Enquanto emprega o programa atômico para parecer independente do imperialismo, o regime dos aiatolás o oferece na mesa de negociação com ObamaNo dia 25 de setembro, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) recebeu comunicação do governo iraniano a respeito da segunda usina de beneficiamento de urânio, localizada em Qom e com capacidade para 3 mil centrífugas, quantidade irrisória para produção de energia em massa, mas suficiente para fins militares. Era uma oficialização inevitável de um fato já conhecido secretamente pelas inteligências militares imperialistas, e um visível incômodo formal do governo iraniano (a BBC falou até de uma retórica na defensiva), mas foi o suficiente para fazer os líderes imperialistas reunidos em Pittsburgh, EUA, falarem grosso, e Israel reapresentar sua proposta de invasão.

As declarações de Ahmadinejad buscam explicar o caráter civil e pacífico do programa nuclear iraniano e oferecer garantias às potências imperialistas, como as visitas de inspeção da AIEA, mas mesmo os analistas mais ponderados concordam em que o Irã está em uma firme evolução para o nuclear threshold status, estado em que um país acumula técnica, matérias-primas e logística, mas as deixa em espera – uma prontidão atômica.

Um constrangimento para Obama
O maior constrangido no episódio, no entanto, foi Obama. Na sexta, correu para declarar sua postura enérgica e exigir do Irã “um novo curso, ou enfrentará as consequências”, mas não tardou mais que um dia a emendar-se: “minha oferta para um diálogo sério, significativo, para resolver esse assunto, continua em aberto”.

O presidente americano tem a tarefa de levar a bom termo a tática salvacionista que as empresas imperialistas delegaram a ele, isto é, conseguir arrancar via negociação – e uma diplomacia que empregue mais outros organismos e ferramentas, como a ONU – o que Bush não conseguiu pela postura beligerante. Isso não implica desmontar por completo a ameaça bélica, que permanece como uma carta na manga ou um facilitador de todo o resto – como no Afeganistão, onde a retórica amigável de Obama foi logo desmascarada pelo Talibã.

No entanto, a tática de Obama, que a esquerda revolucionária nomeou “reação democrática”, passa por criar interlocutores confiáveis nos países em que é empregada. São eles quem, em última instância, podem iludir as massas, levá-las a crer que os dirigentes do imperialismo não são mais uma ameaça e que as concessões podem desembocar na soberania nacional. É aí que Obama encontra as maiores dificuldades.

Para parecer confiável e transmitir segurança para seus interlocutores, Obama tem de dourar a pílula que Bush deixara como é – amarga e intragável. Apesar de uma concatenação de esforços mundiais, que incluiu um imerecido Nobel da Paz, Obama não logrou apagar da memória dos oprimidos de todos os países a realidade brutal do imperialismo, suas armas e sua exploração econômica. Se, por um lado, o imperialismo, para conseguir usar uma fachada de benemerência, deve trilhar um longo caminho, também o regime iraniano, por outro, precisa renegar um passado recente para poder ser visto de braços dados com o imperialismo.

Uma mão estendida… num braço preso
O Irã, por outro lado, é dotado de um regime que necessita destruir as próprias e profundas fundações, as da revolução de 1979. Desde aquele ano, o imperialismo foi escorraçado pela população, e toda a classe de capitalistas teve que se regenerar a partir de um lento processo de infiltração no regime e cooptação das estruturas que o clero xiita criou para congelar a revolução. A nova burguesia iraniana tenta agora encetar um ritmo acelerado de concentração de seus capitais em monopólios dirigidos pelos aiatolás, e aumentar a reinserção no mercado mundial.

Mas a lógica da exploração do trabalho nessas empresas e a dependência do preço da commodity do petróleo, sujeito a grandes oscilações nos últimos tempos, ampliaram enormemente a desigualdade social e a vulnerabilidade dos trabalhadores perante a inflação. Somados à profunda insatisfação com o regime ditatorial, esses elementos levaram o sentimento latente de revolta à tona, às ruas. Os protestos de junho, recebidos com uma fúria aparentemente inesgotável do governo, respondem com igual persistência, e reaparecem novamente, em passeatas como a dos estudantes de Teerã no dia contra Israel e na última semana de setembro.

É o sentimento de desforra das massas que barra o regime iraniano em sua tática de se reaproximar do imperialismo silenciosamente enquanto apresenta em público uma demonstração cuidadosamente montada de soberania nacional. O programa nuclear era a grande peça de propaganda dos aiatolás, por provocar o imperialismo num ponto muito sensível e assim desviar a atenção de todo o resto; mas as massas já estão num caminho sem retorno, o da desconfiança para toda e qualquer iniciativa de um governo que desrespeitou a vontade popular nas eleições e depois a reprimiu com sangue.

Por outro lado, no campo das negociações, Ahmadinejad, com a finalização da nova usina, involuntariamente dificulta a aproximação pública de Obama. O presidente americano fica espremido entre o eterno aliado, Israel – o único estado não apenas pronto, mas efetivamente nuclear na região -, que volta a exigir a agressão final, e os aiatolás, de quem ele não pode exigir o desmascaramento completo, com um desmonte do programa nuclear. A solução provisória que começou a tomar forma em outubro é trocar o material da nova usina por urânio de uso médico, enquanto as inspeções da AIEA começam e o espetáculo público do armamento iraniano fica congelado no primeiro ato. A aposta, no fundo, é segurar o desenvolvimento soberano iraniano até que a reacomodação dos aiatolás com o imperialismo esteja já em sua fase definitiva.

Os revolucionários devem explicar às massas a pusilanimidade de Ahmadinejad, que aceita ultimatos imperialistas e relativiza a necessidade de soberania nuclear iraniana. Desde 1979, os oprimidos iranianos juraram sua filiação à luta contra o imperialismo e o sionismo. O programa militar atômico deve ser levado como um direito essencial de defesa mundial e especialmente regional – contra a potência atômica agressiva e intolerante que Israel demonstrou ser. No entanto, por seu interesse comercial em se readequar ao imperialismo e seu atual chefe, Obama, a burguesia iraniana busca usar o programa nuclear como um instrumento de barganha – e, por sinal, um instrumento bem incômodo, do qual ela pretende se livrar assim que cumprir seus objetivos comerciais.

A única possibilidade de o Irã levar o programa nuclear até o fim, e garantir um uso correto e em defesa das soberanias nacionais da região, reside em um novo regime e um novo Estado, governado democraticamente pela maioria, os trabalhadores e oprimidos, que não vacilará em voltar suas ferramentas à luta consequente contra Israel e o imperialismo norte-americano e europeu.