Presidente do STF, ministro Cezar Peluso

Escândalo envolvendo magistrados e o STF é uma amostra do mundo de abusos e privilégios do JudiciárioMais um escândalo mostra o real caráter da Justiça no Brasil. No dia 19 de dezembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a suspensão de uma investigação levada a cabo pela corregedoria nacional por ilegalidades e favorecimentos a juízes no recebimento de auxílios. Dois dos ministros que compõem a mais alta corte do país teriam se beneficiado com os fatos investigados.

A investigação se refere a uma varredura determinada pela corregedora do Conselho Nacional de Justiça, Eliana Calmon em 22 tribunais, num universo de quase 217 mil magistrados, a fim de rastrear pagamentos ilegais a determinados juízes e desembargadores. Procuravam-se casos de evolução patrimonial e enriquecimentos ilícitos entre os togados.

O pagamento do auxílio-moradia aos juízes, que motivou a investigação, foi determinado pela Justiça em 2000, baseado no princípio da isonomia entre os poderes, já que deputados e senadores recebiam o benefício. Com a decisão judicial, os juízes ganharam o direito de receber os valores retroativos aos anos 1990. Como o valor total desses atrasados era muito alto, os juízes deveriam receber de forma parcelada e de acordo com orçamento.

A devassa nas contas dos juízes partiu da constatação de que, enquanto alguns magistrados receberam o valor total do benefício de uma só vez, outros, a maioria, continuaria a receber de forma parcelada. A investigação começou em 2009 e abrangia pagamentos realizados nos quatro anos anteriores.

Entre as irregularidades encontradas, o caso mais emblemático é do Superior Tribunal de Justiça de São Paulo, aonde nove dos 33 ministros teriam recebido todo o valor do benefício de uma só vez. Nesse caso se enquadrariam os ministros do Supremo Tribunal Federal (e ex-desembargadores do STJ de São Paulo) Cezar Peluso, que recebeu R$ 700 mil e Ricardo Lewandowski, que teria recebido R$ 1 milhão e foi quem garantiu a liminar suspendendo a investigação, agindo em seu próprio interesse.

Em causa própria
Além da liminar de Lewandowiski, no mesmo dia 19 o também ministro do STF Marco Aurélio Mello se antecipou a um parecer que deveria dar só em fevereiro e esvaziou temporariamente os poderes de investigação do CNJ. Não entrando na discussão sobre o real sentido desse conselho, fica evidente que os ministros da alta corte agiram de forma orquestrada para barrar qualquer tipo de investigação que os incriminasse.

Como se isso não bastasse, ao invés de exigir a apuração das denúncias e a punição dos eventuais criminosos, as entidades ‘de classe´ dos juízes apontaram sua artilharia à corregedora e exigem agora a investigação de Eliana Calmon, afirmando que ela não poderia ter devassado os seus pares de toga. A AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), Ajufe (Associação dos Juízes Federais) e a Anamatra (Associação dos Magistrados do Trabalho) denunciaram a ministra corregedora à Procuradoria-Geral da República e ao próprio CNJ.

Acima da lei
O que se estava investigando nem era o pagamento ou o valor dos benefícios, mas a forma com que foi realizado. O fato é que, mais do que o crime em si, choca a forma com que o próprio STF barrou qualquer tentativa de investigação ou levantamento de dados que pudesse afetar seus próprios integrantes ou demais juízes e desembargadores. Punição então nem pensar, já que, no caso improvável de que a corregedoria conseguisse apontar algum crime, essa prerrogativa é exclusiva do próprio STF, ou do Congresso.

A princípio, os ministros nem mesmo podem ser investigados, já que isso também exclusividade do STF e do Congresso. O que o STF barrou é a mera possibilidade de se reunirem dados e evidências de algum crime de seus membros. No caso, a análise da evolução patrimonial dos juízes. A própria Eliana Calmon apontou que, no caso do STJ de São Paulo, foram observadas 150 ‘movimentações financeiras atípicas´, enquanto metade dos magistrados do tribunal esconde sua renda.

O caso mostra o feudo de poder, vantagens e arbitrariedades em que se encontra o Poder Judiciário, a exemplo do Legislativo e o Executivo. Assim como deputados e senadores, juízes determinam se são ou não investigados e, cada vez mais, a exemplo de seus colegas de outros poderes, não se preocupam em disfarçar a defesa descarada de seus próprios interesses.


Presidente do STF, Cezar Peluso, presidente do Senado, José Sarney (PMDB) e o da Câmara, Marco Maia (PT)

Basta dizer que, enquanto o STF barrava a apuração dos pagamentos ilegais do auxílio-moradia aos magistrados (auxílio que em si já um privilégio), o Congresso aprovava o Orçamento para 2012, sem qualquer aumento aos aposentados que ganham acima do mínimo ou aos servidores públicos, inclusive os servidores do Judiciário que protestavam em Brasília e que amargam cinco anos de congelamento salarial.

O Judiciário, assim, embora tente se parecer neutro e imparcial, revela-se na prática uma extensão dos outros dois poderes. Há poucos dias o ministro Cezar Peluso realizou um julgamento relâmpago para empossar Jader Barbalho (PMDB-PA) senador no lugar da senadora do PSOL Marinor Brito. Barbalho não havia ocupado o lugar até então por ter sido enquadrado na Lei da Ficha Limpa. A imprensa revelou que, no dia anterior, o ministro se reuniu com líderes do PMDB, partido de Barbalho. Como o julgamento da ação do agora senador paraense estava empatado, o presidente do STF fez uso do regimento interno da corte e deu o voto de minerva para desempatar.

Estranhamente, a constitucionalidade da própria Lei da Ficha Limpa aguarda julgamento até hoje no Supremo. Está parada, pois sua votação havia também dado empate. O que não foi nenhum empecilho, claro, para Peluso garantir já a vaga do Senado ao PMDB. A lei, mesmo essa que temos hoje e que, em última instância serve para perpetuar a sociedade de classes, parece estar abaixo da toga dos juízes.