Levante dos jovens das periferias contra o aumento do desemprego e pelo combate à discriminação racial em 2005 e 2006; paralisação geral dos serviços públicos e universidades contra a lei do Contrato do Primeiro Emprego (CPE), que precarizava o vínculo empregatício dos jovens com menos de 26 anos, desencadeando marchas de protesto por toda a França em maio de 2006; adesão em massa dos transportes públicos à greve de outubro de 2007 contra a reforma da previdência de regimes especiais dos servidores, cujo texto de lei previa o aumento no tempo de contribuição de 37,5 para 40 anos. Estas são algumas das lutas encenadas pelos trabalhadores e pela juventude francesa no último período.

“Andando por Paris, você acha que está tudo bem, mas as explosões de descontentamento ocorrem freqüentemente e chegam a reunir centenas de milhares nas ruas”. É a constatação do companheiro Jean-Louis, militante do GSI (Groupe Socialiste Internationaliste), seção francesa da LIT-QI. Um dos responsáveis pela publicação do periódico mensal da LIT na França, o “L´Internationaliste”, ele se queixa da atuação, na Europa, dos grupos “anticapitalistas”. Na França, também funcionariam como anticatalisadores (ou seja, desmobilizadores) do que poderia ser uma possível tentativa de aprofundamento e radicalização dos protestos. “A política preconizada pelos grupos de esquerda que reivindicam uma frente anticapitalista, entre eles os organizadores e defensores dos Fóruns Sociais Mundiais, não é senão um neo-reformismo”.

O mais recente ataque neoliberal à classe trabalhadora francesa é a lei que institui o fim do regime semanal de 35 horas, prevendo a possibilidade de aumentá-lo por meio da inclusão do chamado “repos compensateur” (repouso compensatório, o que no Brasil já é largamente utilizado com o nome de “banco de horas”), além de estabelecer a “livre” negociação salarial entre os trabalhadores e cada empresa. O critério para a quantidade de horas trabalhadas será “anualizado”, ou seja, quantidade de horas por ano, o que permitirá a variação da jornada semanal de acordo com os picos de produção. A lei fora aprovada em definitivo pelo Parlamento francês no dia 24 de julho, mas os partidos de esquerda recorreram ao “Conselho Constitucional”, comissão de juristas (chamados “notáveis”) que decide se uma a proposta de lei fere ou não as normas constitucionais. No dia 7 de agosto último, os “notáveis” aprovaram o texto da lei em todos os itens fundamentais.

Para o “L´Internationaliste”, isso significa “o fim da duração legal do tempo de trabalho na França, (…) uma deterioração acelerada das condições de vida e de trabalho do conjunto dos trabalhadores, além de contribuir para reforçar o desemprego de massa que existe atualmente”. Informa ainda a publicação da LIT francesa que, apesar do desemprego na França ficar oficialmente em torno dos 7%, “são consideradas nas estatísticas oficiais apenas certas categorias de desempregados”. Segundo o jornal, “o coletivo ‘Outros Números do Desemprego´ (ACDC, em francês), que agrupa associações e sindicatos, afirmava em 2007 que o desemprego na realidade atinge os 9,5% da população ativa”.

O aumento da flexibilização da repartição e contagem do tempo de trabalho, a partir de sua anualização, e o estabelecimento de negociação empresa por empresa, precariza as condições de trabalho e congela os salários dos trabalhadores franceses por conta da dificuldade de negociação. A negociação empresa por empresa deverá ocorrer mesmo naquelas onde não existir nenhum sindicato que represente os trabalhadores. Nesse caso, a lei prevê que o acordo se faça com uma “comissão eleita de trabalhadores locais”. É de se perguntar, de imediato, em que condições uma comissão de trabalhadores nesses moldes, sem nenhum respaldo sindical nem garantia no emprego, poderia negociar com os patrões, o que tal comissão poderia fazer além de se submeter à humilhação de ter a “proposta patronal” enfiada goela abaixo.

