse, sendo muito aplaudido.

Após a abertura simbólica do I Encontro de Negras e Negros da CSP-Conlutas, o encontro em si continua no próximo domingo, dia 23. Mais de mil pessoas de todo o país já se inscreveram nesse que promete ser um importante momento na organização do movimento negro. Nesse dia 22 ocorre o Encontro “Na Copa Vai ter Luta” cujo objetivo é o de articular mobilizações durante os jogos do Mundial.

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