Terceirizadas da UFRGS em greve por causa de atraso de salário

O PL 4330 é um ataque contra todos trabalhadores e trabalhadoras. Contudo, para aqueles que têm sido historicamente marginalizados – como negros, negras, mulheres e LGBTs – o projeto significa um golpe ainda mais violento

Na quarta-feira, 8 de abril, a Câmara dos Deputados se reuniu para aprovar um dos projetos de leis mais retrógrados da história em nosso país, o PL 4330/2004. O projeto ainda será enviado ao Senado e, depois, sua efetivação dependerá da sanção da presidente Dilma. 
 
Mas uma coisa já é certa: se aprovada, a “Lei das terceirizações” irá afetar de forma particularmente cruel a vida de negros e negras, mulheres e LGBT’s que, hoje, já compõem uma significativa maioria dos trabalhadores terceirizados ou precarizados; ou seja, aqueles que não têm registro em carteira ou qualquer tipo de direitos.
 
Uma lei antitrabalhador
O PL 4330 pretende consolidar, aprofundar e estender a mais e mais trabalhadores a superexploração à qual os terceirizados já estão submetidos atualmente, com salários de fome que ainda são pagos com atrasos, horas excessivas e péssimas condições de trabalho, assédio moral e redução ou completa eliminação de direitos trabalhistas.
 
Até o momento, o trabalho terceirizado, oficialmente, está restrito aos serviços de vigilância, telefonia, alimentação e limpeza. Mas, se a lei for aprovada, ele será estendido para todo e qualquer tipo de serviços, sejam eles públicos ou privados. 
 
Escolas e hospitais, por exemplo, poderão demitir trabalhadores efetivos e contratar funcionários de uma empresa terceirizada, com condições de trabalho e salários ainda piores do que já são pagos. Basta lembrar que, hoje, um terceirizado recebe cerca de 30% a menos do que os trabalhadores contratados para a mesma função. No setor público, em particular, o PL 4330 significa o fim dos concursos, da estabilidade e dos direitos conquistado às duras penas pelo funcionalismo. 
 
E como se isto não bastasse, o projeto pretende golpear ainda mais a organização dos trabalhadores, já que os terceirizados não podem (ou enfrentam severas restrições) se filiar a sindicatos ou se organizar no interior das empresas, algo ainda mais dificultado pelas divisões entre os trabalhadores que as empresas impõem através da terceirização, com uniformes, refeitórios e horários diferenciados.
 
Trabalho precário e opressão sempre andaram juntos
Esse enorme retrocesso nas condições de trabalho irá afetar a vida de todo e qualquer trabalhador, aumentando a exploração a serviço dos lucros da burguesia. Contudo, não há dúvidas de que os que já sofrem com a opressão serão ainda mais afetados. 
 
Hoje, já é assim. Serviços terceirizados, como os de telemarketings, já têm uma expressiva maioria de negros (particularmente negras), mulheres e LGBT’s. As razões são muitas. No telemarketing, por exemplo, estes setores são “invisibilizados”, algo bastante de acordo com a “lógica” da discriminação e marginalização, seus padrões estéticos brancos e sua moral hipócrita.
 
Algo que, em serviços como os de limpeza e manutenção, se combina com a “crença” racista e machista de que negros e negras são mais “adequados” aos serviços pesados e com menor prestígio social ou que mulheres nasceram para as tarefas domésticas e para servir aos homens. E, em todos os casos, estes setores são os mais afetados em função de como o Capitalismo combina opressão com exploração: são os que têm menos acesso à Educação, estão entre a maioria dos desempregados, recebem os menores salários etc.
 
Essa é uma situação que, inclusive, não se restringe ao Brasil. Nos Estados Unidos, uma pesquisa realizada nas empresas de alta tecnologia, Vale do Silício, na Califórnia, revelou o profundo corte racial nos trabalhadores terceirizados. Negros (que são cerca de 12% da população), latinos (13% dos habitantes) e imigrantes são 72% dos serventes, 41% dos seguranças e 76% dos empregados na manutenção, recebendo salários inferiores aos brancos que exercem as mesmas funções. 
 
