Recentemente Emir Sader escreveu um texto sobre “as ilusões da esquerda”, no qual desenvolve a idéia de que uma parte daA crítica de Emir Sader tem como centro três pontos: a compreensão da crise e a superação do neoliberalismo, o catastrofismo da esquerda nas expectativas da crise (o pior está por vir) e o objetivismo na análise, que descarta o elemento subjetivo do processo social, que é apontado pelo autor como “o ponto forte dos dominantes”.

Se nos detivéssemos no argumento geral do autor, que defendeu o anti-catastrofismo e a necessidade na análise da combinação entre os elementos objetivos e subjetivos do processo histórico concordaríamos com o mesmo. O problema é que entre este acordo geral e as considerações políticas do autor existe um abismo entre nós. É por isto que procuraremos analisar cada um dos argumentos de Sader com a intenção de abrir um debate crítico. Para isso, tentaremos não criar o mesmo efeito de miragem: frases pomposas que podemos concordar na abstração, mas que acabam sendo ambíguas na política.

A quantas anda o neoliberalismo?
Para Emir Sader, a tese de que “a crise capitalista atual levaria ao fim do neoliberalismo” ou do “capitalismo” foi uma grande ilusão. Outra grande ilusão foi que a hegemonia norte-americana estaria esgotada, superada ou até mesmo a ilusão de uma nova “era de guerras”, por causa da crise. Todas estas foram ilusões da esquerda que desprezaram o elemento subjetivo (forças anticapitalistas ou antineoliberais).

Com este argumento geral, apesar de Sader não apresentar contra quem escreve, estamos de acordo. O problema a responder é que, com a crise a quantas anda o neoliberalismo? E a hegemonia norte-americana? Isto é, a crise econômica acentuou as contradições do sistema capitalista (desemprego em alta, socialização das perdas, aumento do ritmo de trabalho…) e melhorou as condições objetivas para a ação das forças anticapitalistas ou não?

Para que os socialistas transformem o seu projeto em prática política, é preciso que eles conheçam o terreno sobre o qual agirão. E a análise objetiva do que é o neoliberalismo na crise atual é mais necessária do que nunca: não estamos mais na década de 90, na qual a política neoliberal tinha grande audiência no conjunto da população brasileira e latino-americana. Menem, Losada, Chamorro e FHC que implementaram o neoliberalismo com força total na América Latina foram derrotados em processos de lutas e de eleições – a expressão disso foram as novas caras políticas latino-americanas. Hoje quem aplica as políticas no conjunto da América Latina é Lula, Correia, Morales, Lugo, Chávez, Ortega, Vázquez, Kirchner, dentre outros. Todos são presidentes que representam de formas diferenciadas a luta contra as privatizações, contra o enxugamento do Estado, dentre outras coisas. Desta forma, há uma mudança no ritmo e na forma de aplicação das políticas neoliberais. Será que com a crise não houve uma mudança na cadência das políticas? A injeção de trilhões de dólares e a “estatização” dos bancos pelos principais governos capitalistas é um reforço da política neoliberal? Logicamente que não é um reforço do projeto socialista, mas dizer que com a crise não houve mudanças nos projetos do neoliberalismo, nos parece uma incompreensão.

Crise e situação atual
A crítica de Sader ao catastrofismo da esquerda é que, a partir da “superação relativa da crise, esses arautos da catástrofe ficam despreparados para dizer qualquer coisa, a não ser anunciar que ‘o pior está por vir’.” Logo abaixo, centra a sua crítica de que as teses catastrofistas não levam “em conta as contra tendências, tomam uma tendência real e a projetam mecânica e linearmente para o futuro”.

Novamente, se não trouxermos para o “concreto”, poderíamos concordar com Sader. O problema que se coloca no seu argumento é: por que a superação é relativa? Além de não apresentar argumentos contundentes, Sader procura explicar suas afirmações a partir de que não podemos desprezar a ação humana. Tudo bem companheiros, achamos a ação humana importante, mas qual é o seu peso nesta superação relativa e no desenvolvimento da crise agora?

Não há dúvida alguma que a ação dos governos mundiais foi importantíssima para esta superação relativa. Mas problemas econômicos continuam a existir. A baixa oferta de crédito na economia norte-americana, assim como o estoque financeiro alto e o fraquíssimo fluxo de capital na esfera da produção continuam a rondar a economia mais importante do planeta. Outras questões também nos parecem importantes, como a semelhança entre a queda da produção industrial da crise atual para a de 1929 e, também, a queda do volume do comércio mundial muito mais acentuada hoje do que a de 1929. Só para se ter uma idéia, a capacidade de utilização da produção da indústria de bens duráveis norte-americana chegou a 60% em agosto, mostrando um alto índice de depreciação do capital constante.

