A atual crise migratória na Europa deve ser compreendida como a ponta do iceberg de uma crise sistêmica muito mais profunda. A do sistema capitalista em sua atual etapa de decadência e destruição. As crises ocorrem em intervalos de tempo cada vez menores e são mais profundas e destrutivas. A saída proposta pelos governos da Europa e dos Estados Unidos é aumentar a miséria nos países periféricos e nos seus próprios países para continuar garantindo os lucros aos mais ricos.

A União Europeia não é um projeto de capitalismo sustentável e humanitário, mas uma máquina de guerra contra os povos para garantir os benefícios do grande capital alemão e francês. É corresponsável, junto com outros governos, pelas guerras e tragédias sociais que assolam os países africanos, asiáticos e latino-americanos e que levam milhões de trabalhadores a recorrer à última alternativa que lhes resta: a imigração involuntária. Os governos europeus são responsáveis pelas mortes no Mediterrâneo e pelas cenas de barbárie que vimos nos últimos dias nas fronteiras da Europa.

O drama da imigração
Famílias inteiras atravessam a cerca de arame farpado que separa a Hungria e a Sérvia para entrar no território da UE. Dezenas de pessoas amontoadas como animais em embarcações precárias para chegar às ilhas gregas partindo da costa turca. Pessoas flutuando nas águas do Mediterrâneo perto da costa italiana observadas pela guarda costeira. Nos rostos dessas pessoas, obrigadas a seguir essas rotas em busca de dignidade e proteção, se expressa o medo e a incerteza de não saber até onde vão nem se chegarão com vida. A maioria dos que conseguem percorrer todo o caminho até chegar à Europa teve que pagar quantias absurdas para as máfias que transformam o horror da guerra em um negócio muito lucrativo.

Essas imagens se espalharam pelas redes sociais nas últimas semanas, no que está sendo tratado pela imprensa como a pior crise humanitária desde a II Guerra Mundial. É difícil não se comover. O drama dos refugiados que chegam à Europa vindos de países como Síria, Afeganistão, Eritreia, Somália e Iraque está chamando a atenção de meio mundo. A Síria está novamente no centro das manchetes, já que mais da metade da atual onda de refugiados vem de lá, e muitos se perguntam o que é que realmente acontece neste país.

Os grandes meios de comunicação, como sempre, transformam o drama humano em um grande espetáculo, com o fim de atrair atenção e vender mais publicidade, mas nenhum deles explica as causas nem as consequências do que acontece atualmente nas fronteiras europeias. A situação é grave e exige respostas rápidas.

Somente em 2015, 100.000 pessoas chegaram ao território comunitário através da Hungria, comparado com os 40.000 que entraram durante todo o ano de 2014. Para fazer frente ao contínuo fluxo de imigrantes que chegam da Sérvia com o objetivo final de chegar à Alemanha ou à Suécia, Budapeste solicitou à Bruxelas oito milhões de euros adicionais aos 61 milhões que já desembolsou há três semanas. “Recebemos a solicitação e estamos analisando para poder desbloquear o dinheiro o mais rápido possível”, confirmou na terça-feira a porta-voz de Imigração, Natascha Bertaud. A ONU alerta, além disso, que o número de pessoas que atravessa a Macedônia a pé com o objetivo de chegar à Hungria é de entre 1.500 e 2.000 a cada noite. (El País, 25/08/2015)

Por outro lado, somente de janeiro a agosto, mais de 2.000 pessoas morreram tentando atravessar o Mediterrâneo. A maioria perdeu a vida no canal da Sicília, entre a Líbia e a Itália, a rota mais perigosa. A guarda costeira resgatou, em 2015, mais de 188.000 pessoas no mar. Em 2014, cerca de 280.000 pessoas solicitaram asilo, 164% a mais que em 2013. As cifras são assustadoras justamente porque não são apenas cifras, e sim vidas humanas.

Este quadro revela que não é tão desproporcional comparar a atual situação com a da II Guerra Mundial. E tudo isso acontece na Europa, onde supostamente se vive o sonho da livre circulação de pessoas, um mundo sem fronteiras, como propagam os defensores da União Europeia e seus meios de propaganda.

