A pandemia agrava os conflitos por terra e território

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Waldemir Soares, da CSP-Conlutas

Em meio à pandemia de Covid-19, o conflito por terra e território se acentua. Seja pela suspensão das atividades dos órgãos de proteção e acompanhamento das comunidades rurais e populações tradicionais, seja pelo avanço do agronegócio inflacionado pelo isolamento social.

O Maranhão lidera os casos de violência com cinco assassinatos contra indígenas em 2020. Os conflitos se concentram na região Sul do estado a partir da forte influência do agronegócio e seus campos de monocultura. Os impactos dos crimes de mando registrados recaem sobre a etnia Guajajara e tiveram início ainda em 2019, com o assassinato de Paulinho Guajajara, que pertencia aos Guardiões da Floresta.

Os Guardiões é um exemplo de auto-organização em defesa da floresta e da sobrevivência da etnia Guajajara na Terra Indígena Arariboia.

Em Pernambuco, os conflitos se acirram na Zona da Mata Canavieira. Região que concentra a monocultura de cana-de-açúcar e diversas usinas, muitas em recuperação judicial e arrendamentos e outras falidas. Nesse cenário, o histórico conflito por acesso à terra para implantação do Programa Nacional de Reforma Agrária ganha outros contornos a partir dos débitos trabalhistas dos engenhos.

O Engenho Barro Branco, localizado na cidade de Jaqueiras, também na Zona da Mata, integra área de conflito da falida usina Frei Caneca. No Engenho residem mais de 50 famílias de agricultores familiares que buscam o benefício do Programa de Reforma Agrária. No entanto, o arrendatário das terras investe violentamente para o despejo das famílias com ou sem ordem judicial.

Em fevereiro de 2020, a empresa arrendatária das terras em que se localiza o Engenho destruiu extensa plantação de bananas e outras cultivares, realizou incursões na comunidade de forma violenta e ostensiva para, em abril, fazer chover agrotóxico sobre os camponeses com ajuda de um helicóptero.

Os fatos narrados são potencializados pela inércia dos poderes Executivo e Judiciário. Tanto no Maranhão quanto em Pernambuco existe um alinhamento do agronegócio com os governos locais.

Não bastasse esse alinhamento, o isolamento social imposto pela Covid-19 retirou dos camponeses, indígenas e quilombolas a base de apoio dos órgãos de proteção. Mesmo enfraquecidos pela atual política do Governo Federal, Funai (Fundação Nacional do Índio), o Incra (Instituo de Colonização e Reforma Agrária), o Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais) e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) são referências para proteção no campo brasileiro.

O funcionamento parcial desses órgãos de apoio, aliado à falta de orçamento e retirada de prerrogativas institucionais são agravantes negativos para enfrentar a pandemia.

A Resolução nº 313 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ que poderia garantir momentânea tranquilidade para os impactados com os conflitos fundiários, caminha no sentido contrário. Defende escandalosamente a propriedade privada e os despejos ao não suspender o cumprimento das ações possessórias.

Em meio ao isolamento social, o agro continua sua escalada de produção. Até o momento, não há sinais de redução de jornada de trabalho nas agroindústrias e tampouco nos campos de plantio.

O escritório da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) em Xangai aponta um crescimento de 7,9% das exportações de grãos do Brasil para a China nos primeiros meses de 2020.

A mesma CNA não aponta recuo nas exportações para o setor para o primeiro trimestre. O case de produtos para exportação do Agro brasileiro é dominado por commodities, liderado pelo seguimento de grãos com 34% seguido pela pecuária com 17%.

Os principais itens desse case de exportações influenciam diretamente os conflitos sociais. Necessitam de grandes áreas (hectares) de plantio e pastagens para atender o mercado.

No plano geográfico, assentamento e territórios são fronteiras agrícolas. Impedem o avanço dos campos agricultáveis.

A partir dessa síntese, temos que as políticas adotadas pelos Executivos (federal e estadual) e pelo Judiciário para enfraquecer, limitar ações e retirar prerrogativas dos órgãos do sistema de gestão de terras, garantindo que demandas judiciais por posse e propriedade mantenham seu curso, atendem os interesses do agronegócio e potencializam os conflitos fundiários em tempos de pandemia.

Num momento em que o isolamento social e geográfico é necessário para salvar vidas contra a pandemia de Covid-19, Executivos e Judiciário pilotam o trator ruralista contra a dignidade de camponeses, indígenas e quilombolas.