Quando, em 18 de abril, os estudantes nicaraguenses começaram a se mobilizar nas ruas para protestar contra a reforma da Previdência Social em apoio aos aposentados, ninguém podia dizer que esse movimento se transformaria numa verdadeira revolta popular contra o governo de Daniel Ortega, da vice-presidente (e sua esposa) Rosario “Chayo” Murillo e da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN).

A reação do governo às primeiras mobilizações foi brutal. A polícia reprimiu violentamente os estudantes usando armas de fogo, ajudada pelos grupos armados da Juventude Sandinista e as chamadas “turbas sandinistas”, grupos paramilitares ligados ao governo. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) contabiliza, até agora, 76 mortos pelas forças de repressão e centenas de feridos e presos.

A repressão teve efeito inverso: os estudantes ocuparam as universidades e as escolas técnicas; foram erguidas barricadas nos bairros populares; a população reagiu com armas improvisadas, prédios públicos foram incendiados e as manifestações se multiplicaram nas principais cidades, sendo que a jornada mais expressiva chegou a reunir mais de 200 mil pessoas em todo o país.

O governo recuou da reforma da Previdência, mas as mobilizações passaram a ter um objetivo mais importante: derrubar o governo ditatorial. A palavra de ordem central de todas as manifestações passou a ser “Fora Ortega!”.

O presidente está tratando de salvar o seu governo desmobilizando a luta por meio de um diálogo nacional proposto pela Conferência Episcopal da Nicarágua (CEN) e pelo Conselho Superior da Empresa Privada (COSEP), a principal organização da burguesia nicaraguense. Ambas organizações não colocam como condição a saída da família Ortega do poder. No entanto, o diálogo não é o objetivo de Ortega, mas sim tentar ganhar tempo para esmagar o movimento estudantil e popular e conservar o poder.

A situação da Nicarágua e a luta popular para derrubar a ditadura do casal Ortega e da FSLN divide águas na esquerda. A chamada esquerda bolivariana mais extremada afirma que a revolta popular seria articulada pela CIA e pela direita nicaraguense com o objetivo de desestabilizar mais um governo progressista, a exemplo da Venezuela e do pretenso golpe no Brasil.

Nada mais falso! O governo Ortega é uma ditadura sanguinária, exploradora e entreguista do país ao imperialismo. Por isso, toda a esquerda latino-americana está obrigada a escolher um lado: ou com a heróica luta do povo nicaraguense contra a repressão e a exploração ou com uma ditadura que tenta se esconder atrás de uma falsa fachada progressista. Nós já temos nosso lado: o dos estudantes, camponeses e trabalhadores que estão lutando nas ruas.