A falsa convivência pacífica, entre índios e não índios, pregada por uma elite coronealista, agrária, atrasada e por políticos envolvidos, em sua maioria, em corrupção chegou ao seu final. A homologação da área indígena Raposa Serra do Sol em área contínua trata-se de parte de uma dívida antiga com os povos indígenas da Amazônia, especialmente, os de Roraima. Uma área de 1,7 milhão de hectares, localizada ao norte do atual Estado de Roraima, que custou a vida de 21 lideranças indígenas desde o início da sua organização política, nos moldes dos brancos, quando então foi realizada a primeira assembléia dos tuxauas, em janeiro de 1977.

A luta dos povos indígenas vem dos tempos coloniais, quando aqui chegaram os primeiros apresadores de índios, porém ela passou a ser mais presente quando fazendeiros nas décadas de 50, 60 e 70 do século passado deram início ao cercamentos das fazendas de gado, ampliando as privatizações das terras públicas na região, o que na prática impediu o livre acesso dos índios pelos campos do Rio Branco. Essa monopólio das terras trouxe graves conseqüências econômicas para as populações indígenas, pois impedia que as diversas etnias pescassem, caçassem e coletassem. Esse cercamento teve como conseqüência imediata o acirramento dos conflitos e logicamente a expulsão dessas populações que ao longo dos anos passaram a ser minorias.

O que ocorreu com boa parte das populações indígenas em Roraima, também dar-se-á com os camponeses ingleses no início do século XVII, fruto da modernização no setor agrário (Decretos das Cercas), quando as atividades agrícolas passaram a ser dirigidas para o mercado; sendo, portanto, monopolizada por uma pequena quantidade de proprietários que passou a usurpar a terra, arrendando-as, inicialmente, para a criação de ovelhas, expulsando os pequenos camponeses para os incipientes centros urbanos.

Para alguns índios de Roraima, não restou outra alternativa, a não ser a fuga; porém, para centenas deles, especialmente os da serras, foi o início de uma resistência mais politizada, foi a partir dos cercamentos, não resta dúvida, que as populações indígenas, auxiliadas por uma corrente da Igreja Católica (Teologia da Libertação) deram início a uma organização indígena capaz de ser ouvida e respeitada tanto nacionalmente como internacionalmente. Para isso foi necessário dizer não para a cachaça e sim a comunidade indígena e foi necessário criar projetos como “uma vaca para cada índio” como alternativa de autosustentação. Para isso foi necessário ter coragem para enfrentar um inimigo perigoso, armado, que ávido pelo lucro, inserido já dentro do espírito capitalista, nunca teve a mínima consideração pelo diferente.

A organização política foi a alternativa. E não as encontradas anteriormente, como a mudança para países fronteiriços, como a República da Guiana (à época Guiana Inglesa) e a Venezuela; como a de trabalharem nas fazendas de gado dos não-índios, onde se percebia o hábito corriqueiro de atrair os índios, ainda jovens, para criá-los como agregados das famílias; ou ainda, mudaram-se para áreas dentro da própria região, como a região das serras. Essas “fugas“ foram possíveis enquanto se encontravam áreas do lavrado e das serras que ainda não haviam sido invadidas. Quando completada toda a invasão, principalmente depois da forte migração no final das décadas de 1970 e 80, esta última solução não foi mais possível.

Brecht tem razão quando afirma que a “há aqueles que lutam toda a vida, esses são imprescindíveis“. Foi assim para os índios da Raposa Serra do sol, que lutaram toda a sua vida sem desistirem, não importando se viriam ou não suas terras homologadas, em uma luta sempre constante. A primeira Assembléia dos povos indígenas aconteceu em 1977. Daí para cá, nunca mais deram trégua a classe dominante local, até o dia mais importante das suas vidas, 18 de abril de 2005, quando então viram suas terras homologadas, o que prova que só na luta se muda a vida.