No próximo 21 de agosto, completa-se 65 anos da morte de Leon Trotsky, assassinado a mando de um agente de Stalin. Para homenageá-lo, a editora José Luís e Rosa Sundermann reeditará “A Revolução Traída. O que é e para onde vai a URSS”.
A última publicação dessa obra em português data de 1980. Muitos podem nos perguntar o porquê de publicar um livro sobre a URSS escrito em 1936.

A essa pergunta responde Martín Hernández na Introdução escrita para esta edição: “A Revolução Traída (…) é um instrumento insubstituível para todo aquele que pretenda compreender as causas e conseqüências dos chamados processos do Leste europeu.

Quando nos referimos a esses processos, estamos falando centralmente de dois grandes fatos contraditórios entre si. Por um lado, da restauração do capitalismo nos ex-Estados Operários e, por outro, das mobilizações de massas que derrubaram os regimes stalinistas”.

Os temas tratados por Trotsky na obra: as razões que levaram a vitória da contra-revolução stalinista, quando e porquê a burocracia assume o poder, o caráter do Estado e a dinâmica da URSS, seja para negá-las ou afirmá-las, são fundamentais para compreender os acontecimentos de 1989 e 90. As conclusões desses processos afetaram o programa de todas as organizações revolucionárias e reformistas em todo o mundo.

Revolução mundial
Trotsky inicia a sua análise demonstrando a superioridade da economia planificada em relação ao capitalismo. Graças a ela, um país atrasado, como a Rússia e as repúblicas que compuseram a URSS, pôde transformar-se na segunda potência industrial do planeta.

Ao mesmo tempo, no entanto, afirmava que as grandes conquistas na economia, obtidas com a expropriação da burguesia, estavam ameaçadas. Na época em que foram feitas, essas afirmações pareciam uma insensatez, pois a URSS crescia a uma taxa de mais de 10%, e o nível de vida das massas melhorava com a industrialização, apesar do terror stalinista.

Trotsky dizia que, na época do imperialismo, seria impossível que a URSS pudesse se desenvolver para o estágio que Marx e Engels chamaram de socialismo, ou seja, um estágio prévio ao comunismo, sem antes derrotar o imperialismo mundialmente.
A possibilidade de que a URSS pudesse seguir aumentando o nível de vida de sua população dependia, sobretudo, do nível da técnica e dos recursos materiais do que das formas de propriedade. Esse estágio de desenvolvimento, entretanto, não se alcançaria dentro das fronteiras da URSS e sim expropriando o imperialismo. O “socialismo em um só país” era impossível.

A burocracia
Para Trotsky, a jovem República dos Sovietes teve que pagar um preço muito caro, em função de dois elementos fundamentais: o fato dos operários chegarem ao poder num país atrasado e a derrota da revolução alemã pelas mãos da socialdemocracia, o que levou ao islolamento da URSS. O preço foi uma contra-revolução que, se não chegou a destruir as formas da propriedade socialista, causou uma profunda deformação no Estado Operário.

Antes de Trostky, Lenin perguntava-se: “Quais são as raízes econômicas da burocracia? E respondia: “o fracionamento, a disperção do pequeno produtor, sua miséria, sua incultura, a falta de comunicações, o analfabetismo, a falta de intercâmbio entre a agricultura e a indústria, a falta enlace e interação entre elas”.

Coube a Trotsky aprofundar essa análise de Lenin e desenvolvê-la: “A autoridade burocrática tem como base a pobreza dos artigos de consumo e a luta de todos contra todos (…). Quando há bastante mercadoria nos armazens, as pessoas podem chegar a qualquer momento; quando há poucas mercadorias, é necessário fazer uma fila na porta. Se a fila é longa, impõe-se a presença de um agente de polícia que mantenha a ordem. Esse é o ponto de partida da burocracia soviética, “sabe” a quem deve dar e quem deve esperar”.

Segundo Trotsky, a burocracia, formada inicialmente como resultado do baixo desenvolvimento econômico, com o fim de servir ao proletariado, transformou-se em árbitro entre as classes, adquirindo uma autonomia que subjugou o proletariado pelo terror e pela repressão.

O duplo caráter do Estado
Muitas foram as polêmicas sobre o caráter da URSS; neste artigo não poderemos entrar nesse tema, mas recomendamos o trabalho de Martín Hernández sobre o caráter da URSS e a Introdução para esta edição de A Revolução Traída. Alguns afirmaram que a contra-revolução havia conduzido a uma espécie de “capitalismo burocrático de Estado” (Tony Cliff). Outros diziam havia um novo modo de produção o “coletivismo burocrático” (Bruno Rizzi).

Para Trotsky, a tensão que a sociedade soviética estava submetida como uma sociedade de transição, e o fato histórico inédito que representou a contra-revolução burocrática, se expressava na definição do Estado.

Se as formas de propriedade estatizadas representavam um avanço em relação ao capitalismo, elas por si só não geravam a abundância material que permitisse o fim da desigualdade. A desigualdade na distribuição gerou a burocracia que, por sua vez, aumentava a desigualdade. A burocracia era a expressão das formas burguesas de distribuição do produto social. E nisso resumia o duplo caráter do Estado.

Três hipóteses
Qual futuro estaria reservado para a URSS como uma sociedade de transição? Trotsky insistiu que a última palavra ainda não tinha sido dada pela História; nem do próprio caráter da transição, se iria ao socialismo ou regrediria ao capitalismo.
Formulou então três hipóteses: a primeira, à qual dedicou o restante de sua vida, era que o proletariado destruísse a burocracia por meio de uma revolução, que definiu como uma Revolução Política, pois ela não deveria mexer no caráter da propriedade.

A segunda era que houvesse uma contra-revolução burguesa que recuperasse o poder do Estado, como tentou fazer Hitler em 1941, ao invadir a URSS.

E a terceira hipótese: “Admitamos que nem um partido revolucionário, nem um partido contra-revolucionário se apoderem do poder e que seja a burocracia a que se mantenha à frente do poder (…). A evolução das relações sociais não cessa… ela (a burocracia) restabeleceu as patentes e as condecorações; será, então, inevitavelmente necessário que busque apoio nas relações de propriedade.

Provavelmente será possível argumentar que pouco importa ao funcionário a forma de propriedade da qual retira seus lucros. Mas isso significa ignorar a instabilidade dos direitos da burocracia e o problema de sua descendência… Os privilégios que não se podem legar a seus descendentes perdem a metade de seu valor. O direito de legar é inseparável do direito de propriedade. Não basta ser diretor de um truste, é necessário ser acionista”.

Conforme Trotsky, a burocracia, pela sua própria natureza de casta, se converteria em restauracionista: “Quanto mais tempo a URSS ficar cercada de capitalismo tanto mais profunda será a degeneração dos tecidos sociais. Um isolamento indefinido deve trazer inevitavelmente, não o estabelecimento de um comunismo nacional, mas a restauração do capitalismo”. Assim, a aparição de Gorbachev e sua Perestroika obedeceu à seqüência dos acontecimentos históricos que marcaram a profunda crise de direção do proletariado depois da destruição do partido bolchevique e da III Internacional pelas mãos do stalinismo.

Mais do que uma análise da URSS, nesta obra, Trostky faz uma aplicação magistral da teoria do desenvolvimento desigual e combinado e da Revolução Permanente. Temos, portanto, que concordar com Martín que afirma na Introdução “o mínimo que podemos dizer é que se trata de uma obra brilhante, da primeira à última página”.

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