Secretaria Nacional de Negras e Negros do PSTU

José Silva, da Secretaria Nacional de Negras e Negros do PSTU

O assassinato de George Floyd, estrangulado por um policial branco em Minneapolis, sob a suspeita de ter usado um cartão falso numa loja de conveniência, fez explodir levantes populares nos quatro cantos dos Estados Unidos da América (EUA), em meio à maior pandemia do século XXI.

Os Estados Unidos são o epicentro desta pandemia, com cerca de 101 mil mortos e quase 2 milhões de contaminados. E, embora representem apenas 13% da população nos EUA, os negros são 52% dos contaminados e 58% dos mortos por Covid-19. Por isso, quando Donald Trump foi jogar golfe justamente quando os EUA chegavam à casa dos 100 mil mortos, o presidente revelou um total desprezo pelas vidas dos negros e pobres estadunidenses.

A Rebelião Negra que tomou as ruas dos Estados Unidos, portanto, não é um “raio em céu azul”: é a resposta de negros, hispânicos e da classe trabalhadora contra um governo de ultradireita e um sistema genocida! E os sinais foram entendidos mundo afora.

Na Alemanha, no Canadá e na Inglaterra houve manifestações em solidariedade à Rebelião Negra nos Estados Unidos! No Brasil, manifestações antifascistas que tomaram às ruas no Rio de Janeiro e em São Paulo prestaram solidariedade à Rebelião Negra nos Estados Unidos.

A Casa Grande do Imperialismo

Já são seis dias de protestos ininterruptos nos EUA e o que começou com um protesto de negros pelo brutal e covarde assassinato de um homem negro, se transformou numa Rebelião encampada por brancos, latinos e asiáticos e que remonta aos atos de 1968, após a morte do líder negro Martin Luther King Jr.

No sábado, em Washington, os manifestantes se dirigiram para os arredores da Casa Branca, a Casa Grande do Imperialismo, que foi obrigada a fechar todos os seus acessos por cerca de uma hora. Em resposta, Trump disse em sua conta no Twitter que os manifestantes que viessem à Casa Branca seriam “recebidos com os cães mais cruéis e as armas mais ameaçadoras” e pôs quarenta agentes do serviço secreto nos portões da Casa Branca e atiradores de elite em seu telhado.

Ao ameaçar os manifestantes com armas e cães cruéis, Trump evoca os tempos da escravidão, quando os senhores usavam cães treinados para caçarem negros que se rebelavam e fugiam das fazendas. Evoca, também, as leis segregacionistas Jim Crow, quando supremacistas brancos treinavam seus cães para atacarem exclusivamente pessoas negras.

Porém, acostumados a ordenarem repressões e invasões militares nos quatro cantos do mundo, Trump e seu séquito foram tomados por um profundo medo da Rebelião negra que bateu às portas da Casa Branca. Donald Trump se abrigou num bunker no subsolo da Casa Branca pôs seus cães do serviço secreto ao redor do palácio e, tratando os policiais da Guarda Nacional como cães, ordenou que caçassem manifestantes nas ruas dos EUA.

Em resposta à nova ameaça de Trump de classificar movimentos antifascistas como terroristas,  manifestantes em Washington marcharam na madrugada desta segunda-feira para a Casa Branca. Desta vez, chegaram a entrar nos jardins de uma Casa Branca amedrontada, que apagou todas as luzes do palácio, como medida de segurança.

Como dissera o líder Malcolm X, pouco antes de ser assassinado em 1965: “O capitalismo costumava ser como uma águia, mas agora é mais como um abutre. Costumava ser forte o suficiente para sugar o sangue de qualquer pessoa, forte ou não. Mas agora tornou-se mais covarde, como o abutre, e só pode sugar o sangue dos desamparados”.

Racismo e Capitalismo: duas pontas de uma mesma corda

Há seis anos atrás Eric Garner, também negro, foi agredido, imobilizado e estrangulado até a morte por vários policiais de Nova Iorque sob a torpe suspeita de vender ilegalmente cigarros a varejo. Suas últimas palavras foram as mesmas de George Floyd: “I can’t breathe” (“Eu não consigo respirar”). O policial foi absolvido na justiça burguesa sob um júri completamente branco, gerando uma onda de Rebeliões em várias cidades do país.

