Militância do PSTU faz campanha nas redes sociais após publicação da pesquisa

Recente pesquisa do IPEA aponta que, para brasileiros, “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas” e que “se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros”

Por que quando vemos um rapaz caminhando sem camisa pela rua não pensamos logo que ele “merece” ser atacado? Muito simples, porque ele realmente não merece ser atacado. Assim como também não merece ser abusado o garoto que usa calça jeans sem cinto deixando a cueca à mostra, os amigos que vão pra balada, bebem e ficam “alegres” ou ainda o homem que volta pra casa sozinho tarde da noite. Isto é, da mesma forma como não justificamos um assalto pelo fato dos donos da casa terem se esquecido de trancar as portas, não dizemos que eles “pediram” para terem sua casa roubada, jamais passa pela nossa cabeça justificar uma agressão sexual a um homem pela forma como ele se comporta.

Mas então por que com as mulheres é diferente? O que leva as pessoas a acreditarem que uma mulher mereça ser estupradas por suas roupas ou seu comportamento? Pra que fique bem claro, nada justifica a violência contra as mulheres, nada! Mulheres não gostam de apanhar e não pedem para serem estupradas quando usam roupas curtas ou decotadas e tampouco seu comportamento pode servir de explicação para uma agressão sexual ou de qualquer natureza. Homens que batem em mulheres são covardes e o único responsável por  um estupro é o estuprador, e ponto.

Mas se parece óbvio pra mim e pra você, saiba que não é assim que pensa a maioria dos brasileiros. Pode parecer absurdo, mas para a uma parte considerável das pessoas o comportamento das mulheres pode sim motivar a violência contra elas. Foi o que apontou uma recente pesquisa do IPEA sobre a percepção social para a violência contra as mulheres. Segundo a pesquisa, 65% dos entrevistados acredita que “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas” e para 58,5% “se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros”. O mais impressionante é que a maioria dos que responderam as perguntas são mulheres (66,5%), o que demonstra o quanto a cultura machista está impregnada na nossa sociedade.

Mas apesar de chocantes, esses números não são exatamente uma surpresa. Nos últimos anos, temos assistido a uma escalada gigantesca da violência contra as mulheres no Brasil. A violência doméstica aumentou vertiginosamente, os registros de estupro explodiram e os assassinatos de mulheres também. Nos últimos dias, aliás, fomos bombardeadas por inúmeros exemplos de incentivo aberto à violência contra mulheres através de sites que motivam seguidores a fotografar decotes e partes íntimas e postar as imagens. Apesar disso não ser uma uma novidade, tem se multiplicado a ponto de se tornar virais, comunidades que incentivam abuso sexual no transporte público, o famoso “encoxamento” e homens que admitem, sem pudor algum, que cometeram estupros e fariam de novo. Sem falar de spots publicitários que estimulem a “xavecagem” nos trens e metrôs como o que foi veiculado numa rádio de São Paulo e que gerou repercussão nacional.

No dia 20 de março, como que num prelúdio do resultado da pesquisa do IPEA, o portal IG realizou uma enquete perguntando “qual a solução para abusos cometidos contra mulheres no transporte público?”. Três opções foram apontadas: mais segurança, áreas ou vagões exclusivos e roupas menos ousadas. Que essa última opção tenha feito parte da enquete já é uma clara evidência do quanto o machismo é naturalizado em nossa sociedade. Ao ganhar a enquete, demonstra o tamanho do problema.

Se por um lado podemos atribuir à falta de políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres o aumento desse tipo de violência (nunca é demais lembrar que de 2004 a 2011, os investimentos federais no programa 0156, de Ampliação e Consolidação da Rede de serviços especializados de atendimento às mulheres em situação de violência, representaram R$ 0,26 por mulher/ano) é a naturalização do machismo a chave para explicar uma tolerância tão grande a esse tipo de violência. É a ideologia machista, arraigada na sociedade e que considera as mulheres inferiores aos homens e justifica o controle exercido sobre as mulheres nos diversos aspectos da vida quotidiana, o que explica essa lógica perversa na qual vítimas são transformadas em culpadas e criminosos em vítimas. Nossa cultura machista ainda insiste em culpar uma mulher que é vítima de estupro, quando deveria responsabilizar o agressor e exigir sua rigorosa punição. Ainda atribui à mulher a responsabilidade por um crime tão brutal como o estupro (sim porque o estupro é um crime, e dos mais brutais), quando o verdadeiro culpado é quem comete a agressão.

Roupas não causam estupros, o que causa estupros são os estupradores. Este tipo de  crime, assim como outras formas de violência contra a mulher acontecem justamente porque, como aponta também a pesquisa do IPEA, ainda persiste a cultura machista de que os homens são a cabeça do lar e, portanto, as mulheres devem obediência a eles, que o sonho de toda mulher é se casar e ter filhos, pois sua realização enquanto pessoa depende disso, que existe “mulher pra casar e mulher pra ir pra cama”, porque não é considerada violência falar mentiras de uma mulher para os outros, ou que “roupa suja se lava em casa, “em briga de marido e mulher não se mete a colher” e os casos de violência dentro de casa devem ser discutidos somente entre os membros da família. Enfim, porque ao invés de educar os meninos para não estuprar, nossa sociedade ensina a eles que meninas que se vestem de uma determinada forma estão provocando e por isso eles estão autorizados a fazer uso daquele corpo “exposto” da forma como bem entenderem.

Não podemos seguir aceitando isso de forma natural e pacífica. É preciso travar uma luta à morte contra o machismo e os padrões culturais e educacionais que naturalizam a violência contra as mulheres. É preciso exigir do poder público campanhas educativas que combatam a violência contra as mulheres, rigor na punição aos agressores e a incorporação de conteúdos na matriz curricular que digam respeito aos direitos das mulheres. É necessário políticas de promoção da igualdade e um posicionamento firme contra setores conservadores que a todo momento buscam interferir nas políticas públicas que se orientam nesse sentido, como por exemplo a bancada evangélica querer retirar do texto do Plano Nacional da Educação uma das poucas coisas que ele ainda tem de positivo que é a que prevê uma educação voltada para a igualdade de gênero.

Por outro lado, não podemos nos iludir. Uma vida livre do machismo só é possível numa outra sociedade, numa sociedade sem explorador nem explorado, numa sociedade socialista. Mas isso não significa que a luta contra o machismo deve ficar pra depois da derrota do capitalismo, ao contrário, nossa luta contra o machismo começa aqui e agora, porque pra classe trabalhadora essa ideologia é ainda mais nefasta, nos divide, joga mulheres contra homens, mulheres contra mulheres, quando deveríamos lutar juntos contra a exploração.