Uma das grandes discussões sobre concepção de partido é a do centralismo democrático. A propaganda imperialista, particularmente depois da derrubada das ditaduras stalinistas no leste europeu, associou a defesa do socialismo ao stalinismo. A partir daí, tudo o que se relaciona com a estratégia da revolução socialista é demonizado como “stalinista” e “burocrático”.

O centralismo democrático, que nada tem a ver com centralismo stalinista, é até hoje rejeitado, mesmo por setores que seguem reivindicando o socialismo. No entanto, como se verá, trata-se do único funcionamento democrático, em que a base pode decidir a política do partido.

O stalinismo e o centralismo burocrático
No centralismo stalinista (de partidos como o PCdoB), não existe democracia interna. É proibido apresentar diferenças com a política da direção, e os que tentam fazê-lo são expulsos. Isso significa que a base não decide nada. A centralização se dá ao redor da política da direção e não do se que vota livremente nos congressos do partido. Aliás, não existe nenhuma discussão livre nos congressos, já que são proibidas as tendências e frações.

Esse regime burocrático, consagrado pelo stalinismo, está a serviço de uma política de traição à revolução e conciliação com a burguesia. É como se numa greve a burocracia sindical, para fazer acordo com os patrões, rejeitasse qualquer decisão das bases porque sabe que pode perder. Hoje, por exemplo, existe insatisfação na base do PC do B pelo apoio ao governo Lula, mas não há nenhuma possibilidade de discussão livre em seu interior. Quem apresentar uma proposta de ruptura com o governo será expulso do partido.

O regime burocrático do PT
Existe outro regime, diferente do centralismo stalinista, mas igualmente burocrático. É o regime dos partidos social-democratas, como o PT. Nele, aparentemente “todos podem fazer o que quiserem”, porque não existe nenhum centralismo. Na verdade há um regime burocrático, com total democracia para a direção e os parlamentares, e nenhuma democracia para a base. Esta não decide nada, porque no partido mandam os parlamentares e governantes.

Em primeiro lugar, as resoluções dos congressos não são de aplicação obrigatória para todos. O PT, por exemplo, votou um programa econômico contrário ao FMI no congresso que decidiu o programa eleitoral de Lula, antes de chegar ao governo federal. Eleito, Lula manteve os acordos com o FMI e todo o plano neoliberal. Depois, chegou a expulsar Heloísa Helena e outros parlamentares que seguiam defendendo posições que haviam sido votadas no passado pelo PT.

Em segundo lugar, como são os parlamentares e governantes do PT que têm acesso à imprensa, eles definem as posições conhecidas do partido. Mesmo que um militante de base (ou a maioria da base) tenha outra opinião, não terá acesso à mídia e suas opiniões não se tornarão públicas. Os parlamentares não são centralizados por ninguém, nem pela base do partido. Assim, essa aparente democracia funciona para que alguns indivíduos – as figuras públicas, os parlamentares – acabem decidindo, contra a maioria dos militantes do partido.

Esse é o regime burocrático da social-democracia, em que parlamentares e governantes eleitos têm ampla democracia, e a base nenhuma. Na verdade, ela só é chamada para ganhar votos. Esse modelo é perfeito para os partidos eleitorais, cuja estratégia é essencialmente eleger.

Infelizmente, o PSOL tem funcionamento semelhante ao do PT.

Funcionamento do partido revolucionário: o centralismo democrático
O regime sob o qual deve funcionar a organização dos revolucionários parte de um outro critério: baseia-se nos organismos do partido e no respeito às decisões coletivas. É o único funcionamento em que a base, reunida nos congressos do partido, decide a política a ser aplicada por todos até o próximo congresso.
As grandes definições políticas e programáticas do partido são decididas em congressos convocados a cada dois anos, em que a base discute livremente e decide. Nos períodos prévios a eles, as diferenças podem se expressar através da organização de tendências e frações (grupos de militantes que se organizam para defender suas propostas).

Uma vez decidida a política em congresso, tendências e frações se dissolvem, com obrigação de aplicar as resoluções votadas por maioria. Todos aplicam a mesma política e a direção eleita no congresso é encarregada de colocar em prática o que foi votado até o próximo congresso. Essa é a única forma de a base do partido controlar seus dirigentes e figuras públicas e fazer com que estes atuem respeitando as deliberações do partido.

O mesmo funcionamento se dá nos núcleos do partido, que discutem livremente a política a ser aplicada em uma frente de intervenção. Depois das discussões, a maioria decide a política a ser adotada por todos.

Não há no centralismo democrático qualquer privilégio para os parlamentares. Eles têm tantos direitos e deveres como um militante de base. Defendem no parlamento as posições decididas no congresso (ou nos organismos de direção do partido entre os congressos), não as suas posições individuais. Foram eleitos pela campanha coletiva dos militantes do partido e devem aplicar a política votada por esses militantes em seus organismos.

O centralismo e a democracia são dois pólos inseparáveis, que se complementam. Não existe democracia sem centralismo, ou seja, sem respeito às decisões da maioria. E não pode existir centralismo sem democracia, debate, elaboração e decisões coletivas. Para fazer a revolução, é necessário que haja democracia, que as bases participem, opinem, corrijam a política do partido. Só assim é possível formar revolucionários num ambiente de debate. Depois das discussões democráticas, todos aplicam a política votada pela maioria.

Essa centralização é necessária porque, se cada um defender uma política diferente, quem ganha é a burguesia. Em uma greve, por exemplo, se os militantes do partido defenderem posições diferentes, ela terá mais chances de ser derrotada. A luta pelo poder, a mais encarniçada delas, seria impossível sem a ação centralizada do partido. Nunca houve uma revolução vitoriosa que não tivesse à sua frente uma organização centralizada, porque a burguesia reage de maneira também centralizada, com o peso das forças armadas.

O regime de um partido expressa, em termos organizativos, seu projeto e seu programa. O funcionamento burocrático e parlamentar dos partidos social-democratas serve ao objetivo essencial dessas organizações – a participação nas eleições. Para isso, não são necessários o centralismo (fundamental para todas as mobilizações, como uma greve, e para as revoluções), nem a democracia interna, com participação das bases. Estas, em um partido eleitoral, só têm uma tarefa essencial: buscar votos. O que não exige funcionamento democrático, nem organização militante através dos núcleos.

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