A lei francesa que pulveriza o teto semanal de 35 horas de trabalho surge com o mesmo intuito específico do conjunto das reformas neoliberais que têm atacado a classe trabalhadora em todo o mundo nas últimas décadas: intensificar o lucro dos patrões através da única forma geral possível, ou seja, aprofundando a extração de mais-valia. A substituição do pagamento de horas-extras por “tempo de descanso” é uma das mais cruas maneiras de assim proceder. Ao estender a jornada de trabalho e transformar as horas a mais trabalhadas em “direito de descanso posterior” ao invés de pagamento em dinheiro, o capital promove uma espécie de retrocesso nas relações de produção, na medida em que praticamente reinstitui o trabalho escravo.

Não se trata, nesse caso, “apenas” de extração de mais-valia ao longo de uma jornada de trabalho pela qual o trabalhador recebe um salário específico, mas da institucionalização de um período durante o qual o trabalhador sabe que trabalha de graça. A diminuição progressiva da massa salarial é o principal mecanismo de elevação das taxas de lucro. Segundo a Comissão Européia, informa o “L´Internationaliste”, a parte relativa aos salários no cômputo geral do Produto Interno Bruto francês caiu em torno de 9,3% em 2007. O que significaria que de 120 a 170 milhões de euros passaram dos bolsos dos trabalhadores para os dos grandes acionários. Some-se a isso a alta geral na Europa dos produtos de primeira necessidade, que teriam aumentado entre 5% e 48% no período de novembro de 2007 a janeiro de 2008.

Do lado dos trabalhadores, a organização institucional para a luta não se faz pouco difícil. No momento, um dos obstáculos é a chamada “posição comum”, um documento assinado pelas maiores centrais sindicais da França (entre elas a histórica CGT), que pretende regular a representatividade de seus sindicatos nos processos de negociação coletiva. O título do documento já é bem sugestivo de como pensam tais centrais: “Posição comum de 9 de abril de 2008 sobre a representatividade, o desenvolvimento do diálogo social e o financiamento dos sindicatos”. Trata-se de uma espécie de “pacto social” entre tais centrais com o governo e as empresas, cujo objetivo é conferir legitimidade aos acordos coletivos, considerando a “negociação coletiva como um dos elementos essenciais do diálogo social”.

Diante de tudo isso, quais são as reivindicações e posicionamentos táticos do Groupe Socialiste Internationaliste – seção francesa LIT-QI? Em primeiro lugar, aumento geral dos salários, para reverter o processo de queda do poder aquisitivo do conjunto dos trabalhadores; manutenção do critério semanal para cômputo da jornada de trabalho, para impedir o aumento da margem de manobra dos patrões sobre a jornada; defesa incondicional do teto semanal de 35 horas. O GSI acredita ainda que é possível mais que uma posição defensiva, que se poderia mesmo impor um recuo ao governo de Sarkozy. Bastaria que os sindicatos se dispusessem a adotar uma postura mais ofensiva frente ao governo e às empresas, abandonando a chamada “posição comum” e canalizando de forma mais eficaz as insatisfações dos trabalhadores, transformando-as em força política. Caso as centrais não adotem tal postura, tudo indica que nem por isso a crescente tensão social deixará de explodir em sua forma espontânea.

No país que já foi o centro da reorganização do trotskismo no imediato pós-guerra, os partidos revolucionários hoje não têm expressão muito maior do que em qualquer outro lugar do mundo. A seção francesa da LIT-CI, de sua parte, enfrenta também as notórias dificuldades no processo de construção do partido. Sintomas de um permanente arrefecimento da luta de classes na França? Certamente não é o caso, se lembrarmo-nos apenas dos episódios mais recentes de grandes mobilizações populares motivadas pela implantação de reformas neoliberais no país. Mais uma vez, a França está grávida de grandes batal