Foto Marcello Casal Jr. Agência Brasil
Paulo Reis, do Coletivo de Educadores/Educadoras Reviravolta na Educação e militante do PSTU-DF

O governo Bolsonaro, no dia 3 de setembro, apresentou o projeto inicial de Reforma Administrativa, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/2020, dizendo que é preciso modernizar o Estado, aumentar a qualidade no serviço público, torná-lo mais eficiente e que a máquina pública está inchada com o pagamento dos salários dos servidores ativos. Essa é a primeira parte de três reformas que pretende realizar.

Neste texto, trata-se apenas da PEC 32/2020, cujo verdadeiro objetivo  é poder transferir mais recursos a grandes empresários e banqueiros e não modernizar a qualidade dos serviços públicos como tentam convencer a opinião pública. Querem prejudicar, assim, o povo pobre que mais necessita de serviços públicos de qualidade e que lhes é negado pelo governo.

As outras duas partes que compõem a Reforma Administrativa tratarão da lei de greve para o funcionalismo público e a reestruturação das carreiras com a diminuição de seus vencimentos, e dependem de quão vitorioso o governo sairá desta batalha para aplicar a PEC 32/2020. Por isso, é necessário derrotá-la, pois ao contrário, trabalhadores e trabalhadoras do serviço público terão o direito à greve cassado, além de terem os salários reduzidos. Para tanto, devemos construir a ampla unidade de ação com todos os servidores públicos e a população em geral, por serviços públicos de qualidade e gratuitos.

A reforma administrativa só valerá para futuros servidores públicos?

Essa reforma impactará a todos os servidores públicos (federais, estaduais e municipais), exceto órgãos da justiça burguesa (juízes, promotores, etc.), justamente quem julga contra os direitos do povo pobre não é atingido por ela. Por se tratar de uma PEC, todas as demais normas que não forem amparadas na Constituição serão declaradas inconstitucionais, atingindo assim os atuais servidores seja de forma direta ou indireta.

Vejamos alguns exemplos disso à luz da atual proposta:

  • Férias não podem ser maior que 30 dias, cito duas categorias que tem tal direito e o perderá. Operadores de Raios-X, trabalham com material radioativo e, por isso, têm direito a 20 dias de férias a cada 6 meses, 40 dias em um ano, e docentes de Universidades e Institutos Federais após um ano de trabalho têm o direito a 45 dias. As férias se limitarão tanto em gozo quanto em remuneração a 30 dias.
  • Acaba com anuênios, promoções ou progressões por tempo de serviço.
  • Retira as licenças prêmio por assiduidade ou de qualquer outra denominação diferente, exceto a de capacitação.
  • Permitirá redução da jornada de trabalho com redução de salário proporcional do salário. Algo que o STF havia declarado inconstitucional para o funcionalismo público.

Estes dispositivos, uma vez consagrados na Constituição, obrigarão a todos os entes da federação a mudarem suas legislações de pessoal para se adequarem. A reforma prevê ainda que o presidente poderá extinguir órgãos públicos, fundacionais e autarquias por decreto. Extinguir autarquias leia-se a possibilidade de fechar Universidades e Institutos Federais negando assim acesso público e gratuito de ensino à população. Isso com uma simples canetada. Caso seja aprovada a PEC 32/2020 não atingirá só os atuais servidores, mas toda a população de conjunto, sobretudo os mais pobres.

Há muito servidores públicos no Brasil e se gasta muito?

Um dos argumentos do governo é que há muitos servidores e isso seria a causa da falta de recursos públicos. Esse é mais um argumento fake de um governo fake news. O que tira recursos dos serviços públicos é o pagamento da falsa dívida pública e as bilionárias isenções fiscais que deixam os ricos cada vez mais ricos e os pobres sem direitos e serviços públicos.

O Brasil está abaixo da média da OCDE[1] em relação ao número de trabalhadores no serviço público, desmontando o argumento que há muitos servidores públicos no Brasil.

Nos países modernos e avançados, há mais servidores públicos que no Brasil. Aqui apenas 1,6 % da população é formada por servidor público.  Há pelo menos 15 países em que este percentual é bem maior. Japão – 5,9% da população é composta por funcionários públicos; Coréia do Sul – 7,6%; Alemanha – 10,6%; Turquia – 12,4%; Itália – 13,6%; Estados Unidos (EEUU) – 15,3%; Espanha – 15,7%; Reino Unido – 16,4%; Grécia – 18%; Canadá – 18,2%; França – 21,4%; Finlândia – 24,9%; Suécia – 28,6%; Dinamarca – 29,1%; e Noruega – 30%.

O Brasil vem ano a ano realizando menos concursos públicos e ampliando a terceirização. Assim, para população ter serviços de qualidade se deveria aumentar o número de concursos – justamente na contramão da política econômica adotada por Bolsonaro, que hoje tem uma política deliberada de privatização.

As diminuições de concursos públicos ocorrem, especialmente, em função da Emenda Constitucional 95/20216 que congela por 20 anos os investimentos em áreas sociais (saúde, educação, etc.).

Detalhe, o Governo Federal diz que no ano de 2019 a folha de pagamento do servidor ativo custou R$ 109,8 bilhões de reais. No entanto, deu de isenção fiscal e renúncia neste mesmo ano o valor de R$ 306, 4 bilhões, quase três vezes o que se paga de salário aos servidores. E para ano de 2020 promete R$ 331 bilhões de renúncia que será incorporado ao lucro dos mesmos que defendem a terceirização e “modernização” dos serviços públicos.