Trayvon Martin, Michael Brown, Walter Scott, Freddie Gray, Sandra Bland, Philando Castile, Botham Jean, Atatiana Jefferson, Breonna Taylor, Eric Garner e, agora, Georg Floyd. Homens, mulheres, jovens e crianças… todos mortos nos últimos dez anos por policiais nos EUA.

A verdade é que os negros estão fartos da violência racista nos Estados Unidos. Os negros estão fartos de toda hipocrisia sobre liberdade, igualdade e democracia na América. Não há liberdade para os negros! Não há igualdade para os negros! E não há democracia para os negros na América e em nenhum lugar do mundo!

Tomemos o direito ao armamento, tão exaltado pelos bolsonaristas e fascistas no Brasil.

A burguesia estadunidense tornou o legítimo direito à posse e ao porte de armas de fogo num privilégio seu, da pequena burguesia e das classes médias brancas, não para se armarem contra o Estado burguês, mas para serem usadas fundamentalmente contra os trabalhadores negros e hispânicos!

Não por acaso, apesar dos homens negros estadunidenses terem 14 vezes mais probabilidade de serem mortos por arma de fogo do que os brancos, apenas 24% deles possuem armas de fogo. Isso é assim pois, por séculos, o governo federal e os governos estaduais criaram leis que proibissem o acesso de negros às armas de fogo.

Em 1956, após sofrer um atentado a bomba em sua própria casa, o pastor Martin Luther King tentou conseguir uma arma de fogo para proteger a si próprio e sua família, pediu permissão ao estado do Alabama e a polícia negou a sua solicitação! (BRANT, 2019).

Em 1968, quando os militantes do partido dos Panteras Negras passaram a portar armas nas ruas para defenderem a população negra e pobre em suas comunidades, o presidente democrata Lyndon Johnson assinou uma lei de controle de armas que resultou no desarmamento e prisão dos militantes dos Panteras Negras que portassem armas de fogo nas ruas. A burguesia estadunidense e seus governos temem os negros mais do que tudo (BRANT, 2019).

Aliás, os negros estão cansados de serem governados e enganados pelos Republicanos e Democratas, partidos gêmeos capitalistas que se revezam nos papéis do “bom” e o “mau” policial. O Partido Republicano é o pai do neoliberalismo, das guerras imperialistas contra vietnamitas e árabes; é o partido que recusou a Reconstrução, uma política de reparação prometida aos negros com o fim da escravidão. E o Partido Democrata é a mãe da Klu Klux Klan, organização terrorista e racista que perseguiu e matou milhares de negros estadunidenses enforcados e linchados, é a mãe das mesmas guerras imperialistas e da lei dos três delitos que gerou uma explosão carcerária com centenas de milhares de negros e hispânicos nos presídios estadunidenses.

Barack Obama, o primeiro presidente negro dos EUA, nada fez para mudar a situação dos negros nos EUA. Ele, Michelle e todos os negros ricos e poderosos desfrutam do bom e do melhor que o capitalismo lhes oferece, enquanto os negros trabalhadores vivem na miséria e sob a violência direta. Esses negros burgueses só censuram o racismo quando algum branco lhe bate a porta na cara. No fim das contas, censuram o racismo apenas para terem mais privilégios no capitalismo.

Mas para os negros pobres e trabalhadores, o racismo e o capitalismo são as duas pontas da mesma corda que envolve seus pescoços. Por isso, a luta contra o racismo deve se combinar à luta contra o sistema capitalista.

O Socialismo na América

Em 1967, um ano antes de ser assassinado em Memphis, Martin Luther King Jr. fez um de seus últimos discursos, demonstrando a evolução de sua compreensão sobre as raízes dos problemas na América: o capitalismo.

