Este é o quinto artigo da série “As amarras da dívida externa”. Nesta edição, trataremos do curto período democrático-burguês de 1946 a 1964, fase em que ocorreu o aprofundamento da industrialização no Brasil com forte presença do capital estrangeiro

Com o final da Segunda Guerra, terminou o longo período de crise econômica e conflitos interimperialistas iniciado nas primeiras décadas do século 20, agora sob a hegemonia dos Estados Unidos, que emergiram como a grande potência industrial e financeira.

Essa nova configuração político-econômica do pós-guerra expressou-se nos acordos de Bretton Woods (1944), que resultaram na criação de duas instituições, o Fundo Monetário Internacional e o BIRD (Banco Mundial).

O dólar passou a ser a principal moeda para as transações internacionais e para compor as reservas cambiais dos países. Para isso, o governo dos EUA comprometia-se a garantir a troca de dólar por ouro a uma taxa fixa (1 onça de ouro = US$ 35). Em 1947, surgiu o GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio), para ampliar o comércio internacional e diminuir tarifas comerciais entre países.

Período do imediato pós-guerra
Na primeira década após o final da guerra, a economia brasileira recebeu pouco capital estrangeiro. Esse período foi caracterizado economicamente pela reconstrução dos países atingidos pela guerra (Europa e Japão) e pela escassez de capitais no mundo.

Entre 1946 e 1955, os pagamentos de serviços (fretes, seguros, etc.), juros, lucros e amortizações foram maiores que os ingressos de capital estrangeiro somados ao saldo da balança comercial. A busca dos governos por financiamento externo esbarrou no desinteresse do governo dos EUA em emprestar dinheiro ao Brasil (mais preocupado em financiar a reconstrução européia e japonesa, para conter o ascenso revolucionário que varria esses países) e na pouca disponibilidade de capitais privados.

Como no período anterior (ver artigo passado), o governo foi obrigado a adotar um rigoroso controle de importações. Ainda assim, foi necessário recorrer a empréstimos internacionais compensatórios para garantir os pagamentos internacionais.

Industrialização com capital estrangeiro
Em meados da década de 50, após alguns anos de recuperação econômica e reconstrução do pós-guerra, seguiu-se uma fortíssima onda de exportação de capitais através da expansão internacional das multinacionais, que buscavam novas oportunidades lucrativas de investimento.

Nesse contexto ocorreu um grande salto no processo de industrialização brasileiro, que levou ao crescimento e à diversificação do parque industrial. Ao contrário dos períodos anteriores, a principal forma de penetração do capital estrangeiro foi através das empresas multinacionais.

A industrialização brasileira realizou-se quando o capitalismo já se encontrava em sua fase monopolista, na qual algumas multinacionais já controlavam grandes massas de capital e tinham acesso a tecnologias e escalas de produção inacessíveis ao capital privado brasileiro. O crescimento da dívida externa, a partir deste momento, esteve direta e indiretamente relacionado às necessidades financeiras e produtivas das multinacionais.

A burguesia brasileira optou por uma industrialização liderada pelo capital estrangeiro e apoiada em investimentos estatais em infra-estrutura e indústrias de base (petróleo, siderurgia, telecomunicações, etc.). A industrialização brasileira foi inserida no contexto da expansão das multinacionais a partir de meados dos anos 50.

Conformou-se um novo tipo de dependência, baseado em uma nova divisão internacional do trabalho, na qual as multinacionais instalam-se no interior da economia nacional e produzem centralmente para o mercado interno. A influência político-econômica passa a ser centralmente exercida dentro das fronteiras nacionais, ao invés de ser basicamente externa.

O Plano de Metas e o endividamento externo
O Plano de Metas do governo Juscelino Kubitschek incentivou amplamente a vinda de empresas estrangeiras para o Brasil. O capital externo instalou-se nos principais ramos da indústria brasileira, como os setores mecânico, químico, elétrico, automobilístico, etc.

Nesse período, a dívida externa voltou a crescer aceleradamente, mas com um perfil diferente, vinculado aos investimentos das multinacionais. Estas participavam direta e indiretamente cada vez mais dos empréstimos e financiamentos externos. O tipo de dívida que mais cresceu foi o financiamento de fornecedores a importadores – principalmente as grandes empresas. Um tipo basicamente privado de dívida externa, embora realizado (minoritariamente) também pelo setor público.

Outras modalidades de endividamento foram os empréstimos diretos e os créditos das agências governamentais (principalmente o Eximbank) e dos organismos internacionais (FMI e BIRD) destinados a financiar as importações e à manutenção das reservas cambiais para garantia dos pagamentos ao exterior.

Em síntese, o crescimento da dívida externa (pública e privada) a partir de meados dos anos 50 serviu principalmente para financiar a implantação das grandes multinacionais no Brasil. Com isso, a dívida externa voltou a crescer significativamente – em 1961 (US$ 2,84 bilhões), já era o dobro de 1955 (US$ 1,45 bilhões).

O problema das remessas
As conseqüências do aumento do peso do capital estrangeiro não demoraram a surgir. Em 1962, iniciou-se um período de recessão e de diminuição dos investimentos externos. Como resultado dos investimentos e empréstimos estrangeiros dos anos anteriores, intensificaram-se as remessas de juros e lucros ao exterior, assim como aumentaram os pagamentos de amortizações das dívidas.

Essa questão tornou-se tão crítica que um dos principais pontos programáticos do movimento operário naquele período foi a luta contra as “perdas internacionais”, expressas principalmente nas remessas de lucro, mas também nos pagamentos dos serviços da dívida externa.

O governo João Goulart, para lidar com as restrições externas, buscou o FMI, mas este órgão lhe negou apoio. No início de 1964, o presidente é levado a regulamentar a Lei 4.131 (conhecida como lei da remessa de lucros), com artigos que obrigavam o registro de todo capital estrangeiro e limitavam o envio de lucros ao exterior.

Em março do mesmo ano, ocorreu o golpe militar e pouco depois foram revogados os artigos mais incômodos ao capital estrangeiro. O FMI concedeu todo apoio às políticas econômicas do regime militar, que levaram a um novo salto na integração da economia brasileira ao imperialismo, expresso num crescimento sem precedentes da dívida externa.

Post author João Valentim, do Rio de Janeiro (RJ), e Cristiano Monteiro, de São Paulo (SP)
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