Ninguém come poesia, essa é uma verdade. Mas também uma grande mentira. Escrever é um trabalho ou mesmo uma profissão que, de uma forma ou de outra, faz a gente pensar e atuar sobre o mundo. A Rússia revolucionária teve grandes líderes políticos e militares, como Lênin e Trotsky, mas também gente que assombrou o mundo pela liberdade com que o interpretou e pela forma como ajudou esse mundo a mudar, como o poeta Maiakovsky e o cineasta Eisenstein. Até que viesse o stalinismo e, simultaneamente, acabasse com a oposição política e a criação artística. Tudo isso serve apenas de introdução para lamentar a perda recente do poeta Haroldo de Campos, autor de uma grande mudança nos rumos da poesia brasileira, a partir dos anos 50. Haroldo, seu irmão Augusto e outros poetas fizeram uma poesia ligada ao cotidiano das grandes cidades, que não por acaso recebeu o nome de concreta. Concreta porque tinha essa relação com a cidade, com a indústria nascente e, também, porque queria falar do mundo real — concreto.

Essa poesia nem sempre foi de fácil compreensão, embora buscasse, sempre, uma mensagem que pudesse ser compreendida rapidamente. Em vez de um verso longo, o poeta poderia dizer apenas, como num cartaz, resumidamente: LUXO-LIXO, ou seja, o luxo cria o lixo, o luxo é lixo, o lixo e o luxo estão intimamente ligados, o mundo da mercadoria é também o mundo do lixo. Ainda que criticassem esse mundo da mercadoria, esses poetas nem sempre conseguiram escapar do encanto que a industrialização nos anos 1950 provocou no brasileiro, revelando uma certa ingenuidade aliada a uma importante proposta estética. Isso permitiu que muitas de suas inovações fossem absorvidas pela publicidade e, paradoxalmente, promovessem o consumismo. Essa mesma ingenuidade fez com que Haroldo tomasse algumas posições políticas infelizes, como apoiar Leonel Brizola em 1989.

Essa produção fundou uma corrente alternativa na história da literatura brasileira, não totalmente absorvida, mas que é muito influente. Um exemplo evidente disso é que os romancistas Paulo Lins, autor do livro que originou o filme Cidade de Deus, e Ferréz, de Capão Pecado, começaram a escrever fazendo poesia concreta. Nas favelas brasileiras, a poesia concreta foi muito bem entendida, portanto.
Além da sua atuação como poeta, Haroldo de Campos foi um importante tradutor, trazendo para o português obras que exigiam um grande trabalho de criação. Com ajuda de professores universitários especialistas, traduziu do chinês, do grego antigo (o poema épico Ilíada, que conta a história da guerra de Tróia), passando pelo francês e pelo inglês, que dominava, e pelo russo — inclusive Maiakovsky.

Esse trabalho revela mais uma faceta importante de Haroldo, o internacionalismo. Para ele, os brasileiros não podiam se isolar do mundo, ter uma literatura apenas nacional, tinham que, no universo da cultura, dialogar de igual para igual com a literatura e as artes de outros países. Essa não é uma tarefa fácil, e Haroldo e seus colegas conseguiram, de fato, criar um projeto nesse sentido.

Post author Alexandra Collontini,
especial para o Opinião Socialista
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