Atnágoras Lopes, dirigente da CSP-Conlutas e militante do PSTU. Foto Romerito Pontes
Redação

Executivos da Odebrecht delataram que, além do financiamento de candidatos às eleições, a empresa também teria pago propina para dirigentes sindicais da Força Sindical e da Central Única dos Trabalhadores (CUT), a fim de que contivessem mobilizações e freassem processos de greves nas obras das Usinas Hidrelétricas do Rio Madeira, em 2012.

Naquele momento, os trabalhadores se insurgiram contra o alto grau de opressão e exploração a que estavam submetidos e explodiram greves por todo o país. Visivelmente, alguns sindicatos se recusaram a encampar essas lutas. Houve rebeliões contra os patrões e, em muitos casos, contra algumas direções sindicais. As mobilizações dos trabalhadores da construção pesada, à época, tomaram grande repercussão nacional.

O Portal do PSTU conversou com o dirigente sindical e militante do PSTU, Atnágoras Lopes, que esteve representando a CSP-Conlutas em algumas daquelas mobilizações, para avaliar as denúncias e falar sobre a importância do papel de um sindicalismo combativo e classista, especialmente neste momento em que há uma processo unitário de construção da Greve Geral chamada para o próximo dia 28 de abril.

Portal do PSTU – Segundo os delatores Carlos Armando Guedes de Paschoal e Alexandrino de Salles Ramos de Alencar, em depoimento à Lava Jato, o deputado Paulo Pereira da Silva (SD-SP), o Paulinho da Força, teria recebido R$ 200 mil de apoio à sua campanha eleitoral em retribuição à contenção de greves nas Usinas Hidrelétricas do Rio Madeira em 2012.  Apesar de admitir que recebeu legalmente recursos da Odebrecht, o sindicalista nega que tenha recebido qualquer outro valor por fora. Diz que é uma personalidade conhecida e que sempre é chamado para ajudar a mediar conflitos. Em relação à CUT, o delator Henrique Valladares afirma que foram repassados recursos para evitar mobilizações e greves nas obras da hidrelétrica de Santo Antônio, que os dirigentes da CUT cobravam pedágios à empresa para evitar lutas. Como você avalia essas denúncias?
Atnágoras Lopes
A denúncia de que a Odebrecht comprou dirigentes sindicais deve ser entendida no marco global das denúncias da Lava Jato, que expõem que o esquema de propinas funciona desde a ditadura militar. Isso só comprova que nessa “democracia” o parlamento e o governo estão à serviço dos grandes grupos econômicos.  Militantes e organizações de esquerda, que hoje compõem a CSP-Conlutas, sempre denunciaram e rejeitaram a corrupção e a conciliação de classes entre sindicatos, patrões e governos. Sobre tais delações, nós continuamos a defender que todas as denúncias devem ser investigadas e, se comprovadas, todos devem ser punidos.

A CSP-Conlutas esteve presente em alguns dos conflitos ocorridos nas obras do PAC, entre eles Belo Monte, Suape, COMPERJ e mesmo nas Hidrelétricas do Rio Madeira. Como foi a atuação da central? Como se comportavam os outros sindicatos, já que as denúncias afirmam que recebiam recursos para frear as mobilizações e greves?
Desde a CSP-Conlutas, apoiamos e participamos de algumas lutas diretas ocorridas e organizadas pelas bases dessas grandes obras. Eram empreendimentos tocados por grandes consórcios de empreiteiras, sendo que em algumas delas tinham a Odebrecht. O que vimos quando fomos dar apoio às greves de Suape, Belo Monte e Comperj? Antes de tudo, muita revolta e indignação contra a opressão e as péssimas condições de trabalho. Também ouvíamos relatos de trabalhadores que reclamavam  que a ficha do sindicato vinha junto com a da empresa na hora “fichar”, assim todo mundo descontava pra entidade.

