Um dos piores dramas contemporâneos é o dos trabalhadores imigrantes. Porque sua imigração é uma imigração econômica – eles são trabalhadores imigrantes. Imigram para poder vender sua força de trabalho em condições menos ruins. Pais de família, filhos, famílias inteiras que deixam seu país para correr atrás das possibilidades de sobrevivência.

Mais de 50 milhões de pessoas, em todo o mundo, são trabalhadores imigrantes, quase uma de cada 100 pessoas vive nessas condições. Não escolheram seu destino. É o capital que, investido onde lhe dá mais lucro, atrai os que, não dispondo dele – situação absolutamente majoritária, em um mundo em que a maioria esmagadora vive do seu trabalho – têm de abandonar seu mundo, sua cidade, seu país, suas raízes, sua família, seus amigos, para tentar sobreviver de maneira um pouco menos miserável.

Como regra, não têm contrato de trabalho, vivem em péssimas condições, são discriminados, não dispõem de atenção médica, nem direito algum. Em geral não existem como cidadãos. Nos Estados Unidos, costuma se tolerar a entrada dos trabalhadores imigrantes, deixam que trabalhem, sem conceder-lhes o documento legal. Como resultado, eles têm que se submeter aos piores empregos, sem direito nenhum a reivindicar o que quer que seja, trabalhando 30 dias por mês, com jornadas de trabalho sem limites. O governo sai ganhando, porque não têm que lhes conceder cobertura social alguma; e as empresas saem ganhando, porque passam a dispor de grande quantidade de mão-de-obra muito mais barata do que a de origem estadunidense. Mesmo ganhando muito mal, ainda assim, com as péssimas condições – desemprego, salários ainda mais baixos – esses trabalhadores imigrantes ganham mais do que nos seus países de origem e podem enviar de volta recursos que se tornaram, praticamente em todos os países da região, a maior entrada de remessas para as economias dos países.

A grande maioria dos imigrantes clandestinos – 70% – é de origem mexicana. Dentre estes, 42% dizem que tratarão de ficar todo o tempo possível nos EUA, apesar das difíceis condições que enfrentam. 17% afirmam expressamente que ficarão o resto da vida.

São caçados na fronteira como se fossem animais. Somente no estado do Arizona, vítimas da ação da polícia de fronteira ou de grupos de paramilitares, 340 trabalhadores imigrantes foram mortos. Uma destas organizações diz que seu trabalho – espelhando-se nas teses de Samuel Huntington – é o de “impedir uma invasão mexicana”. “Pagamos muitos impostos, para depois termos que manter mexicanos que não respeitam a lei”, declara um deles, que se considera um “patriota”, e leva consigo uma bandeira dos EUA e um boné de beisebol, enquanto fuma um charuto.

Um desses grupos se orgulha de ter prendido mais de 12 mil imigrantes. Usam jipes, caminhonetes e cavalos, vestem roupa de camuflagem, utilizam sensores para detectar o movimento de pessoas, assim como cachorros. Consideram-se “vítimas” dos que “cruzam sua propriedade privada”.

O último censo nos EUA diz que 33,5 milhões de pessoas, cerca de 12% do total, nasceram fora do país. Dessas, 53% chegaram da América Latina. Não se sabe ao certo que porcentagem desses 33,5 milhões estão ilegais. Calcula-se que o número de trabalhadores sem documentação aumenta em 3 milhões por ano. Para cada trabalhador clandestino preso tentando ingressar nos EUA, pelo menos três outros conseguiram entrar. Calcula-se que cerca de 40% dos que entraram legalmente permanecem depois do vencimento do visto, ficando em situação ilegal.

Não há telenovela que possa dar conta do drama de ser trabalhador imigrante, legal ou ilegalmente. O drama desses mais de 50 milhões de pessoas tem suas raízes na lógica do capital, que busca pelo mundo afora a mão-de-obra a qual pode aplicar as taxas de exploração mais altas. A desregulação dos mercados de trabalho está na base dessa exploração e do sofrimento dos milhões de imigrantes em todo o mundo – em particular no país que mais os atrai: os EUA.

* Emir Sader, professor da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), é coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da Uerj e autor, entre outros, de “A vingança da História”. Artigo publicado originalmente no Correio da Cidadania