Mais travas legais e repressão
Com o importante aumento do número de pessoas que vêm para a Europa provenientes do norte da África, Oriente Médio e Ásia Central, abriu-se um tenso debate entre os governos da Europa sobre como enfrentar a situação. Os países que são porta de entrada para o velho continente, como Espanha, Itália, Hungria, Polônia, Macedônia e Grécia, reivindicam um maior financiamento para suas polícias de fronteiras e uma melhor distribuição dos recém-chegados entre os países que pertencem à UE. O debate atual gira em torno das cotas e do financiamento das operações de patrulha. O principal objetivo é reduzir a chegada de imigrantes ao mínimo possível e necessário, não combater as reais causas da crise humanitária.

A Frontex é a agência da UE para a gestão integrada das fronteiras dos países-membros. Atua como assessora das guardas costeiras e das polícias de fronteira dos 27 países da UE, além de contar com equipes próprias e utilizar serviços de empresas privadas. Entre 2007 e 2013, a UE gastou aproximadamente 4 bilhões de euros em operações de controle fronteiriço e repressão à imigração, e somente 700 milhões de euros em ajuda aos refugiados (17%), segundo um informe da Anistia Internacional.

A legislação em vigor obriga a pessoa recém-chegada a pedir asilo no país onde toca o solo europeu pela primeira vez (Tratado de Dublin). Como a atenção aos refugiados nos países fronteiriços, como Grécia, Itália e Espanha, é muito precária, a maioria prefere não se registrar nesses países e seguir viagem até os países do norte, como Suécia e Alemanha. As polícias de fronteira em geral fazem vista grossa e deixam passar as pessoas que quiserem.

O êxodo de refugiados detona uma crise na EU
No entanto, a situação saiu totalmente do controle nas últimas semanas, com o aumento exponencial de pessoas que fogem principalmente da Síria, mas também de outros países. O número total de sírios que se deslocaram interna e externamente chega a quase 12 milhões. Quatro milhões estão fora do país. A situação de descontrole foi o que levou o governo alemão a mudar de política e anunciar que já não vai seguir as diretrizes do Tratado de Dublin, passando a aceitar também, a partir de agora, pessoas já registradas em outros países.

A mudança de atitude da chanceler alemã, Angela Merkel, justamente algumas semanas depois de protagonizar o episódio patético de dizer a uma menina palestina, diante das câmeras de TV, que ela teria que voltar para o seu país, não tem nada a ver com uma súbita tomada de consciência da mulher “mais importante” da Europa quanto à dramática situação dos refugiados, mas com a necessidade de organizar a sua entrada em território europeu e dividir melhor a cota entre os países. O jornal alemão Die Tageszeitung alertou, há alguns dias, que a situação na fronteira entre a Áustria e a Hungria é apenas um prelúdio do que pode acontecer futuramente na principal potência europeia se as medidas necessárias não forem tomadas com urgência.

A proteção das fronteiras já é feita de maneira conjunta na Europa, pela Frontex. Falta agora integrar a distribuição dos que conseguem entrar. Muitos sírios recém-chegados, para citar um exemplo, vão se tornar mão de obra jovem e bem formada para serem contratados por empresas alemães em troca de baixos salários. Os “minijobs”, contratos temporários sem direito à seguridade social, têm o objetivo de incorporar esse tipo de mão de obra ao mercado laboral alemão. Pouco a pouco vêm à luz as verdadeiras intenções dos líderes da UE, por trás dos discursos hipócritas de solidariedade entre os povos pronunciados em ocasiões especiais.

Os chefes de governo da Europa anunciaram uma reunião de emergência para setembro para discutir a situação. Conhecemos essa história. A reunião é para organizar melhor a repressão aos trabalhadores que chegam e, como em muitas outras ocasiões, não estarão à altura dos acontecimentos. Apresentarão um plano para conter a imigração “ilegal”, em seu vocabulário racista. Não afrontarão esta crise em sua verdadeira dimensão humana.

O governo espanhol aumenta a repressão em suas fronteiras
O Estado espanhol é um dos países da Europa que pior trata os refugiados. De 2007 a 2013, gastou 32 vezes mais no controle de fronteiras do que em ajudas aos refugiados que fogem da guerra ou da fome causados, em grande medida, por políticas apoiadas pelos governos europeus nos países semicoloniais da África, Ásia e América Latina.