Para negros e negras, a volta à senzala
No Brasil, para que se tenha uma ideia de como a terceirização, a precarização e todo e qualquer tipo de trabalho vulnerável afetam diferenciada brancos e negros, homens e mulheres, vale citar uma pesquisa do Dieese realizada em 2010 nas regiões metropolitanas do país.
 
No Recife, por exemplo, naquele ano, 35,9% dos trabalhadores estavam em situação vulnerável. Dentre os homens negros, a porcentagem era de 30,4%; dentre os não negros, o índice era de 28,4%. Já entre as mulheres, o abismo era ainda maior: 47,6% das negras estavam em situação vulnerável, contra 35,4% das brancas.
 
A mesma situação se repete país afora, com destaque para Salvador, a cidade mais negra do país, onde as diferenças são proporcionais ao racismo que corre solto nas ruas da cidade. Lá, onde a porcentagem total de vulneráveis é de 34,1%; 29,9% dos homens negros encontram-se nesta situação (contra 22,3% dos não-negros) e 42,6% das mulheres negras (contra 26,1% das não negras).
 
A maioria negra e feminina nos serviços terceirizados também pode ser exemplificada pelos dados revelados por uma pesquisa do Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação do Estado do Rio de Janeiro: 92% dos trabalhadores nos serviços de limpeza terceirizados são mulheres, enquanto 62% são negros. 
 
Brasil afora, parte significativa dos terceirizados e precarizados estão nos trabalhos domésticos e afins. Para ser exato, 70% dos empregados domésticos se encontram nesta situação. E num país com um histórico de quase 400 anos de escravidão, isto tem raça e gênero. 
 
Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômicas Aplicadas, em 2009 existiam 7,2 milhões de brasileiros trabalhando na limpeza, cozinha e manutenção de casas e escritórios. Destes, as mulheres eram 93% do total (cerca de 6 milhões) e negros e negras representavam 61.6% do total (4 milhões).
 
Quando não estão presas no “quarto-senzala-de-empregada”, as mulheres negras geralmente continuam exercendo funções muito próximas àquelas da época da escravidão: são cozinheiras, vendedoras de rua, jogadas na informalidade; ou as garis, as técnicas em enfermagem etc., exercendo trabalho precário e terceirizado. 
 
A dimensão catastrófica que a PL 4330 pode ter na vida das mulheres negras pode ser exemplificada por um número por si só aterrador: segundo dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) de 2013, 70.6% das mulheres negras que trabalham nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Salvador, São Paulo e Distrito Federal estão nos setores de serviços, na sua enorme maioria já como terceirizadas.
 
Por fim, para que não se diga que as comparações com a época da escravidão são um “exagero”, vale lembrar que a terceirização é, literalmente, uma porta para o trabalhado semiescravo. Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, entre 2010 e 2014, 90% dos trabalhadores resgatados nos dez maiores flagrantes de trabalho escravo contemporâneo eram terceirizados em setores como mineração, confecções e manutenção elétrica.   
 
Unidade dos oprimidos e explorados contra o PL 4330 
Já sendo os principais atingidos pelas péssimas condições de trabalho e vida decorrentes da terceirização, os setores historicamente marginalizados só tem um caminho a tomar: se unir aos explorados e à juventude nas luta por barrar o projeto.
 
E pra isso é fundamental que as organizações dos movimentos negro, LGBT e feminista se engajem na organização da Paralisação Nacional dos Trabalhadores, convocada pelas principais centrais sindicais do país – CSP-Conlutas, CUT, CTB, NCST e Intersindical/CCT. 
 
E a luta não pode parar por aí. Para que possamos realmente colocar este projeto abaixo, bem como as Medidas Provisórias que estão sendo apresentadas pelo governo Dilma, é preciso tomar às ruas e construir uma forte greve geral! Uma greve em defesa dos trabalhadores, contra a terceirização e o machismo, o racismo e a LGBTfobia que são utilizados para superexplorar trabalhadores e trabalhadoras.