Breve história da corrente trotskista morenista no Brasil (Parte III)Depois da crise de 1979, a Convergência Socialista (que como vimos no artigo anterior, havia ficado reduzida a menos da metade dos seus militantes) precisou reorientar sua estratégia de construção e suas táticas.

Em fevereiro de 1980, fundou-se o Partido dos Trabalhadores. Sua constituição tinha como pano de fundo uma situação da classe trabalhadora brasileira marcada por dois fatores. Por um lado, uma radicalização da luta operária, encabeçada pelos metalúrgicos do ABC, que protagonizara importantes greves em 78 e 79, constantemente golpeadas pelo regime militar. Dessas lutas saíram dezenas de milhares de trabalhadores de vanguarda que pediam uma organização política e uma organização sindical nacional de massas. Os sindicatos, reprimidos pela ditadura e na maioria em mãos dos pelegos, evidenciavam para a vanguarda operária os seus limites.

Por outro lado, a organização trotskysta revolucionária era muito pequena e, por isso, incapaz de oferecer uma alternativa àquela crescente vanguarda. A Convergência Socialista era uma organização revolucionária com um programa e uma atuação coerentes com seus princípios, mas naquela época muito débil.

A necessidade de que a classe operária tivesse um partido político próprio, independente da burguesia, e a debilidade da organização revolucionária para atender a esta necessidade, eram os fatores que nos levavam a afirmar que o PT era progressivo frente aos partidos burgueses. Por isso, a CS foi a primeira organização a propor a constituição do PT (ver o segundo artigo desta série em Opinião Socialista 156) e depois a militar neste partido durante 12 anos. Parte desta batalha da CS foi o combate às organizações stalinistas, o PCB e o PC do B, que tentaram impedir a fundação e depois a construção do PT, defendendo em troca o apoio e a participação no MDB e depois no PMDB, o grande partido burguês de oposição à ditadura.

A luta da CS contra a direção do PT
A outra cara desta política foi a luta permanente que a CS travou dentro do PT, desde a sua fundação, contra o rumo que Lula e a corrente que veio a se chamar Articulação começaram a imprimir ao partido em direção a uma política de alianças com a burguesia, isto é, a um projeto eleitoral de Frente Popular.

Para que a CS pudesse travar esta batalha foi fundamental saber contra quem estávamos lutando. Neste sentido, foi decisiva a ajuda da Internacional. A corrente encabeçada pelo PST argentino, estava passando por mudanças muito importantes naqueles anos. A Fração Bolchevique, que era como esta corrente se organizava dentro do Secretariado Unificado da IV Internacional, havia rompido com este em 1979 por recusar-se a aceitar a vergonhosa capitulação da direção do SU à Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) que acabara de tomar o poder na Nicarágua.

O SU havia declarado que o governo formado pela FSLN e dirigentes burgueses, era um governo operário e camponês; que este partido era um partido revolucionário e que, portanto, não era preciso construir um partido trotskysta na Nicarágua. Essa traição chegou ao ápice quando a direção do SU apoiou a expulsão e a repressão à Brigada Simon Bolívar, que fora organizada pela Fração Bolchevique e havia lutado ao lado da FSLN contra Somoza. Esta violação dos princípios mais elementares da classe operária tornava impossível a convivência na mesma organização internacional. Neste quadro é que a Fração Bolchevique recusou-se a acatar esta política e rompeu com o SU.

Ao mesmo tempo, outra corrente trotskysta internacional, o Comitê de Reorganização da Quarta Internacional (CORQUI), corrente dirigida pelo trotskysta francês Pierre Lambert, começou a se aproximar da FB. No Brasil esta corrente trotskista é mais conhecida pelo nome do seu jornal, “O Trabalho”. A aproximação se deu em torno a uma posição de princípios em defesa da Brigada Simon Bolívar e de independência de classe em relação ao governo sandinista, mas depois evoluiu para um acordo programático e organizativo que se plasmou primeiro em um Comitê Paritário e depois em uma organização internacional, a Quarta Internacional (Comitê Internacional).

Posteriormente, profundas divergências políticas e metodológicas levaram à ruptura da FB com o lambertismo e depois à fundação da Liga Internacional dos Trabalhadores em 1982. A principal diferença foi o apoio da OCI (Organização Comunista Internacionalista), a organização do lambertismo na França ao governo burguês encabeçado pelo socialista François Mitterrand.

No entanto, quadro geral das discussões políticas e programáticas que se travaram durante esta aproximação e depois ruptura com a corrente lambertista, uma das mais importantes polêmicas foi sobre o caráter do PT e de sua direção.

Em 1980, pouco depois da fundação do PT, Moreno alertou a direção da Convergência Socialista sobre a necessidade de ter uma caracterização da direção do deste partido, ou seja, de Lula e sua corrente, que viria a ser depois a Articulação. A princípio a direção da CS caracterizava a direção do PT como uma corrente “classista”, que podia avançar programaticamente. Moreno insistiu que era uma burocracia e que, portanto, tinha privilégios materiais obtidos através dos sindicatos. Posteriormente estes privilégios aumentaram em forma qualitativa com seu ingresso no parlamento e sua integração ao aparelho de estado através das prefeituras, governos estaduais e o governo federal.

A discussão com Moreno levou a que a CS corrigisse sua caracterização da direção do PT, definindo-a como uma “burocracia de esquerda” (por suas posições políticas mais à esquerda naquela época). Esta caracterização gerou uma forte polêmica com “O Trabalho” e a corrente internacional lambertista, que diziam que não se podia descartar que a corrente de Lula pudesse ser ganha para a revolução.

