As graves dificuldades após a crise econômica mundial, a megadesvalorização da moeda (bolívar forte), a renúncia de ministros e chavistas “históricos” e o retorno de protestos estudantis compõem o atual cenário político do paísO governo de Hugo Chávez passa por uma das piores crises políticas de sua história. Não é a primeira enfrentada pelo regime. Em mais de dez anos de governo, Chávez viveu diferentes crises, por exemplo, a do golpe de Estado de abril de 2002. No entanto, desta vez, é bastante diferente.

As crises anteriores ocorreram em meio a um crescimento do chavismo e tiveram desfechos vitoriosos, dando a Chávez mais apoio das massas populares e da classe operária. Hoje, porém, crescem a desilusão e o ceticismo dos setores mais pobres e a ruptura de setores da classe trabalhadora com o governo.

Mesmo históricos defensores de Chávez, como Heinz Dieterich, ideólogo do chamado “socialismo do século 21”, passaram a criticar abertamente o governo. “A política do presidente não tem construído instituição alguma que se possa chamar de socialismo do século 21”, disse Dieterich, que completa: “Nada do que se fez na Venezuela é diferente dos mercados na Europa. Os programas sociais são muito positivos, mas nada disto é socialista”. (Correspondencia de Prensa, 25/3).

Mas o que leva antigos chavistas a criticar e até mesmo a romper com o governo? Por que aumenta a desilusão de trabalhadores com a “revolução bolivariana”? Uma primeira explicação vem da economia.

Imunização
No início da crise econômica mundial, Chávez declarou que o “socialismo do século 21 imunizaria o país”. Nada mais longe da verdade. Na América do Sul, a Venezuela foi um dos países mais afetados. Em 2009, registrou uma queda de 2,9%, enquanto a economia mundial caiu 1,1%. Na América Latina, a queda foi de 1,8%.

A resposta de Chávez à crise não foi diferente da de outros governos, ou seja, jogar a crise sobre as costas dos trabalhadores. Em janeiro, o presidente anunciou a megadesvalorização do bolívar forte para “combater” a mais alta inflação da América Latina, de quase 26% em 2009, oficialmente. A desvalorização arrasou ainda mais os salários.

Por outro lado, a medida foi muito bem recebida pelos capitalistas. Para o Fundo Monetário Internacional (FMI), a “desvalorização é um bom passo para a Venezuela”. Já o presidente da federação industrial venezuelana declarou que “o ajuste cambial protege a maioria do povo”.

A razão para esses senhores aplaudirem a desvalorização é simples. A medida diminuiu drasticamente os salários, aumentando, portanto, as taxas de lucros dos empresários. As multinacionais que seguem explorando o país (como acionistas da “empresa mista” PDVSA, estatal de petróleo) vão gastar só a metade dos dólares para pagar os operários. O “excedente” irá para as matrizes, fora do país.

Aos efeitos da crise somam-se os descalabros administrativos na economia e na infraestrutura. Rica em petróleo, a Venezuela importa quase tudo, até alimentos. A geração de eletricidade continua uma calamidade. Apesar de ser um dos maiores produtores de energia, até hoje o fornecimento de eletricidade é interrompido por “apagões”.

Violência, repressão e corrupção
Ao contrário do que disse Chávez, a Venezuela não estava imune à crise. Isso porque o governo não alterou o regime de propriedade. Ao manter o capitalismo, as crises econômicas aprofundam ainda mais a miséria.

Se o “socialismo do século 21” de Chávez não imunizou o país diante da crise, também não impediu o aumento da corrupção e da degradação social.
O desemprego e o trabalho informal atingem metade da população e provocam uma onda de violência na capital, Caracas. A cidade é a segunda mais violenta das Américas, o que mostra que as políticas assistenciais sequer foram capazes de mascarar a degradação social.

Por outro lado, a “revolução bolivariana” tem sido muito gentil com os novos ricos. Os chamados “boliburgueses” se enriqueceram à sombra do governo. E, frequentemente, envolvem-se em escândalos de corrupção, como Arne Chacón, irmão de Jesse Chacón, ministro e figura histórica do chavismo que participou com Chávez do levante militar de 1992.

Chacón se converteu em milionário e proprietário de bancos e estava associado a outro “boliburguês”, o empresário Ricardo Fernández.

Repressão aos operários
A experiência com o chavismo também avança na classe operária. Nos dois últimos anos, os trabalhadores, especialmente operários industriais, têm protagonizado lutas duramente reprimidas pelo governo ou por pistoleiros. Em janeiro de 2009, dois operários da Mitsubishi foram assassinados pela polícia. Hoje, os trabalhadores da Mitsubishi lutam contra 200 demissões efetuadas pela empresa com a aprovação do Ministério do Trabalho.

Em todo o país, estima-se que quase 2.400 ativistas estão sendo processados.

A política da oposição burguesa
O imperialismo e a oposição de direita, ao contrário do que a esquerda chavista afirma, não estão preparando um golpe militar contra o governo. Apostam no desgaste de Chávez e nas eleições legislativas de setembro.

A reação do governo diante da crise só fortalece a direita. Chávez tem uma postura cada vez mais autoritária, prendendo representantes e candidatos da direita. Com a esquerda chavista capitulando diretamente ao governo, a oposição de direita é quem se beneficia da crise venezuelana.

O movimento estudantil que saiu às ruas para se enfrentar com o autoritarismo de Chávez é dirigido por correntes da direita.

Uma saída independente
O choque de setores da classe operária com o governo poderá aumentar. Chávez tenta transferir a crise para a classe trabalhadora, atacando salários, empregos e condições de trabalho.

Mais de uma década de regime chavista não significou nenhuma mudança estrutural no país, tampouco o levou a uma “transição ao socialismo do século 21”. Por isso, a única saída para os trabalhadores venezuelanos é a construção de uma alternativa operária, independente dos patrões e do nacionalismo burguês de Chávez.

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