É notório que não é o pagamento de salário que faz faltar recursos para se aplicar em serviços públicos, são tais renúncias e o pagamento da falsa dívida pública que só de juros e amortizações[2] em 2019 consumiu R$ 1,038 trilhão do orçamento público deixando quase nada para as áreas sociais.

Essa dívida tem previsão constitucional para ser auditada com participação popular, contudo, os governos não o fazem, pois acobertam corruptos, tanto que nem divulgam para quem ela é paga.

Note que a justificativa de que se gasta muito com salário de servidor público é uma hipocrisia do governo a serviço de enriquecer mais os grandes empresários e banqueiros. Por isso é urgente parar de pagar essa dívida pública e deixar de garantir isenções fiscais a empresários e investir em áreas sociais, serviços públicos de qualidade e, neste momento de pandemia, no pagamento de auxílio emergencial, medidas que garantam emprego e renda de fato.

Cargo público sem estabilidade

Os municípios, estados e a União terão 5 modalidade de regime jurídico de pessoal e vínculo de emprego: I – Que exige experiência como parte do processo seletivo do concurso; II – Vínculo por prazo determinado; – III Cargo com vínculo por prazo indeterminado; – IV Cargo típico de Estado; e V Cargo de liderança e assessoramento ( o que são hoje o cargo comissionados de livre nomeação).

A novidade do ponto de vista da administração pública é a criação do cargo com vínculo por prazo indeterminado e tornar regra a contratação por prazo determinado.

O cargo por prazo indeterminado não terá estabilidade já o de carreia típica terá, contudo, não há uma definição nítida do que é cargo típico e não típico. A divisão entre trabalhadores do serviço público sobre quem é ou não de cargo típico não passa de uma ideologia para justificar a terceirização dos serviços públicos.

Os cargos por tempo indeterminando, fazendo um paralelo do que é hoje, serão os cargos de profissionais da educação, saúde, assistência social, cargo de natureza administrativas em geral que formarão a quase totalidade do futuro serviço público desenhado nessa PEC. Estarão sujeitos a demissões e perseguições simplesmente pelo fato de ter tido uma posição diante do serviço público a ser executado, tanto que o governo tenta inserir na Constituição o princípio da imparcialidade, ou seja, não poderá ter opinião crítica ao que se faz, criando um critério assim subjetivo de análise.

Cumpre destacar que, se os cargos por tempo indeterminado seguirem a lógica atual de contratação por tempo determinado, não terão direito ao FGTS e menos ainda estabilidade. A ditadura militar, a serviço da burguesia em 1966, acabou com estabilidade no emprego, na época um dos pilares da CLT, criando o Fundo de Garantia. Isso para facilitar a demissão dos trabalhadores. Hoje, os militares no poder reeditam isso de maneira piorada para os servidores públicos. Diante disso, é preciso reivindicar que todo a classe tenha estabilidade no emprego frente ao brutal grau desemprego que se vive.

A estabilidade é a segurança da continuidade da prestação do serviço público. Garantia de que, ao virar o ano, terá o professor na escola para começar os estudos; o médico para atender o doente; poder fiscalizar as autoridades, ter a garantia de que não será demitido por ter aplicado uma multa; poder se recusar a atender a uma ordem ilegal e denunciar atos de corrupção, e um tanto de outras questões.

A institucionalização do cargo por prazo determinado é tornar essa modalidade regra de ingresso no serviço público e pavimentar o caminho para impedir qualquer luta por direitos, deixando sempre os salários desses servidores no piso de sua categoria. Não permitindo, assim, o desenvolvimento e aperfeiçoamento, menos ainda a modernização do serviço público.

Lutar contra essa reforma é uma necessidade de toda a classe trabalhadora

Lutar para derrotar a PEC 32/2020 é uma tarefa de toda a classe trabalhadora, pois é a classe que necessita de serviços básicos para sobreviver.

A modernização do serviço público só é possível com investimento nas Universidades, Institutos Federais e na ciência. O que justamente o governo Bolsonaro mais atacou no último período, não à toa somamos hoje mais de 130 mil mortes por Covid-19. Por isso, e diante de tantos outros ataques, é urgente a derrubada de seu governo, só assim será possível avançar na ciência, na educação e salvar vidas.

É necessária a ampla unidade de ação entre servidores públicos, movimentos populares, social e estudantil para derrotar essa reforma e o projeto privatista do governo. Pois de um lado, se o governo ataca servidores públicos para garantir mais dinheiro pagando fielmente a dívida pública, nós, ao lado da classe trabalhadora, devemos apresentar um programa cuja necessidade de suspender o pagamento da dívida pública, acabar com as isenções fiscais e taxar as grandes fortunas é a forma imediata de garantir estabilidade no emprego, renda e direitos neste momento de pandemia.

  • Fora Bolsonaro e Mourão!
  • Revogação da EC 95!
  • Arquivamento da PEC 32/2020.
  • Suspensão do pagamento da dívida pública já!
  • Fim das isenções fiscais!

[1] Fonte: https://tribunadaimprensalivre.com/estudo-os-15-paises-com-mais-servidores-publicos-no-mundo/ – Acessado em 07/09/2020