Redação

Há sessenta anos atrás, no dia 8 de maio de 1945, terminava o mais sangrento conflito militar da história da humanidade. Os números sobre as vítimas da Segunda Guerra são imprecisos e historiadores trabalham com hipóteses que variam de 50 a 80 milhões de pessoas

Alguns historiadores apresentam a Segunda Guerra Mundial como se ela fosse uma conseqüência lógica da Primeira Guerra, particularmente no que se refere aos tratados de paz de Versalhes, que foram extremamente desfavoráveis à Alemanha derrotada. Certamente os acordos de paz contribuíram para exacerbar os conflitos políticos, mas são absolutamente insuficientes para explicar a origem do conflito militar.

A força motriz que deflagrou a Segunda Guerra foi a rivalidade interimperialista na disputa por novos investimentos, mercados e fontes de matérias-primas baratas. Mas, para isso, era necessário definir qual seria o imperialismo que deteria a hegemonia mundial e ditaria a nova ordem política do capital. Não se tratava mais de subordinar apenas os países do mundo subdesenvolvido, mas também os países industrializados, às prioridades de acumulação de uma determinada potência hegemônica. Às vésperas da Segunda Guerra, as potências credenciadas para essa disputa eram os Estados Unidos, a Alemanha, o Japão e o decadente Império Britânico, com Itália e França ocupando um papel secundário.

Todavia, o papel do imperialismo alemão foi fundamental para a deflagração da guerra. Representando as classes dominantes alemãs, especialmente setores ligados à indústria armamentista, Hitler, desde sua chegada ao poder em 1933, tinha um projeto consciente não só de retomar a fatia perdida pelo imperialismo alemão depois da derrota na Primeira Guerra, mas também impor uma agressiva política de expansão em busca da hegemonia. Em outras palavras, a burguesia alemã preparava conscientemente a guerra.

O imperialismo norte-americano, por sua vez, era o adversário com maiores condições para disputar a liderança com a Alemanha. Dispunha de enormes reservas de capital, imenso potencial produtivo e mão-de-obra. O avanço da economia norte-americana levava à disputa do mercado internacional, pois o capital precisava ser investido e as mercadorias vendidas no exterior.

Até fins de 1938, Inglaterra e França assistiram com resignação pacífica a expansão nazista sobre a Europa (remilitarização da Renânia, anexação na Áustria e a ocupação de Praga). Mas Londres reagiu depois de perceber que a dominação nazista na Europa era apenas o prelúdio de uma investida de Hitler contra o Império Britânico e suas colônias. Razão pela qual resolveu reagir a qualquer expansão alemã sobre a Europa oriental, sua antiga área de influência. O ataque nazista à Polônia, em setembro de 1939, finalmente forneceu o pretexto para a Inglaterra, levando a reboque um relutante aliado francês, declarar guerra à Alemanha.

Derrotas revolucionárias
Se as causas imediatas da Segunda Guerra foram a expansão imperialista e suas contradições, os antecedentes produzidos na década de 20-30 também desempenharam um papel preponderante na preparação do conflito, especialmente no que se refere ao refluxo da revolução mundial.

O isolamento da União Soviética e as derrotas revolucionárias, como o massacre dos comunistas na China, ordenado por Chiang Kai Shek, em 1927; a ascensão do fascismo na Itália e Alemanha (1922 e 33); a vitória de Franco na Guerra Civil Espanhola; a derrota da revolução nas mãos da Frente Popular na França, foram, pouco a pouco, preparando as condições necessárias para que o imperialismo seguisse em marcha batida para a Segunda Guerra. Em certo sentido, pode-se considerar a deflagração da guerra como continuidade da onda contra-revolucionária que se abateu sobre o movimento operário nessas décadas e que provocou sua desmoralização e paralisia frente ao avanço da barbárie imperialista.

Não menos importante foi a política desenvolvida pelo stalinismo nesse período, com a sua teoria da construção do “socialismo em um só país”, responsável por todas essas derrotas. A década de 30 também foi a época das frentes populares, defendidas pela Internacional Comunista, já completamente stalinizada, que apregoavam a participação e a colaboração de partidos comunistas em governos democráticos burgueses, a fim de conformar as ditas alianças “anti-fascistas”. Tal política justificou a participação dos comunistas no governo republicano espanhol e o apoio dado ao socialista Leon Blun na França.

A Europa tomada pelo Terceiro Reich
A vantagem de dois anos de rearmamento, com o qual a Wehrmacht (exército alemão) entrou na guerra, ficou nítida quando, em pouco tempo, toda a Europa, com exceção da Inglaterra, estava completamente subjugada pelo seu poderio militar. A estratégia da Blitzkrieg (guerra relâmpago) provou ser particularmente eficiente na conquista da França, Dinamarca, Noruega e Holanda. Após seis semanas de combates, os soldados alemães marchavam sob o Arco do Triunfo, em Paris, para o horror da população francesa. Sozinhos, os britânicos são obrigados a efetuar uma retirada histórica em Dunquerque, na costa francesa, e suportar interruptos bombardeios lançados pela força aérea alemã (Luftwaffe) por mais de um ano. Hitler preparava a invasão às ilhas britânicas, mas, para isso, era preciso vencer a enorme resistência da marinha e da força aérea inglesa. Apoiados militarmente pelos EUA, cujo fornecimento de aviões, combustíveis e alimentos foi imprescindível, a Inglaterra consegue suportar os pesados ataques da Luftwaffe e, inclusive, derrotá-los em importantes batalhas.

