Milhares de jovens operários animam a luta contra os governosA revolta do pão estende-se na Tunísia. É a rebelião dos jovens que vemos nestas horas nas ruas de muitas cidades da Argélia e da Tunísia. Uma rebelião que se amplia e que está contaminando e difundindo o mal humor contra os exploradores, contra as poucas centenas de pessoas que administram o poder há décadas com os privilégios e a riquezas que isto significa.

O poder do capital responde do modo ao qual está habituado: repressão, intimidação, ameaça, armas. Com isso, na Tunísia, o balanço das vítimas na última semana de confrontos em Thala e Kasserine foi de 50. Segundo a avaliação da rádio tunisina Kalima, os mortos seriam, ao menos, 16 na cidade de Devasta, 22 em Kasserine, 2 em Meknassi, 1 em Feriana e 8 em Reguab. Além de inúmeros feridos.

Locais em revolta na Argélia e Tunísia
Na Tunísia, a revolta contra o aumento do custo de vida e o desemprego iniciou-se em 17 de dezembro, depois que Mohamed Bouazizi, um ambulante com curso superior de 26 anos, ateou fogo a si próprio em Sidi Bouzid, em protesto contra a apreensão pela polícia das frutas e verduras que vendia para sobreviver. O suicídio de Mohamed iniciou uma rebelião inédita e, desde a metade de dezembro, os tunisinos estão nas ruas. Sobretudo os jovens, conduzidos pelo desespero do desemprego e da injustiça social.

Na Argélia, os protestos começaram em 4 de janeiro como resposta à decisão governamental de aumentar em 20-30% os preços dos produtos alimentícios de amplo consumo, como o pão.

Forte aumento dos preços do petróleo e do açúcar. A tensão está em expansão no país, cujos 75% dos 35 milhões de habitantes, segundo os dados do Fundo Monetário Internacional, têm menos de 30 anos e 20% dos jovens estão desempregados. No último dia 4, pessoas morreram e cerca de 800, entre elas 300 policiais, ficaram feridos.

A repressão -que na realidade teve o efeito de alimentar a rebelião- provocou, inclusive, 4 suicídios. Houcine, de 22 anos, em Menzel Bouzaine, gritou ante a multidão: “não quero mais miséria e desemprego”.

As razões do descontentamento dos jovens operários tunisinos são similares àquelas dos seus contemporâneos argelinos: a falta de trabalho e de perspectivas. Mas, na Tunísia, agrega-se a ânsia de liberdade: a revolta não é só contra a alta dos alimentos, mas contra a censura e a falta de liberdade de expressão.

Os blogues, o facebook e a música rap são as únicas formas de expressão, mas a censura chega, inclusive, ali. O governo tunisiano tirou o melhor proveito destes protestos, ao empregar hackers de internet para invadir as contas dos ativistas no Facebook, Google e Yahoo e interceptar os sucessivos passos da revolta, segundo a denúncia da Comissão para a Proteção dos Jornalistas (Cpj). Mas o protesto não é só a participação dos jovens. Existe, por exemplo, uma altíssima adesão dos advogados tunisianos à greve do setor: um sinal que testemunha a propagação do protesto inclusive entre as classes médias. O grito que saía da praça enquanto queimavam a foto do presidente Ben Ali, com 23 anos no poder, era “barakat”, basta!

Os interesses da Itália e Europa
O ministro da Itália Frattini declara: “Apoiamos os governos da Tunísia e da Argélia. Nós condenamos, em todas as partes, a violência, mas apoiamos governos que tiveram coragem e constituem uma importante presença mediterrânea, sobretudo no combate ao terrorismo”. Este é o comentário do ministro de Berlusconi ante a brutal repressão do governo daquele país. Frattini, por outro lado, é o mesmo ministro que foi a Tunísia em companhia de outros ministros para relembrar o fugitivo Bettino Craxi, assassinado em Hammamet (a 60 km da capital), sob a proteção do próprio presidente Ben Ali (graças a um golpe de estado “médico” em 1987, quando o presidente predecessor, Bourguiba, foi deposto pela decisão médica de senilidade, facilitada por alguns serviços secretos, entre eles o Sismi -Serviço para a Informação e a Segurança Militar- italiano). Mas foram, sobretudo, os negócios que ditaram esta tomada de posição, única na Europa, até o momento. Basta uma busca rápida na internet para ver a relevância dos negócios italianos no Magreb: seja com acordos pelo gás e o petróleo (ENI com as plataformas offshore do Mar Mediterrâneo bem em frente a Hammamet), seja com as produções manufatureiras a baixíssimo custo (por exemplo, a Benetton, que hoje conta com 5.000 terceirizados trabalhando no norte da África). Não se deve esquecer o setor financeiro, como o Mediobanca, que participa em um novo banco tunisino com uma 30% das ações.

O gás e o petróleo argelino são, há anos, presas das multinacionais, inclusive de franceses e americanos, e os fosfatos marroquinos também. Com todos estes negócios, fica difícil expressar-se contra quem permite todo este lucro.

Mesmo a França e a Europa não se pronunciaram: “Há um lobby tunisiano em Paris -escreve Le Monde – fortíssimo tanto na direita como na esquerda. A França sustenta este regime desde o seu nascimento em 1987”.

O medo do capital: a propagação da revolta
A “revolta do pão”, pela primeira vez, conseguiu a participação dos jovens de Bechar e Maghnia, ao longo da fronteira com o Marrocos que, na tarde de domingo, 9 de janeiro, saíram às ruas para protestar. Mas as manifestações superam os confins do Magreb. A FAO e seu economista Abdolreza Abbassian advertiram sobre os preços dos cereais que aumentavam 50% e suas consequências de “riscos de revoltas sociais”. Registam-se, então, tensões na Ásia, em Sri Lanka, onde, ante o aumento dos preços dos produtos básicos agrícolas, o governo decidiu mobilizar o exército para comprar os produtos dos camponeses e revendê-los aos cidadãos.

Que o capital comece a ter alguns temores pode ser percebido pelo interesse que os meios de comunicação começam a dar a esta questão que, em fins de dezembro passado, apesar dos mortos e dos confrontos, não encontrava espaço em mais que um pequeno nicho.

Agora, o primeiro-ministro argelino Ahmed Ouyahia vê-se obrigado a informar que o Conselho Interministerial adotou “uma suspensão e a isenção de direitos de alfândega, de taxas e impostos”, de maneira temporária, sobre o petróleo e o açúcar, o que reduzirá os preços em 41% e Ben Ali, da Tunísia, comprometeu-se a criar 300 mil postos de trabalho entre 2011 e 2012.

De nossa parte, como revolucionários, somos plenamente solidários aos jovens em rebelião. A sua luta, ainda que se gere por causas aparentemente diferentes é, em definitiva, a mesma luta dos jovens que nestes meses têm inflamado as ruas da Europa, é a luta para conseguir uma alternativa ao capitalismo e à miséria à qual este sistema social condena a humanidade. Uma vez mais emerge imperiosa a exigência de coordenar todas estas lutas no mundo, construindo uma direção internacional revolucionária, a Quarta Internacional, que saiba transformar as lutas e as rebeliões nas ruas em revoluções socialistas vitoriosas.

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    Texto publicado no portal da LIT-QI (www.litci.org), em 20/01/2011