Gabriel Huland, de Madri

Nunca fomos tão dependentes da Internet como agora. Home office, reuniões virtuais, conferências online, rastreamento digital e outras atividades digitais se tornaram parte essencial do nosso dia-a-dia. Mas inclusive antes da pandemia, a economia mundial já estava umbilicalmente ligada à Internet. As transações nas bolsas de valores, as transferências de dinheiro, o pagamento de salários e o funcionamento de fábricas e outras empresas só eram (e continuam sendo) possíveis através da rede. Nenhum país pode estar desconectado por muito tempo, sob risco de que sua economia colapse em questões de horas.

E a pandemia da Covid-19 parece ter aprofundado essa dependência. Somente nos Estados Unidos, as vendas online em maio de 2020 aumentaram mais de 75% em relação ao mesmo período do ano anterior. O lucro da Amazon chegou a mais de 5 bilhões de dólares no segundo quadrimestre do ano. Segundo um artigo publicado na revista Time, a empresa comandada por Jeff Bezós monopoliza quase 40% do total do comércio eletrônico (e-commerce, em inglês). A segunda colocada, a cadeia de supermercados Walmart, fica bem atrás com “míseros” 6 % do total. A fortuna de Jeff Bezós, o dono da Amazon, é estimada em aproximadamente 178 bilhões de dólares e pode chegar a mais de um trilhão de dólares em cinco anos.

Esses dados indicam que o processo de concentração e centralização do capital na economia da Internet se dá a uma velocidade vertiginosa. Alguns analistas opinam que a tendência ao monopólio na Internet é mais potente do que na produção de manufaturas tradicionais ou inclusive do que no setor bancário/financeiro. Em aproximadamente duas décadas, a economia da Internet passou a ser controlada por um punhado de megacorporações, quase todas norte-americanas ou chinesas. Em um dos principais estudos realizados até o momento sobre política econômica da Internet, o professor da Universidade George Washington Mathew Hindman concluiu que as quatro maiores empresas de Internet (Google, Facebook, Microsoft e Yahoo!) recebem um terço de todas as visitas web.

Sobre a receita que Google e Facebook recebem de publicidade digital, Hindman afirma: “Em meados de 2016, Google e Facebook combinavam juntas mais de 73% da publicidade digital nos Estados Unidos, um notável duopólio sobre uma indústria que move anualmente 60 bilhões de dólares.“ Outro fato que revela a rapidez com que o “capital digital” se concentra é que empresas como Google e Apple estão fazendo movimentos rápidos para entrar no setor bancário/financeiro.

Por outro lado, as conclusões de Hindman contrariam a opinião de alguns intelectuais que afirmam que a Internet significou a democratização da informação e do conhecimento. Manuel Castells, por exemplo, chegou a afirmar em 2011 que a batalha pelo poder se dava essencialmente na esfera da construção de significados e que a Internet representava uma possibilidade única para transformar as relações sociais. A realidade, no entanto, se mostrou bastante diferente. O estudo de Hindman demonstrou que o número de blogs independentes vem caindo paulatinamente nos últimos anos e que as 300 páginas webs mais visitadas concentram aproximadamente 80% das visitas na web.

Isso não quer dizer que não se possa travar lutas políticas e ideológicas na esfera digital. Como um espaço mais de socialização, a Internet oferece possibilidades de organização e de transmissão de narrativas contra-hegemônicas. O movimento Black Lives Matter que luta contra o racismo institucional nos Estados Unidos, a juventude egípcia e síria que protestaram durante a Primavera Árabe e inúmeros outros atores sociais utilizaram e continuam utilizando plataformas como YouTube e Facebook para se organizar e convocar mobilizações. Mas não podemos ignorar que as relações sociais de exploração e opressão se reproduzem na esfera virtual. O crescimento dos grupos de ultradireita que se organizam por redes sociais e o uso de fake news por governos e partidos políticos para influenciar eleições e disseminar ideologias preconceituosas o demonstra.

Em certo sentido, não é exagerado afirmar que o futuro do capitalismo está associado ao controle das novas tecnologias como a Inteligência Artificial (IA) e tecnologia 5G. A atual disputa entre Estados Unidos e China tem a ver em parte com o controle dessas tecnologias. E nesse campo, também se observa o poder das grandes multinacionais. Kai-Fu Lee, um expert em China e Inteligência Artificial, afirma que o orçamento do governo dos Estados Unidos para pesquisa em ciência computacional não chega nem à metade do que a Google investe em investigação e desenvolvimento. Além do mais, a Google sozinha emprega aproximadamente a metade dos mais importantes cientistas de IA.

Lee trabalhou na China como presidente da Google China e no Silicon Valley, na Califórnia, em empresas e startups de IA. Ele considera que sete grandes corporações (Google, Facebook, Amazon, Microsoft, Baidu, Alibaba e Tencent) controlam o setor de Inteligência Artificial. Quatro dessas empresas são norte-americanas e as outras três, chinesas. Sua previsão é de que a China pode vir a ultrapassar os Estados Unidos nos próximos anos como principal centro produtor de novas tecnologias e inovações produtivas. Essa espécie de “corrida pela Internet”, similar à corrida espacial durante a Guerra Fria, pode ser decisiva para o controle da economia, já que também afetará as cadeias produtivas do futuro. Apesar de sempre ter trabalhado no setor privado, Lee destaca que a busca pelo lucro limita o tipo de pesquisa realizada por essas multinacionais.

Nos últimos anos, se deu um debate nos Estados Unidos sobre possíveis práticas oligopólicas na indústria tecnológica. Até o momento, no entanto, nenhuma legislação concreta para quebrar esse oligopólio foi proposta. O jornal Financial Times noticiou que em 2018 as cinco principais empresas norte-americanas de tecnologia (Google, Amazon, Facebook, Apple e Microsoft) investiram mais de 60 milhões de dólares em “lobby” no congresso dos Estados Unidos. A candidatura de Joe Biden, do Partido Democrata, está repleta de “assessores” que trabalharam ou ainda trabalham em empresas de tecnologias e provavelmente bloquearão qualquer política que vise quebrar o poder destas empresas.

Além do mais, é bem pouco provável que no atual contexto de guerra comercial e tecnológica entre Estados Unidos e China, a elite política norte-americana aprove leis que “enfraqueçam” as gigantes tecnológicas. Como não poderia ser diferente, tanto o Partido Democrata como o Republicano estão mais preocupados em conter a “ameaça chinesa” do que em democratizar a indústria da Internet.