Hitler sabia que o tempo corria contra ele. O Terceiro Reich corria o risco de perder sua vantagem militar se a guerra se tornasse prolongada. A Inglaterra podia recorrer a reservas muito maiores de matéria-prima do que a Alemanha e, depois, com a entrada dos EUA na guerra, também contava com os recursos praticamente inesgotáveis da indústria norte-americana. Se quisesse realmente impor a hegemonia do imperialismo alemão, o Reich precisava capturar uma importante reserva de matérias-primas para mover a máquina de guerra. Com a estagnação na Frente ocidental, invadir à URSS e capturar seus recursos e uma fonte de trabalho escravo – movido pela eslavofobia – era um passo lógico para Hitler. Assim, após um período de hesitação, a invasão à URSS, planejada desde junho de 1940, tornou-se a Blitzkrieg seguinte.

Aliança com a URSS: o mal menor do imperialismo
Na véspera da Operação Barbarossa (invasão à URSS), EUA, Inglaterra e URSS conformaram uma aliança militar contra a Alemanha nazista e seus aliados, Japão e Itália. Muitos àquela altura, inclusive o próprio Hitler, se perguntavam: mas por que diabos potências imperialistas se aliaram a um Estado Operário contra outra potência imperialista?

Naquele contexto, porém, essa estranha aliança fazia algum sentido. O que orientava os aliados capitalistas era o espírito de autopreservação do projeto das suas respectivas burguesias. Sem disposição de enfrentar uma guerra na Europa continental (de fato, só fazem isso seriamente depois do desembarque na Normandia em 1944, conhecido como o “Dia D“), EUA e Inglaterra apostavam no desgaste mútuo entre Alemanha e URSS, para depois iniciarem uma “operação de limpeza”. Os aliados, obedecendo a essa lógica, não deixaram de enviar recursos materiais para a URSS, pois assim garantiam que, no futuro, a Alemanha não os ameaçasse na disputa pela hegemonia mundial.

Hitler ordena a invasão e a destruição da URSS

Em junho de 1941, confirma-se o prognóstico apontado por Trotsky em 1931; dizia ele: “Se Hitler tomar o poder na Alemanha, desencadeará uma guerra contra-revolucionária à União Soviética”.

A marcha contra a URSS era inevitável, pois o imperialismo alemão não poderia permitir a existência de um Estado Operário sob a sua futura dominação. Stalin não compreendia isso e estava convencido que, se a URSS se “comportasse bem” o perigo da invasão nazista estaria afastado. Daí o Pacto de não-agressão de Hitler-Stalin, cuja conformação, além de desmoralizar o conjunto do movimento comunista mundial, deu o tempo necessário para Hitler planejar a invasão.

A invasão contra a URSS, todavia, não só deu uma nova dimensão geográfica ao conflito, mas também modificou seu caráter social. Até o momento, a guerra era marcada pela disputa entre os países imperialistas para decidir quem teria prioridade na rapina mundial. Com a invasão à URSS, a pilhagem realizada pelo imperialismo alemão foi sobre a propriedade coletiva conquistada pela Revolução de Outubro. O que estava em curso era uma monumental contra-revolução social.

Os primeiros quatro meses da invasão (conhecida como Operação Barbarossa) tiveram conseqüências terríveis para a população. Calcula-se que a Wehrmacht exterminou ou capturou cerca de 3 milhões de russos nesse período. O alto preço pago pelos massacres deve-se, sobretudo, à política adotada por Stalin no período anterior à invasão. Em 1937, os expurgos praticados contra o Exército Vermelho liquidaram num só golpe cerca de 90% dos seus generais e 80% de todos os seus coronéis, debilitando profundamente a sua capacidade de reação. Nem mesmo Tukachevsky, um dos mais brilhantes estrategistas soviéticos e profundo conhecedor das estratégias militares alemãs, escapou do fuzilamento. Essa situação levou a Inglaterra e os EUA a apostarem numa queda rápida do gigante vermelho.

Contudo, o mesmo Tukachevsky, antes de cair em desgraça, já apresentava os elementos que conduziriam o nazismo à derrota nas frias estepes russas. “Quanto à Blitzkrieg, de que os alemães fazem tanta propaganda, ela se dirige a um inimigo que não quer lutar (…) Se os alemães encontrassem um adversário que se mantém em pé, e luta, e assume a ofensiva, isso daria um aspecto diferente às coisas”.

Embora tivesse a defesa desorganizada, a enorme resistência do povo soviético produziu um grande impacto no avanço da Wehrmacht. Antes mesmo da batalha de Moscou (1941), o exército alemão perdeu – de um total de 4 milhões – cerca de um milhão de soldados, muito mais do que tinham previsto os generais alemães. Outra surpresa desagradável foi a chegada do terrível inverno russo, que liquidou milhares dos despreparados soldados alemães.