Armada para a luta política com esta caracterização sobre Lula e sua corrente, a Convergência Socialista enfrentou a direção do PT e sua política de alianças com a burguesia. A direção do PT sempre defendeu e aplicou uma estratégia de chegar ao governo através das eleições para gerir o próprio estado capitalista burguês. Para isso foi defendendo cada vez mais todo tipo de alianças eleitorais com partidos burgueses, culminando no governo Lula com uma grande frente com empresários e partidos de direita para dirigir o país.

Durante os 12 anos em que a Convergência Socialista militou no PT sempre defendeu a necessidade de uma Revolução Socialista no Brasil, como parte de uma revolução mundial, para que a classe operária tome o poder político, destrua o estado burguês e construa o seu estado. Sempre defendemos que era imprescindível para a classe operária conservar sua independência diante da burguesia e seus partidos, sem formar com eles nenhum tipo de aliança política e eleitoral. E sempre denunciamos que a direção de Lula e a Articulação arrastavam o PT para a colaboração de classes e para os braços da burguesia.

“O Trabalho”, ao contrário, com a caracterização da Articulação como uma corrente centrista, participou da primeira corrente lulista (os “113”) e depois sofreu uma ruptura dos que queriam dissolver “O Trabalho” na Articulação. Não por acaso entre os quadros e dirigentes dessa corrente liquidacionista, alimentada pela política da direção, estavam nomes que compuseram a primeira linha do primeiro governo petista como Antônio Pallocci, ex-ministro da Fazenda, Glauco Arbix, assessor de Lula, Clara Ant, secretária da presidência e Luís Favre.

O caminho do “Trabalho” foi o da maioria dos grupos de esquerda dentro do PT: ou se dissolveram ou passaram a ser forças auxiliares da Articulação, entrando, anos mais tarde, no governo burguês de Frente Popular como a Democracia Socialista.

A participação da CS na fundação e na construção da CUT
Em 1983, três anos depois da fundação do PT, depois de um amplo processo de reorganização sindical, nascia a Central Única dos Trabalhadores, a primeira grande organização sindical de massas do país.

A Convergência Socialista, que nos dois anos anteriores centrava seu trabalho no movimento estudantil e assumia o nome de Alicerce da Juventude Socialista, voltou-se de novo para o movimento sindical.

A partir de uma orientação da LIT, a CS colocou o centro do seu trabalho na organização das oposições sindicais “cutistas”. Foi essa orientação de massas que permitiu à Convergência ajudar a organizar e a orientar Oposições para derrotar os pelegos e conquistar a direção de grandes sindicatos, como o Sindicato dos Metalúrgicos de Belo Horizonte e Contagem em 1984; o Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro em 1985 e o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos no mesmo ano, ambos em aliança com outras correntes.

Foi durante esta década de 80 que a CS participou de um novo período de ascensão do movimento sindical e dirigiu importantes greves, como as de bancários e metalúrgicos, cujo ponto alto foi a ocupação, em 1989, da siderúrgica Mannesmann de Belo Horizonte. Foi também durante este período que a Convergência participou da construção de importantes organizações sindicais como a Federação Democrática dos Metalúrgicos de Minas Gerais.

Também se deu dentro da CUT uma luta similar contra a corrente burocrática e oportunista dirigida por Lula. Dentro desta organização, as correntes sindicais dirigidas pela CS (como por exemplo, Democracia e Luta), lutaram contra a burocratização da central, levada a cabo conscientemente por sua direção, a Articulação Sindical, principalmente depois do Congresso de 1988.

A ruptura com o PT e algumas conclusões
Em 1988, com a vitória em algumas das principais prefeituras do país principalmente São Paulo, a adaptação do PT ao estado burguês e seus laços com a burguesia deram um salto. Depois da derrota nas eleições presidenciais de 1989, a direção do PT aprofunda sua política de integração ao estado e ao regime burguês. A maior demonstração disso foi sua política de garantir a governabilidade de Collor, proibindo que seus militantes levantassem a palavra de ordem “Fora Collor”. Para garantir essa linha cada vez mais oportunista e a proibição sobre o “Fora Collor”, a direção do PT aprofundou a burocratização do PT, colocando uma série de restrições à atividade de suas tendências internas.

A CS foi expulsa do PT por recusar-se a obedecer à proibição, imposta pela direção do partido, a todas as correntes internas de levantar a bandeira de “Fora Collor”. A CS não aceitou essa imposição burocrática de uma política oportunista e por isso foi expulsa.

Várias organizações não aceitaram essa expulsão e formaram primeiro uma Frente Revolucionária que depois se transformou em movimento pró-Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado e finalmente culminou na fundação do PSTU em 1994.
Hoje nosso partido já tem 14 anos de vida independente. A maioria dos militantes e simpatizantes nunca militou no PT. Inclusive, muitos ativistas sindicais não chegaram a pertencer à CUT.

Para os militantes e ativistas revolucionários de hoje, o PT e a CUT aparecem claramente com sua verdadeira face: um partido oportunista e burocrático e uma central sindical burocrática que atua como um braço do governo no interior do movimento operário. No entanto, se suas direções sempre tiveram este caráter, estas organizações, especialmente a CUT, representaram ainda que de forma distorcida (pelo papel de sua direção), anos de lutas e um esforço da vanguarda da classe trabalhadora brasileira para construir sua organização independente de classe. A vanguarda operária viveu um importante aprendizado, tirando lições dos seus aspectos positivos e negativos.

O PSTU nasce justamente como produto de uma longa batalha consciente de anos da CS pela independência de classe e pelo programa revolucionário dentro e fora do PT. Isso também foi o que permitiu que anos mais tarde fosse a principal organização a impulsionar a ruptura com a CUT e a estar à frente da formação do mais novo fenômeno da reorganização classista no país: a Conlutas.

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