Protesto de trabalhadoras da indústria têxtil

A Revolução Russa teve duas fases distintas. A primeira começou em fevereiro de 1917 (março em nosso calendário) e derrubou a autocracia do Czar Nicolau II. A segunda fase é marcada pela Revolução de Outubro (novembro em nosso calendário), quando os operários, organizados em soviets (conselhos), aliados aos camponeses e soldados, tomaram o poder.

A faísca que deu início à revolução foram as manifestações das operárias têxteis, em 23 fevereiro (8 de março em nosso calendário). O protesto começou em Vyborg, principal bairro operário de Petrogrado (atualmente, São Petersburgo), e logo se transformou numa greve geral de massas que pegou de surpresa todas as organizações revolucionárias do país, inclusive os próprios bolcheviques. Como um incêndio em floresta ressequida, a revolta deu início a uma insurreição que percorreu todo o país. Em uma semana, o Czar foi deposto.

A revolta foi iniciada pelos setores mais oprimidos e explorados da classe operária. Muitas operárias têxteis, boa parte casada com soldados que serviam como bucha de canhão na guerra, estavam fartas do penoso trabalho nas fábricas e das horas intermináveis nas filas em frente aos armazéns que, quase sempre, não tinham mais pão para vender. Era o auge do inverno russo. O cortante frio glacial e a fome provocada pelo racionamento de guerra não podiam mais ser encarados com passividade.

Revolução não escolhe caminhos
Naturalmente, o regime czarista tentou responder com punição exemplar. Todos temiam a repressão. Eram tempos de guerra, e a monarquia não estava disposta a brincar. Contudo, diante da multidão que saiu às ruas para enfrentar a polícia, os soldados se recusaram a disparar suas armas. A insubordinação envolveu vários regimentos e quartéis. Soldados acenavam e piscavam para a multidão. Outros eram cercados por operários que procuravam convencê-los a aderir ao levante. Até os temidos Cossacos – tropa de elite do Czar – se recusaram a atirar contra a multidão e não obstruíram o caminho para a queda da monarquia. Sem medo, as massas avançavam em marcha e, quando encontraram a temida tropa, resolveram passar por ela. Os Cossacos não reagiram. Leon Trotsky descreve esse expressivo momento: “Montando guarda em seus postos, como todo o aparato, os cossacos não impediam os ‘mergulhos’ dos operários por entre as pernas dos cavalos. A revolução não escolhe arbitrariamente seus caminhos: ao iniciar a marcha para a vitória, ela passava sob o ventre dos cavalos dos cossacos”.

Queda do Czar
Sem o apoio das forças armadas, a centenária dinastia dos Romanov ruiu como um castelo de cartas. Porém, no mesmo dia em que o Czar Nicolau II abdicou, a burguesia, através da Duma (algo como o Congresso Nacional brasileiro), formou um governo provisório encabeçado pelo príncipe Lvov. Os principais partidos da burguesia e seus líderes, como Pável Miliukov, líder do Partido Democrático Constitucional (conhecido como Cadete), e Alexander Kerensky, advogado que assumiu o Ministério da Justiça, também formaram o governo.

Um estranho paradoxo
A insurreição operária iniciada em Vyborg triunfou, mas há uma estranha contradição na vitória: os operários tinham derrubado a monarquia, mas o poder passou para as mãos da burguesia e de seu governo provisório.

Contudo, a derrubada do Czar foi apenas o primeiro ato da ação revolucionária do proletariado russo. Destilando um ódio secreto à revolução, o governo provisório tentou asfixiá-la pelo cansaço. Era um governo comprometido com a manutenção da propriedade privada e interessado em manter a participação russa na Primeira Guerra Mundial.

Por outro lado, o movimento operário demonstrou que não havia um poder único instalado na Rússia. Havia, também, um poder embrionário, inicial, que começou no mesmo dia da formação do governo provisório, quando os operários de Petrogrado organizam os soviets.

O que era a Rússia em 1917
Último regime absolutista da Europa, a Rússia era um imenso império decadente onde 90% da população (150 milhões no total) vivia no campo. No entanto, entre 40% e 50% dos camponeses tiravam da terra menos do que necessitavam para sobreviver. Havia, também, uma burguesia débil que dependia do Estado tirano e opressor.

A classe operária russa era reduzida em número. Somava cerca de 10 milhões, concentrada, sobretudo, nas grandes cidades. Ainda assim, a indústria russa estava no mesmo nível das indústrias dos países desenvolvidos da Europa.