Uma obra como Suape, por exemplo, chegou a ter no seu auge 55 mil trabalhadores lotados ali. Agora, imagine que os trabalhadores contribuíam entre R$ 18 a R$ 30 mensais, então, quanto não arrecadava compulsoriamente o sindicato? Em Belo Monte, vários trabalhadores denunciavam que iam ao sindicato para tentar se desfiliar, “pois eles não faziam nada pela gente“, segundo eles. Chegavam lá e, segundo os mesmos, era exigido reconhecimento de firma da assinatura de desistência, que deveria ser feita no cartório. Quando chegavam ao cartório, tomavam conhecimento de que o pedido tinha de ser em 3 vias, obrigando-os a gastar mais dinheiro e tempo, o que nem sempre era possível porque faziam isso ou no dia do pagamento ou na “baixada”, a folga, e a obra ficava distante da cidade. Depois que o peão conseguia cumprir todos os requisitos e documentos burocráticos para se desfiliar, quando chegava para trabalhar, era chamado ao RH e era quase sempre eram demitido. Era como se houvesse um canal de informação, essa era a impressão dos peões, entre o sindicato e a empresa. O que vemos mais comumente é o funcionário se filiar ao sindicato e ser demitido, naquele caso, era o oposto: o peão era demitido porque saía do sindicato.

Revolta de operários na Usina do Jirau

Estava falando de exemplos pontuais, mas tem uma coisa que existia em praticamente todas as grandes greves. A entidade sindical representativa, oficialmente vinculada àquela base, normalmente chegava uma semana após a greve ter começado. Ocorre que, na maioria das vezes, eram greves espontâneas, como por exemplo ocorreu em Suape e em duas ou três greves que apoiamos em Belo Monte. O sindicato não era o organizador da greve. O que existia era uma explosão por baixo e um distanciamento das direções desses conflitos. Por isso, muitas vezes, os sindicalistas eram recebidos com repulsa e tudo que é tipo de protesto. Isso também ocorreu em Jirau e Santo Antônio. Mas, agora, o que está sendo denunciando é mais do que isso. Os chamados delatores da Odebrecht estão falando que houve uma compra direta de dirigentes sindicais. Assim como defendemos investigação, punição, e restituição dos bens de todos os corruptos e corruptores denunciados na Lava Jato, também vemos essas denúncias no mesmo marco. É preciso investigar! Sobre os conflitos ocorridos nas obras do PAC e aonde nossa central pode acompanhar, o que dá para dizer é que, em muitos casos, havia, sim, um distanciamento muito grande das direções com suas bases e, em certa medida, testemunhamos casos onde se tinha até uma contraposição ao levante dos trabalhadores.

A CSP-Conlutas não dirigia nenhum sindicato que estivesse a Odebrecht como sua principal empregadora, mas a prática de tentar comprar dirigentes sindicais é algo comum na construção civil?
Não é só no ramo da construção civil. No Brasil, há uma situação na qual a perda de autonomia e independência dos sindicatos é muito grande. Ela se dá mesmo depois do tradicional “novo sindicalismo” surgido com a CUT e seu desenvolvimento atual. Agora, imagina em centrais como a Força Sindical que desde o seu nascimento surgiram com pautadas pela proposta de conciliar. Isso de tentar cooptar dirigentes sindicais (ideológica, política e financeiramente) sempre foi prática do grande empresariado no Brasil e no mundo. E ela não é feita somente em termos econômicos, mas também no atrelamento dos sindicatos ao Estado.

Uma das medidas de atrelamento é o imposto sindical. O relator da reforma trabalhista anunciou que não abre mão de acabar com o caráter compulsório deste imposto. A imprensa afirmou que as centrais estariam dispostas a negociar tal reforma caso isso não fosse mantido. Qual a posição a CSP-Conlutas?
É importante explicitar que houve essa denúncia na imprensa de que as centrais estariam dispostas a negociar as reformas caso o governo cedesse no imposto sindical, mas que as centrais desmentiram no dia seguinte.

O que, sim, existe é um fórum permanente do governo com todas as centrais sindicais, exceto a CSP-Conlutas, e o Dieese. Eles vêm se reunindo semanalmente para discutir emendas à reforma trabalhista. Em nossa opinião, fazem isso em revelia a amplos setores de suas bases, que estão contra a negociação e querem lutar por seus direitos.

