Nestes dias, vários artigos foram publicados para convencer os ativistas da campanha contra a Alca de que a política do governo Lula defende a soberania nacional e enfrenta os interesses das grandes empresas.
Um deles, A Batalha de Miami, assinado por Gilson Reis, da CUT e do PCdoB, afirma: A declaração aprovada em Miami não tem nada a ver com a Alca sonhada pelo governo norte-americano. A Alca light como foi batizada pela mídia , é mais uma vitória da política externa do governo brasileiro. Todas as áreas sensíveis dos países do bloco (serviços, investimentos, compras governamentais, patentes, agricultura, legislação antidumping) serão encaminhadas a OMC. Abriu-se a possibilidade de acordos bilaterais ou entre blocos (Pacto Andino, Mercosul, América Central) e ainda uma flexibilidade de adesão maior, conforme decisão de cada país.
No afã de defender a negociação da Alca como mais uma vitória da política externa do governo o PCdoB esquece de ler a declaração ministerial de Miami e mente quando diz que os temas sensíveis serão encaminhados à OMC.
A declaração de Miami diz: As negociações sobre o conjunto comum de direitos e obrigações incluirá disposições em cada uma das seguintes áreas: acesso a mercados; agricultura; serviços; investimento; compras governamentais; propriedade intelectual; (…).
Mas, além dessa grosseira falsificação e do fato de que o PCdoB defende a Alca Light, o artigo tem o mérito de explicitar o debate: devemos abandonar a luta contra a Alca e passar a defender a política do governo de Alca Light? Outro tema é se o acordo de Miami caminha no sentido da Alca Light, ou se abre portas para a Alca Abrangente e a recolonização da América Latina.
Miami e as calorias da Alca
Os que reivindicam o acordo de Miami partem do seguinte pressuposto: o que foi definido em Miami não é a Alca dos sonhos dos EUA, por isso é uma vitória. Apóiam-se no fato de que as negociações sobre investimentos, compras governamentais, serviços e propriedade intelectual, que não têm a ver diretamente com o livre comércio, incluirão somente compromissos mínimos. Os países que quiserem todo o pacote exigido pelos EUA, podem fazê-lo em acordos bilaterais.
O problema seria saber quais compromissos mínimos o governo Lula estará disposto a fazer em troca de acesso ao mercado dos EUA. O ministro da Agricultura, o latifundiário e exportador Roberto Rodrigues, já deu o tom do que seria mínimo: As coisas serão traçadas de maneira equilibrada sempre com compensações. Receberá quem der.
A coisa funcionará mais ou menos assim: se os EUA estiverem dispostos a aumentar a cota de importação de suco de laranja e do álcool produzido no Brasil, poderemos ceder mais em serviços: entregar a Educação às multinacionais ou escancarar as patentes das plantas da Amazônia, por exemplo.
Os termos das negociações obedecem à seguinte lógica: o tamanho de nossa soberania dependerá de quanto os EUA abrirem o seu mercado agrícola.
Portanto, o acordo Lula-Bush não é a Alca Light. Ele prepara a Alca dos sonhos dos EUA. Como afirma a declaração da Campanha Continental Contra a Alca: Estamos diante de uma nova e talvez mais perigosa proposta de negociação.
O que o PCdoB apresenta como vitória, a flexibilidade de adesão maior, conforme decisão de cada país, na verdade significa que os EUA podem impor país a país uma Alca hard.
Com este acordo de Miami, além de tudo, o governo Lula abandona os povos da América Latina a mercê de seus governos entreguistas, justamente quando a campanha ganha força em todo o continente. Haverá uma Alca Abrangente no continente, se não for derrotada pelas massas.
Sair das negociações, única saída
Mas digamos que estejamos equivocados em nossa interpretação sobre o resultado da reunião de Miami, e o que temos pela frente é a Alca Light.
Contra tudo o que a Campanha Contra a Alca acumulou, o PCdoB e o PT invertem os termos da realidade e tentam colocar o movimento diante de um falso dilema: ou aceitam a Alca Light de Lula ou a Abrangente de Bush.
Acontece que existe uma outra alternativa e a única que derrota a Alca: a saída das negociações. Esta é a política do movimento e este foi o resultado do Plebiscito popular.
Existem conclusões opostas sobre a reunião de Miami e este debate deve ser feito de forma ampla, pois ele também implica em políticas diferentes para a campanha.
Afirmamos que a única e verdadeira batalha em Miami foi a travada nas ruas pelos manifestantes que lutavam contra a Alca. Nesta batalha, o governo Lula estava do outro lado. Light ou Abrangente, estava entregando nossa soberania.
Alca Light e Soberania Light?
O PT e o PCdoB considerariam uma grande vitória, se em vez de uma Alca como quer os EUA ela se limitasse a um acordo de livre comércio a chamada Alca Light. O que esses partidos não dizem é que, mesmo se fosse somente isso, haveria um brutal aumento do desemprego no Brasil e na América Latina. O aumento das importações dos EUA fará com que uma parte da indústria brasileira não consiga concorrer e feche as portas. A dívida externa crescerá e seu pagamento continuará saindo de verbas que deveriam ir para saúde, educação e reforma agrária.
O país aumentará sua subordinação ao imperialismo. Qualquer acordo de livre comércio só atenderá aos interesses dos grandes empresários e latifundiários, que em vez de vender seus produtos no Brasil, querem ganhar em dólares exportando para os EUA. Já o povo amargará mais desemprego, arrocho e menos soberania.
Alca Light não garante a soberania do país, pois não existe soberania light.
Post author Jeferson Choma e João Ricardo Soares,
da redação
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