A 70 anos de sua fundação, as lutas operárias e dos povos de todo o mundo confirmam a necessidade histórica do programa da Quarta Internacional, baseado na defesa da democracia operária, na luta pelo poder proletário e na revolução socialista mundial. Mas a Quarta, enquanto organização, não existe; por isso mesmo a sua reconstrução constitui hoje a grande tarefa colocada aos revolucionários de todo o mundo.

Desde o surgimento do sistema capitalista, a construção de uma Internacional converteu-se em imperiosa necessidade para o movimento operário. No processo de formação dos Estados-nação o capital expandiu o mercado mundial, criando assim uma divisão internacional do trabalho e o intercâmbio mercantil. Esse caráter mundial da economia capitalista é o que internacionaliza a luta de classes. Os ataques mundiais do capital foram impondo a necessidade de uma resposta, também mundial, dos trabalhadores; bem como, mais adiante, a necessidade de construir uma organização capaz de conduzir à destruição do imperialismo. Durante mais de cem anos realizaram-se quatro importantes tentativas nesse sentido. No entanto, hoje, afalta de tal organização mundial trata-se da maior expressão da crise de direção revolucionária da humanidade.

Primeira tentativa: a construção da Primeira Internacional
No ‘Manifesto Comunista’ Marx e Engels dizem: “O proletariado passa por diferentes estágios de desenvolvimento. Sua luta contra a burguesia se inicia com a sua própria existência (…) com o desenvolvimento industrial, o proletariado não só aumenta em número, mas se concentra em grandes massas, sua força cresce e se faz sentir (…) Os interesses, as condições de vida no interior do proletariado, tornam-se cada vez mais semelhantes (…) Daí em diante, os trabalhadores começam a unificar suas forças contra a burguesia; se aglutinam com o objetivo de conservar o nível de seus salários; fundam associações permanentes com o objetivo de organizar, com antecipação, estas rebeliões ocasionais.”

É nessa fase que se constrói a (Primeira) Associação Internacional dos Trabalhadores. Em 1848 ocorreram revoluções democrático-burguesas – todas elas derrotadas – na França, Alemanha, Áustria, Itália, Polônia, Hungria. De todos esses países chegaram a Londres, Inglaterra, perseguidos políticos, democratas burgueses e proletários revolucionários. A princípio tentaram atuar em associações comuns de emigrados, mas rapidamente começaram a ocorrer as divisões de classe. Enquanto isso, os que tinham ficado em seus países e fora das prisões formavam clubes, associações literárias etc. para manter acesa a chama da revolução e poder recrutar novos elementos.

Fatos internacionais inéditos, tais como a Guerra da Independência na Itália, em 1859, e a explosão da Guerra Civil no EUA, em 1861, começaram a provocar mudanças na situação da classe operária. Na França, os trabalhadores conseguiram o direito ao voto e revogaram-se leis que proibiam as organizações sindicais. Na Inglaterra, os operários tinham conquistado, desde 1825, o direito a se sindicalizar, mas não tinham direito a voto. A Guerra Civil norte-americana e o embargo das exportações de algodão produziram grande miséria entre os operários têxteis ingleses. Isso convulsionou os sindicatos e deu origem ao que se conheceu como o “novo movimento operário”, encabeçado por dirigentes que eram operários qualificados, agrupados em agremiações tais como as de mecânicos, carpinteiros, construtores e sapateiros.

Em 1862 realizou-se a grande Feira Industrial em Londres. Isso possibilitou a visita de delegados franceses, ajudando no contato com operários ingleses e posterior intercâmbio de correspondência. No dia 28 de setembro de 1864, num ato conjunto de operários franceses e ingleses, no Saint. Martin’s Hall, em Londres, fundou-se a Associação Internacional de Trabalhadores (AIT). Posteriormente ela foi chamada Primeira Internacional. Marx fez o seu discurso inaugural e foi encarregado de redigir os estatutos de tal organização.

A Primeira Internacional não foi um partido, teve mais um caráter de frente única operária entre dirigentes políticos, marxistas e anarquistas, e sindicalistas. A partir da AIT dirigiu-se uma grande luta pela reforma dos direitos políticos na Inglaterra. Fez-se uma campanha, em toda a Europa, por uma legislação trabalhista mais progressiva. Impulsionou-se a organização sindical em vários países. Apoiaram-se as greves, que se estenderam de um país a outro após a crise econômica de 1866. Expressou-se solidariedade ativa em guerras civis e nacionais. Como por exemplo, na luta de Abraham Lincoln, presidente dos Estados Unidos (1861 -865) contra os escravistas do Sul do país. Mas o que despertou mesmo o ódio de toda a burguesia mundial foi o apoio da AIT à Comuna de Paris.