De fato, a gestão das ajudas é atribuída a agências não governamentais como a Cruz Vermelha e a Comissão Espanhola de Ajuda ao Refugiado (CEAR), que atendem os refugiados e decidem a distribuição dos escassos recursos.

O governo espanhol se propõe a aceitar, dentro de um sistema de cotas proposto pela UE, aproximadamente 3.000 pessoas em 2015, um número muito inferior ao que Bruxelas quer, cerca de 6.000 pessoas. Mesmo assim é um número totalmente insuficiente. O governo do PP aposta no aumento da repressão nas fronteiras de Ceuta e Melilla, assim como nas patrulhas no Mar Mediterrâneo. É comum que a guarda costeira utilize balas de borracha e gás lacrimogêneo contra pessoas no mar, muitas vezes resultando em mortos e feridos. Por outro lado, as deportações sumárias, teoricamente proibidas pelos tratados europeus, acontecem frequentemente no território espanhol.

“O Boletim Oficial do Estado publicou nesta terça-feira a Lei de Segurança Cidadã (conhecida popularmente como ‘lei mordaça’) cuja Primeira Disposição Final faz uma emenda à Lei de Relações Exteriores para amparar a deportação sumária a Marrocos dos migrantes interceptados nas cercas fronteiriças de Ceuta e Melilla sob a nova figura jurídica da ‘recusa na fronteira’. (Público, 31/03/2015)

As pessoas que solicitam asilo e obtêm o visto de residência são completamente abandonadas pelas autoridades espanholas e têm que buscar sobreviver por outros meios, principalmente com o apoio de familiares e amigos que já residem no país. As associações de refugiados reivindicam e lutam para que seus direitos sejam cumpridos, como o direito à moradia, ao trabalho, à atenção integral de saúde e à educação pública de qualidade, para que possam reconstruir suas vidas e se integrar nas sociedades a que foram obrigados a imigrar.

Solidariedade com os refugiados
A Europa está dividida em relação ao tema dos refugiados. Por um lado, acontecem belas demonstrações de solidariedade por parte de setores importantes da sociedade. Milhares de pessoas estão oferecendo suas casas para receber os refugiados recém-chegados. Esta solidariedade é espontânea e nasce da consciência de um povo que sabe o que é o drama da imigração. Por outro lado, crescem os grupos fascistas que atacam os imigrantes, culpando-os pelo desemprego e outros problemas que na verdade foram gerados pelos governos e pela UE.

Recentemente, as prefeitas de Madri e de Barcelona declararam que estão dispostas a incluir esses municípios em uma rede de cidades de acolhida. Manuela Carmena afirmou em uma entrevista na rádio que “está disposta a fazer o que for necessário para acolher aqueles que necessitem, mas deseja que seja o Governo que diga quantas pessoas vão chegar a Madri“.

Não podemos esperar que o Governo indique o número de pessoas que entrarão no país. O número com que Rajoy trabalha é indigno de ser mencionado. A urgência da situação exige soluções rápidas. O Governo central, as Comunidades Autônomas e os municípios devem imediatamente destinar recursos para a ajuda aos refugiados, tanto os que já estão no país como os que chegarão futuramente. Os apartamentos vazios devem ser imediatamente expropriados dos bancos, por exemplo, e utilizados para abrigar as famílias sem moradia. O número de imóveis vazios no Estado espanhol é suficiente para atender milhões de pessoas.

É preciso parar esta catástrofe! Toda solidariedade com os refugiados!

Asilo para todos os solicitantes nas fronteiras europeias!

Menos repressão nas fronteiras e mais ajudas aos refugiados!

Suspender o pagamento da dívida para enfrentar a catástrofe humanitária!

É preciso expropriar os apartamentos vazios e colocá-los à disposição das famílias recém-chegadas!

Direitos básicos para todos os refugiados na Europa!

[1] http://internacional.elpais.com/internacional/2015/08/25/actualidad/1440506167_226141.html

[2] http://www.publico.es/sociedad/devoluciones-caliente-ya-son-legales.html