Nós estamos contra o imposto sindical. A CSP-Conlutas não recebe o imposto e já há, inclusive, uma parte de nossas entidades filiadas que devolve o valor descontado aos trabalhadores, e temos alguns sindicatos que moveram ações contra tal medida. Por exemplo, por 10 anos, o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos conseguiu impedir o desconto na Justiça, mas o Estado, ao final da ação, acabou obrigando o sindicato a se submeter. O Andes, sindicato dos docentes de nível superior, também deu uma batalha para não cobrar de suas bases o imposto sindical. Os comerciários de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, também devolvem, entre outros exemplos. E essa batalha nós vamos continuar porque o imposto sindical é uma forma de atrelar os sindicatos ao estado. A CSP-Conlutas desde sua fundação é contra o imposto e há poucos meses lançou uma cartilha e uma forte campanha para conscientizar sua base e consolidar essa visão.

Greve em Belo Monte

Se interessa para o Estado manter o imposto sindical para atrelar os sindicatos, acabar com ele não poderia ser visto como um ponto positivo da reforma trabalhista?
Poderia, se a reforma não fosse composta por um conjunto de medidas que atacam os sindicatos. A proposta acaba com o imposto, mas ataca autonomia dos sindicatos, estabelecendo que delegados sindicais só podem existir em empresas com mais de 200 trabalhadores, enfraquece a possibilidade dos sindicatos reclamarem junto à Justiça e, ainda, não assegura nenhuma forma dos sindicatos se autofinanciarem. O imposto sindical é uma imposição aos trabalhadores, é a contribuição anual referente ao valor de um dia de trabalho. Ele é parte de um mecanismo de cooptar os sindicatos e atrelá-los ao Estado. Mas ele não é a única forma: a perda de autonomia dos sindicatos e a imposição nas formas de arrecadação desde uma lei como quer a reforma trabalhista fere o direito dos trabalhadores decidirem. São eles que deveriam decidir como financiar suas entidades representativas. E isso não está previsto no projeto. E isso é ainda mais prejudicial quando o judiciário pretende acabar com a contribuição assistencial, que é uma contribuição votada pelos trabalhadores para organizar suas lutas. Por exemplo, para travar uma luta contra a privatização, a categoria pode decidir descontar a mais da taxa de filiação e investir nessa luta. Caso a proibição esteja válida, o sindicato estará proibido de fazer essa arrecadação junto aos trabalhadores. A proposta não assegura a autonomia dos sindicatos, apesar de prever o fim do imposto sindical.  Essa reforma trabalhista tem de ser rejeitada na íntegra.

Existe alguma relação entre as denúncias de corrupção e o atrelamento dos sindicatos ao Estado?
O que existe é que há uma maioria dos sindicatos longe de suas bases e sem um processo que possa controlar seus dirigentes; as ações dos dirigentes não respondem aos interesses da categoria que ele representa, mas aos seus interesses ou de seus partidos. O imposto sindical atua em favor disso, porque com um recurso anual assegurado, o sindicato não precisa ter trabalho de base para se autofinanciar.

A corrupção também está nesses marcos, porque há dirigentes que atuam em favor de seus próprios interesses e inclusive usam os trabalhadores como moeda de troca. É isso o que delatores estão dizendo que ocorreu. Denunciam que houve recebimento de propina para não realização de greves ou manifestações, e como dissemos cabe investigar essa e tantas outras delações. A única forma de acabar com isso é assegurar nas entidades uma prática democrática controlada pelos trabalhadores, com uma perspectiva de classe e com um programa de não conciliação com os patrões.

O dia 28 deve ser um forte dia de greve. Poderíamos dizer que da parte dos trabalhadores ele também é uma resposta a essas práticas sindicais?
Sim. As centrais estão em unidade de ação chamando a Greve Geral e nós valorizamos muito esse fato, mas essa foi uma batalha. Antes das mobilizações de março, muitas diziam que era impossível realizá-la, que a classe não estava disposta a fazer. As pressões embaixo geraram a unidade em cima. A classe trabalhadora repudia o sindicalista burocrático, os que não querem lutar, a corrupção, a falta de iniciativas. E as mobilizações para o dia 28 estão demostrando que a classe está se movimentando, que estão contra as negociações de cúpula, querem lutar por seus direitos, que não se sentem representadas pelos que querem fazer do sindicato um meio de vida. Isso indica novos sinais, indica que é possível construir um sindicalismo diferente, colado às bases e construído com democracia operária. Essa é a esperança para o próximo período.