A primeira revolução proletária: a Comuna de Paris
A guerra entre a França e a Prússia, em 1870, acabou numa brutal derrota para a França. Os operários parisienses, organizados na Guarda Republicana, resolveram assumir para si a defesa da cidade e tomaram a direção política de Paris. Foi a primeira experiência de assalto violento da classe operária ao poder político bem como de construção de um auto-governo operário apoiado na mobilização revolucionária do proletariado em armas. A Comuna durou apenas 72 dias, mas seus efeitos e ensinamentos foram gigantescos. Anos mais tarde Lênin, no seu livro ‘O Estado e a Revolução’, citando as conclusões de Marx sobre a Comuna, desenvolveu as posições contra o parlamentarismo e em prol da ditadura do proletariado.

Os erros da Comuna serviram para fortalecer ainda mais a concepção marxista da história. Um dos mais conhecidos é o fato de que, diante da dramática escassez de recursos econômicos para sustentar a luta revolucionária, os comuneiros não expropriaram o Banco da França abarrotado de ouro. Isso porque os setores que encabeçavam a luta não tinham para si o objetivo de expropriar a propriedade privada. Um outro tem a ver com o papel da violência revolucionária. Segundo Engels, o fato de a Comuna de Paris não ter aplicado suficientemente essa violência foi uma das principais causas pelas quais terminou sendo massacrada pelas forças da burguesia francesa. Repressão que foi ajudada por seus antigos inimigos de guerra: as tropas prussianas.

As batalhas contra o sectarismo e o oportunismo
Marx e seus seguidores tiveram que lutar contra Lasalle a respeito de duas questões fundamentais. Por um lado, por sua tática oportunista em relação aos aliados.

Lasalle apoiou a política de Otto von Bismarck, primeiro ministro da Prússia, a favor dos latifundiários – e na contracorrente dos burgueses –, ao invés de defender uma política independente, do proletariado. Por outro, por seu sectarismo para com os sindicatos, já que se negava a entrar em sindicatos que não tivessem todo seu programa e a sua direção. No entanto, a mais importante luta político-organizativa foi a que travaram contra as idéias anarquistas de Proudhon e Bakunin em relação ao Estado e à propriedade.

Os marxistas defendiam a luta contra o Estado burguês e a imposição do poder estatal da classe operária através da ditadura do proletariado como transição necessária antes de abolir toda a autoridade de Estado. Os anarquistas estavam na contracorrente de toda autoridade e qualquer forma de Estado, independentemente mesmo de sua natureza de classe.

Os marxistas defendiam a propriedade estatal dos meios fundamentais de produção social. Os anarquistas propunham que a propriedade dos meios fundamentais de produção social se distribuísse entre os que os trabalhassem, fossem camponeses ou operários fabris (cooperativas, autogestão etc). Isto é, não estavam a favor da extinção da propriedade privada, mas da recriação de uma grande quantidade de novos e pequenos proprietários.

Destas diferenças surge a questão da centralização ou não da Internacional, o que originou uma violenta polêmica sobre diferentes concepções de Internacional. Os estatutos, redigidos por Marx, propunham que com a AIT se buscava obter um ponto central de cooperação entre os operários dos diferentes países para a libertação plena da classe operária. Para isso, se elegeria um Conselho Geral formado por representantes de todos esses países.

O desenvolvimento da luta de classes foi exigindo um avanço cada vez maior em sua centralização. E a este respeito ocorreu a grande batalha. Marx concebia a Internacional como um movimento que devia atuar sob uma direção central unificada, ainda que as seções nacionais tivessem liberdade para formular sua própria política. Bakunin defendia que todos os movimentos deviam gozar de absoluta liberdade de ação, sem receber nenhuma instrução: de nenhum núcleo central.

Deslealdade dentro da Primeira Internacional
A Conferência de 1869 definiu-se a favor das posições de Marx: aprovou a ampliação de atribuições do Conselho Geral, incluindo a possibilidade de expulsar seções que atuassem na contracorrente do programa e do espírito da Internacional. Isso levou a que ocorressem na Internacional problemas de deslealdade. Bakunin formou uma organização secreta que buscou conquistar a direção política por meio de táticas conspirativas.

Em sua correspondência, Marx diz que na Primeira Internacional se manteve “uma luta contínua do Conselho Geral contra as seitas e os experimentos de aficcionados, os quais tentavam se manter dentro da Internacional e contra o movimento real da classe operária”. As condições históricas, desfavoráveis, impediram que essas seitas pudessem ser derrotadas. Após a queda da Comuna de Paris, um golpe muito duro, essas forças destrutivas tiveram condições favoráveis para se desenvolver. Isso levou à decadência, desintegração e, finalmente, à dissolução da Primeira Internacional em 1878.

Mas a luta não foi em vão. A AIT foi a prova viva de que a unidade internacional dos trabalhadores era tão possível quanto necessária. E isso foi conseguido apesar de sua organização primitiva, a qual tinha a ver com o próprio grau de organização do proletariado à época. As lições da Primeira Internacional foram extremamente valiosas para a longa batalha, em curso, pela construção de uma direção revolucionária mundial.

  • Quem foi?
  • Ferdinand Lasalle (1825-1871)

    Socialista alemão – primeiro presidente e fundador da Associação Geral de Trabalhadores Alemães.


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