A análise econômica pela ótica marxista continua a se basear em um elemento central: a queda da taxa de lucro. A recuperação parcial está sustentada não pelo investimento dos capitalistas na produção, mas pelo investimento em mais uma bolha financeira por parte das instituições que receberam ajudas do governo, como Goldman Sachs e Bank of America. Neste sentido, as principais empresas americanas, para acabar com a crise de superprodução, procuram atrair investidores que possam tirá-las do buraco no qual se meteram, empreitada esta que continua sem sucesso.

É importante também “inverter o lado” da ação humana em relação a crise. Não só a ajuda dos governos foi importante, mas a ação dos sindicatos, principalmente os ligados a CUT e Força Sindical, que aceitaram demissões, rebaixamento de salários e entrega de direitos, foi contrária ao desenvolvimento das lutas sindicais pelo país. Neste sentido, o “subjetivo” foi decisivo já que a política da maior parte dos sindicatos no Brasil ajudou as empresas a recuperarem seus lucros e a jogarem nas costas dos trabalhadores o peso da crise econômica.

Contra a “crítica crítica”
Apesar de se apoiar na conjuntura do neoliberalismo e nos prognósticos da crise enquanto crítica à esquerda, o centro do texto não se localiza aí para Sader. A questão importante é que o capitalismo e o neoliberalismo não serão substituídos se não existir um projeto alternativo, uma subjetividade organizada, enquanto projeto dos subalternos.

Repetindo nosso argumento: concordamos com o autor no geral, mas discordamos do mesmo ao não apresentar um caminho para refletirmos. Para um intelectual ou acadêmico pode parecer correto realizar as críticas metodológicas a outras correntes, ausentando-se de alternativas práticas. Para os socialistas revolucionários não. É por isto que apontar no geral que é preciso um projeto alternativo, sem indicar um caminho para construí-lo nos parece um erro cometido pelo autor. Não era preciso apresentar um programa, fechado e acabado, mas indicar por onde a alternativa das forças anticapitalistas ou antineoliberais deve seguir, já seria um grande avanço.

O problema que surge é o da ambigüidade. Por exemplo, os governos populares e nacionalistas, como de Morales e Chávez são a expressão destas forças anticapitalistas (ou antineoliberais)? Ou ainda, o PT, partido com o qual Sader mantém relações, é esta expressão? Esta pergunta é pertinente neste debate, já que se o PT for a alternativa, temos que analisar se a liberação de 300 bilhões aos bancos, a “torcida” de Lula pelos 4200 desempregados da Embraer (enquanto liberava mais dinheiro pelo BNDES a empresa), o repasse ao FMI e a redução dos impostos para salvar as grandes multinacionais representam o programa de superação do regime neoliberal. Caso contrário, se o PT não for esta expressão, então por que um partido com a confiança de milhares de trabalhadores não conseguiu expressar um projeto alternativo ao neoliberalismo? O PT não é e não pode ser a expressão anti-capitalista porque é ele próprio que implementa o projeto neoliberal no Brasil.

Daqui surge outro problema, que é da relação entre prognósticos e política. Sader recupera uma crítica de Gramsci a Trotsky, na qual o comunista italiano julga que por mais que o prognóstico do russo esteja certo (a revolução socialista mundial), não se pode apressar o projeto socialista a partir desta previsão, com táticas de ataque frontais. Aqui, Sader acrescenta a idéia de que “o mundo não caminha para o socialismo (…) da mesma forma que a humanidade não está condenada a viver sob o capitalismo”. Estamos de acordo com o intelectual, só que queremos inverter a recomendação. Da mesma forma que não se pode tirar a política apenas da análise dos elementos objetivos, tendo que incorporar os elementos subjetivos, não é possível acertar na política se não houver uma unidade entre a teoria, a estratégia e a tática. É esta a recomendação de Trotsky através da teoria da revolução permanente: por ser possível revoluções socialistas vitoriosas é que nossa política não pode se deter nos marcos da democracia burguesa. Para isto, devemos conseguir construir uma “ponte” entre a consciência atual das massas e a necessidade da revolução socialista. Construir esta ponte é o contrário de tentar criar uma “fonte da eterna juventude” para a menina não tornar-se mulher.

As ilusões reformistas não morrem sozinhas. É preciso que se desenvolva um projeto socialista, revolucionário e de massas para superá-las. Esta crise nos abre esta possibilidade de avançar, pois melhoram as condições objetivas para a luta; mas uma resposta à crise deve conseguir superar a resposta que o PT, a CUT e a UNE deram até agora à crise econômica.

Os socialistas revolucionários não devem ter nenhuma ilusão de que as condições objetivas e subjetivas se identificam, muito pelo contrário, estas condições se desenvolvem em ritmos diversos e desiguais. Mas ao mesmo tempo, os socialistas não podem cair na ilusão de que estratégia e tática existem em tempos diferentes: o projeto socialista não é construído através de táticas que reforçam a saída burguesa para a crise, mas através da unidade com uma estratégia de mobilização e de construção do partido revolucionário.