No entanto, a grande fonte da recuperação soviética deu-se no terreno econômico. Apesar da devastação do país depois da invasão, a URSS produziu, entre 1941 e 1945, cerca de 100 mil blindados, 112 mil aviões e 1,5 milhão de metralhadoras, números bem superiores aos da Alemanha. O êxito da URSS indica a superioridade da economia planejada na centralização e mobilidade dos recursos para o esforço de guerra.

De alguma forma, esses elementos confluíram na resistência de Stalingrado no decorrer de 1942-43. A prolongada defesa da cidade permitiu exaurir as reservas alemãs, e deu o tempo necessário para planejar detalhadamente o cerco ao 60 exército alemão e organizar um esforço de guerra monumental. A derrota da Wehrmacht em Stalingrado, a primeira de toda a guerra, posteriormente consolidada em Kusrk, marcou o início da contra-ofensiva soviética. O impulso tomado pelo Exército Vermelho agora só seria contido com a tomada de Berlim.

Yalta Potsdam: a divisão do mundo
Os anos que seguiram a derrota nazista em Stalingrado assistiram uma longa guerra de desgaste. Contudo, o avanço soviético sobre Berlim deu-se com sucesso, sobretudo porque os oficiais do Exército Vermelho puderam operar com relativa autonomia em relação a Stalin. Mas antes que Hitler se suicidasse em seu Bunker e a bandeira soviética tremulasse sobre o Reichstag (sede do Parlamento alemão) em Berlim, em maio de 1945, muitas conferências entre os aliados foram realizadas para dividir os despojos de guerra. Entre 1943 e 1945, Stalin, Churchill e Roosevelt tentaram estabelecer os parâmetros da futura ordem mundial, dividindo o mundo em áreas de influência. Nas conferências de Yalta e Potsdam, ambas em 1945, foram definidas as divisões de Berlim e da Alemanha pelos países vitoriosos. O Leste Europeu ocupado pelo Exército Vermelho foi convertido na zona de influência soviética.

Posteriormente, sob a coerção militar da URSS, foi expropriada a propriedade capitalista na região (revolução de “cima para baixo”). Mas essa iniciativa da burocracia stalinista, baseada em acordos com o imperialismo, estava longe de estimular a revolução mundial, como demonstrariam os acontecimentos posteriores.

A onda revolucionária do pós-guerra
A derrota do fascismo acendeu o rastilho de pólvora da revolução mundial. A onda revolucionária abateu-se simultaneamente na Europa e na Ásia, rompendo com os limites das negociações de Yalta e Potsdam.

Na Europa, a luta contra a ocupação fascista, empreendida pela resistência na Iugoslávia, Grécia, França e no norte da Itália, encabeçada, em grande número, pelos comunistas, desdobrou-se em poderoso ascenso revolucionário. O líder da resistência comunista iugoslava, Tito, desobedece as ordens de Stalin, toma o poder e inicia a expropriação da burguesia. Na Itália, o Partido Comunista emerge da guerra com mais de 800 mil membros, conquistados, sobretudo, pela atuação na resistência contra Mussolini e a ocupação nazista. Na França, do mesmo modo, o PC sai com enorme prestígio depois de anos de resistência à ocupação. Mas, nesses dois países, a revolução foi bloqueada quando os PCs resolveram acatar as ordens de Stalin e a participar dos governos burgueses para reconstruírem o Estado e a economia capitalista, auxiliando na implementação do Plano Marshall. Foi uma traição do stalinismo de dimensões históricas: uma revolução socialista vitoriosa na França e na Itália, dois países imperialistas, mudaria o curso da história da humanidade.

Na Grécia, a revolução foi derrotada quando Stalin, num gesto para ganhar a confiança dos aliados, abandona o PC e o ELAS para que fossem esmagados pelas tropas britânicas, que invadem o país em 1944.

Se Stalin havia conseguido deter o avanço da revolução européia, na Ásia, contudo, o movimento revolucionário rompe com os limites dos acordos aliados e produzem vitórias formidáveis depois de anos de luta antiimperialista. Na China, a guerrilha dos comunistas de Mao Tsé Tung, depois de uma longa luta contra o imperialismo japonês, toma o poder em 1949, rompendo com sua condição de colônia e dando início à expropriação capitalista no país. A rendição japonesa também fez eclodir na península da Indochina, antiga colônia francesa, um poderoso movimento revolucionário anticolonial que tomou o poder antes mesmo que os aliados pudessem lançar os olhos para a região. Uma testemunha ocular da revolução dizia: “Horas depois da notícia (rendição do Japão), desencadeou-se uma tempestade social de tais proporções que poderia ter sido derrubada qualquer coisa”. A reação do imperialismo nessa região vai desencadear mais tarde a guerra do Vietnã.

No fim dos anos 40, apesar de todos os esforços do imperialismo e da sua linha auxiliar no movimento operário, o stalinismo, a onda revolucionária do pós-guerra levou à expropriação do capitalismo a um terço da população do planeta.

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