Jerônimo Castro, de Congonhas (MG)

Brasil voltou a ser grande exportador de matéria prima para o mercado internacional

Desde que surgiu, junto com o mercado mundial, a economia brasileira sempre foi uma economia dependente. Nunca foi voltada apenas para satisfazer as necessidades deste mercado, mas, também, para garantir lucros aos setores de fora que investiam aqui.

Com curtas e honrosas exceções, os grandes ciclos econômicos brasileiros – a cana-de-açúcar, o ouro, o tráfico de escravos, o café e mesmo a industrialização das décadas de 1950 e 1970 – sempre estiveram a serviço do mercado mundial e de seus interesses.

No entanto, nos marcos de uma economia dependente e sempre explorada, o Brasil, no final dos anos 1980, tinha um importante parque industrial que era o centro de sua economia, em especial, dos produtos que exportava. O Brasil não apenas exportava matérias primas como também era um exportador de bens industrializados.

Essa localização do país começou a mudar a partir dos anos 1990, quando a globalização capitalista e a ideologia neoliberal afetaram todo o mundo. Neste novo momento, o Brasil e uma série de países dependentes voltaram a ser, basicamente, exportadores de matérias primas. Ou, como se diz hoje em dia, de commodities como minérios, soja, etanol etc. É um processo global, que altera a localização do país e afeta os trabalhadores e a população não apenas na sua relação com o trabalho, mas também pelas práticas predatórias em relação à natureza e de saque às riquezas nacionais. É esse maior peso das commodities da economia, ao lado da diminuição da indústria, que muitos especialistas chamam de reprimarização.

Vale destacar que, no caso brasileiro, a supervalorização das commodities na economia nacional não foi seguida, como em outros países, da desinstalação da indústria, em especial da automotiva. O que aconteceu foi a perda de importância relativa da indústria de transformação em relação à indústria de extração.

Rapina completa
Mineração para saquear o país

Os grandes projetos de mineração que se instalaram no Brasil e no conjunto da América Latina têm um grande objetivo central: saquear o país onde se instalam.

Com a transformação do capitalismo nos últimos dez anos do século passado, sobrou para os países da América Latina a produção, em escala industrial, de certas matérias primas. No caso brasileiro, o país ficou com a produção em larga escala de minério de ferro. O ferro, como outros minérios ou bens naturais, não pode ser explorado em qualquer lugar, ou seja, não se pode instalar uma indústria de extração de ferro onde bem se queira. É necessário instalar a indústria de extração de ferro onde há minério de ferro.

Pode parecer óbvio, mas não é. Um país ou região que tenha, por exemplo, jazidas de ferro, têm uma riqueza natural especial que lhe dá determinada vantagem em relação a outras regiões que não as tenham ou as tenham em condições mais difíceis de serem exploradas, sejam dificuldades naturais, sejam de caráter social.

Essa riqueza nacional foi explorada por um longo período por empresas estatais. A Vale do Rio Doce e a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) foram as grandes mineradoras estatais que controlaram a exploração do minério de ferro no Brasil até os anos 1990. Após sua privatização, a Vale se transformou na maior extratora de minério de ferro do mundo. Segundo os defensores da privatização, isso seria a demonstração cabal de que uma indústria brasileira poderia ser grande, desde que privada. A afirmação, no entanto, é falsa. A Vale é uma empresa controlado pelo capital financeiro com forte presença internacional.

A Samarco, por exemplo, é controlada pela Vale e a anglo-australiana BHP Billiton. Cada uma detém metade de suas ações. Alguém diria que ela é 50% brasileira. Só que não é. Isso porque a própria Vale não é totalmente brasileira. Qual foi então a jogada dos países imperialistas? Eles largaram sobre as costas dos países periféricos a tarefa de produzir commodities, de vender parte de suas riquezas naturais aos países centrais, mas quem fica com os lucros são empresas dos países centrais e grupos acionistas estrangeiros.

De uma só tacada, fazem três excelentes negócios. Primeiro, extraem as riquezas naturais dos países periféricos. Depois, suas empresas recebem os lucros da exploração das riquezas naturais. Por fim, os dividendos gerados pela exportação dessas riquezas são usados para pagar as dívidas interna e externa ao capital financeiro mundial. Estamos diante de uma rapina completa.

 

Leia a Parte 1: Uma cidade e centenas de histórias de vida sob a lama

Leia a Parte 3: A maior tragédia ambiental do país

Programa: Propostas para a mineração brasileira

 

“A empresa só quer produção, produção e produção”

A tragédia de Mariana não foi exatamente uma surpresa para os trabalhadores da mineração. Além dos riscos próprios do setor, uma atividade de risco de nível 4, o mais alto, o aumento do ritmo de produção no último período, aliado ao enxugamento cada vez maior dos funcionários, tornou os acidentes mais freqüentes.

Essa é a dinâmica do último período das três maiores mineradoras: Vale, BHP e Rio Tinto que, para compensar a redução do preço do minério no mercado internacional e para engolir as concorrentes, aumentam a produção e reduzem os custos.

Existe uma exigência de produtividade muito grande por parte das mineradoras que aumenta o ritmo de trabalho. Uma política irresponsável que vem levando a vários acidentes, inclusive fatais”, afirma Valério Vieira, diretor do sindicato Metabase Inconfidentes. Só na Vale, avalia Vieira, há uma média de 11 a 12 acidentes fatais por ano nas estruturas e minas da empresa. Só no último ano, a mineradora mandou embora de 25% a 30% de seu quadro de funcionários.

Alair é trabalhador da Vale há 20 anos. Na mina de Timbopeba, ele sente na pele as exigências da mineradora, principalmente após a privatização. “Antes a Vale até que investia na cidade. Esta vila que estamos foi construída por ela para os funcionários, tinha colônia de férias, mas agora é só produção, produção e produção”, afirma. Trabalhador de turno, Alair não tem horário definido. Em regime 4 x 1, ele entra às 19h no serviço e fica até a 1h. Depois, volta às 13h e fica até às 19h, folgando no quarto dia. “Você não tem hora pra comer, pra dormir, seu relógio biológico fica detonado”, reclama.

Nas férias, não consegue dormir direito e parece que nem descansou. “O salário também está defasado. Antes, um funcionário da Vale ganhava o que seria hoje dez salários mínimos, mas agora tenho que fazer bico nas férias pra complementar a renda”, disse.

 

Sob o controle dos trabalhadores e da população
Estatizar toda a produção de minério no país como primeiro passo

Os problemas da mineração no Brasil, seu profundo vínculo tanto com a reprimarização de nossa economia quanto com sua crescente desnacionalização e, portanto, com o saque de todas as nossas riquezas, recursos naturais e, inclusive, o ataque brutal ao meio ambiente e às condições de vida da ampla maioria da população e da classe trabalhadora, precisam ser detidos.

Há um passo para isso: a estatização de todo o sistema minerário brasileiro. Somente com o controle destas riquezas será possível explorar de forma racional e menos predatória as grandes minas do país.

No entanto, é importante dizer que é necessário estatizar sob controle dos trabalhadores, ou seja, com uma gestão em que os próprios trabalhadores elejam a direção da empresa, controlem a produção, gerenciem os investimentos e distribuam socialmente os lucros. Além disso, as comunidades atingidas pela mineração devem ter o direito de opinar sobre seu funcionamento.

Leia a Parte 1: Uma cidade e centenas de histórias de vida sob a lama

Leia a Parte 3: A maior tragédia ambiental do país

Programa: Propostas para a mineração brasileira