Iniciada em 1914, a Primeira Guerra Mundial era um dolorido flagelo. De um lado, o bloco da França, Inglaterra e Rússia. De outro, Alemanha, Áustria e Itália. Todos lutavam para ver quais nações imperialistas teriam o controle das colônias espalhadas mundo afora. A Rússia enfrentava a Alemanha. Seu exército, mal equipado e maltrapilho, amargou derrotas humilhantes. A guerra provocou fome, tirou milhões de vidas e tornou insuportável vida dos operários, soldados e camponeses.

Assembleia do soviet de Petrogrado, em 1917

A organização da revolução operária
A organização dos soviets foi o evento mais importante daqueles dias em que a monarquia russa foi posta abaixo pela revolução. O primeiro a ser criado foi o de Petrogrado, que elegeu para a sua presidência Nikoloz Chkheidze, dirigente do Partido Menchevique.

Mas, afinal, o que eram os soviets? Como surgiram e o que representavam naqueles dias iniciais da revolução?

Os soviets (ou conselhos em russo) eram organismos de poder e mobilização dos operários, soldados e camponeses. Tiveram origem na revolução russa de 1905, quando, durante a primeira greve geral dos trabalhadores, as fábricas de Petrogrado formaram um comitê de greve que foi chamado Conselho de Deputados Operários.

Com a derrota da revolução de 1905, seus membros fugiram ou foram deportados para a Sibéria. Contudo, o conselho renasceu sob as mobilizações da Revolução de Fevereiro de 1917. Em poucos dias, foram criados, por todo o país, soviets tanto operários, quanto de soldados e, mais tarde, de camponeses.

Como funcionavam
O Soviet de Petrogrado, o mais famoso de todos, era composto por, aproximadamente, 1.200 deputados e, em circunstâncias normais, fazia uma sessão plenária a cada duas semanas. Além disso, o conselho elegia um Comitê Executivo com 110 membros.

Os delegados dos soviets eram eleitos em fábricas ou em distritos industrias. Seus mandatos não tinham tempo determinado e, portanto, poderiam ser revogados a qualquer momento.

O que fazem os Soviets
“Nunca antes fora criado um corpo político mais sensível e perceptivo à vontade popular”, opinava John Reed, jornalista estadunidense e testemunha ocular da revolução. Naqueles primeiros dias, os soviets tiveram de responder à estonteante velocidade dos acontecimentos. Por eles, os operários coordenavam as lutas e decidiam os rumos da mobilização. Mas os soviets não eram meros órgãos de coordenação de luta, como um comando de greve. Eram, também, organismos de poder. Numa fábrica, por exemplo, o gerente ou o patrão não podia decidir nada relacionado à produção que não estivesse de acordo com o soviet local. Nos bairros e distritos, os soviets passaram a garantir o funcionamento da vida social, organizando desde os serviços públicos, até policiamento, abastecimento de água e de alimentos.

Dois poderes
Assim, a Revolução Russa estava marcada por uma dualidade de poder, ou seja, havia dois poderes no país. Dois poderes incompatíveis. Um poder da burguesia, dos capitalistas e dos antigos monarquistas, materializada no governo provisório e na Duma, e outro poder dos operários, nascido e organizado no chão de fábrica, que se estendia sobre os aliados da classe operária, os soldados rasos e camponeses russos. Os interesses destes eram totalmente opostos aos da burguesia e dos capitalistas. Queriam o fim da guerra, jornada de trabalho de oito horas e reforma agrária.

Portanto, havia uma contradição gigantesca entre esses dois poderes. Da solução dessa contradição, dependeria o futuro da revolução na Rússia. Apenas um poderia prevalecer.

O controle operário da produção
John Reed conta muitas histórias daqueles primeiros dias da revolução. Muitos proprietários e administradores de indústrias fugiram ou foram expulsos pelos trabalhadores que se viram obrigados a assumir a administração de várias fábricas. “Sem diretores, encarregados e, em muitos casos, engenheiros e contabilistas, os trabalhadores encontravam-se confrontados à alternativa de continuarem a trabalhar ou morrer de fome”, registrou.

Em 1917, a fábrica Obukbov produzia peças para a Marinha russa. Certo dia, o encarregado do departamento de torpedos disse que um departamento tinha de fechar por que não conseguiam pequenos tubos usados para a fabricação de uma peça. O fechamento significava a demissão de 400 homens. “Conseguirei os tubos”, disse Petrovsky, chefe do soviet de Obukbov, indo direito para a fábrica vizinha, onde explicou a situação ao dirigente do soviet local. “Ele e Petrovsky visitaram imediatamente as três fábricas e chamaram os presidentes dos seus Sovietes. Duas das fábricas não precisavam dos tubos imediatamente e os entregaram à Fábrica Obukhov. Assim, o Departamento de torpedos não fechou”, conta John Reed.

Essas e outras histórias ilustram o papel que os soviets cumpriram para organizar o controle operário da produção.