“Nós devemos honestamente enfrentar o fato de que o movimento deve se dirigir para a questão de reestruturar a sociedade de conjunto. Há 40 milhões de pessoas pobres aqui. E um dia devemos perguntar: ‘Por que há 40 milhões de pobres na América?’ E quando você começa a fazer essa pergunta, você está levantando questões sobre o sistema econômico, sobre uma ampla distribuição de riquezas. Quando você faz essa questão, você começa a questionar a economia capitalista. E a fazer perguntas sobre a sociedade de conjunto. Nós fomos chamados a ajudar desanimados pedintes no mercado da vida. Mas um dia nós devemos ver que o edifício que produz pedintes precisa ser reestruturado. Isso significa que muitas questões devem ser levantadas. Vejam vocês, meus amigos, quando você lida com isso, você começa a perguntar ‘quem é dono do petróleo?’ Você começa a perguntar ‘quem é o dono do ferro?’ Você começa a perguntar ‘por que o povo tem que pagar contas de água em um mundo que é um terço de água?’ Essas perguntas devem ser feitas […].

Quando digo questionar a sociedade como um todo, significa basicamente ver que o problema do racismo, o problema da exploração econômica e o problema da guerra estão ligados […]. Uma nação que mantém pessoas na escravidão por 244 anos vai ‘coisificá-las’, vai transformá-las em coisas. E uma nação que explorará economicamente terá que ter investimentos estrangeiros […] e terá que usar sua força militar para protegê-los. Todos esses problemas estão ligados. O que estou dizendo hoje é que devemos sair dessa convenção e dizer: ‘América, você tem que nascer de novo!”

O capitalismo é o mesmo sistema econômico que se desenvolveu sequestrando, traficando e escravizando nossos antepassados negros vindos da África. É o sistema que criou o racismo e toda sorte de leis discriminatórias. E, como bem expressou Martin Luther King Jr, a América só poderá nascer de novo se libertando do capitalismo.

Mas, se o capitalismo e o racismo são duas pontas de uma mesma corda que enforca os pescoços dos negros trabalhadores e pobres, essa corda também serve para atar as mãos e pernas dos brancos da classe trabalhadora.

Envenenada pelo racismo contra negros, hispânicos e asiáticos, a poderosa classe trabalhadora branca estadunidense se apequena, se torna incapaz de se libertar da exploração e da pobreza imposta por um sujeito covarde como Trump e por meia dúzias de parasitas bilionários.

O capitalismo não pode oferecer nada além de privilégios e benefícios aparentes e provisórios aos brancos da classe trabalhadora. Benefícios e privilégios esses que estão sendo retirados um a um rapidamente por Trump com a crise econômica. Também não pode oferecer nada aos negros, hispânicos e asiáticos nos Estados Unidos e em nenhum lugar do mundo. Por essa razão, o capitalismo não pode mais ficar de pé.

A Rebelião Negra mostra que os negros querem respirar, mostra que uma nova América, sem exploração e opressão quer nascer. Para isso,  a classe trabalhadora branca precisa unir-se aos negros, hispânicos e asiáticos da sua classe. Essa unidade da classe trabalhadora nos Estados Unidos será capaz de pôr abaixo todos os alicerces desse edifício de exploração e opressão e construir uma nova América, Socialista.

Referências

WORLD HEALTH ORGANIZATION. Coronavirus disease (COVID-19) Situation Report 132. Disponível em: <https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/situation-reports/20200531-covid-19-sitrep-132.pdf?sfvrsn=d9c2eaef_2>. Acesso em: 31 mai. 2020.

MILLET, Gregorio; JONES, Austin; BENKENSER, David et al. Assessing Differential Impacts of COVID-19 on Black Communities. Disponível em: <https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1047279720301769>. Acesso em: 31 mai. 2020.

BRANT, Danielle. Principais vítimas da violência, negros criam lobby pró-arma de fogo nos EUA. Folha de São Paulo, São Paulo, 18 jan. 2019. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/01/racismo-implicito-explica-maior-chance-de-morte-de-negros-por-arma-de-fogo-nos-eua.shtml>. Acesso em: 31 mai. 2020.

PEW RESEARCH CENTER. America’s complex relationship with guns. Disponível em: <https://www.pewsocialtrends.org/2017/06/22/the-demographics-of-gun-ownership/>. Acesso em: 31 mai. 2020.