No dia 24 de abril, completam-se 90 anos do nascimento de Nahuel Moreno, fundador da LIT-QI e parte dos que carregaram no século XX a bandeira da revolução socialista mundial

Mais de 10 mil pessoas compareceram ao enterro de Nahuel Moreno para se despedir daquele que foi o mestre de gerações de militantes revolucionários nos 22 países onde a LIT tinha seções. Entre as dezenas de mensagens de condolências, uma mensagem, a de Ernest Mandel, o principal dirigente do Secretariado Unificado da IV Internacional, antigo companheiro e também adversário, explicava a trajetória e a importância de Moreno.

Mandel dizia: “O falecimento do camarada Hugo comoveu profundamente a todos nós. Com ele desaparece um dos últimos representantes do punhado de quadros dirigentes que, depois da Segunda Guerra, manteve a continuidade da luta de Leon Trotsky em condições difíceis, enquanto nosso movimento estava ainda muito isolado. Muito além das divergências que nos separavam, estávamos unidos por uma mesma resolução de manter essa continuidade a todo custo (…). A geração de Hugo, que é também a minha, não lutou em vão”.

Moreno foi, junto com Mandel, James Cannon, Joe Hansen, Pierre Frank, Michel Pablo, Lívio Maitán, Pierre Lambert, Gerry Healy, Bill Hunter e poucos mais, um dos que se dispuseram a seguir a obra de Trotsky. Enfrentaram uma situação muito adversa. A Segunda Guerra e a perseguição stalinista tinham exterminado grande parte dos quadros da IV Internacional, inclusive Trotsky.

Eles prosseguiram a obra de construção da IV durante o período em que o stalinismo se fortalecia relativamente com a vitória contra o nazi-fascismo e a aparição de novos estados operários burocratizados com a expropriação da burguesia em um terço da humanidade.

De todos esses quadros, podemos dizer que Moreno foi o que melhor passou a prova desta longa jornada. Em primeiro lugar, porque procurou, desde 1944, quando fundou o Grupo Operário Marxista (GOM) na Argentina, construir uma organização na classe operária, abandonando o trotskismo intelectual dos cafés. Esta lição ele procurou transmitir a todos os partidos que se aproximaram da corrente dirigida por ele, do Brasil à Espanha. Moreno também foi grande porque defendeu os princípios do trotskismo, do marxismo revolucionário do nosso tempo, contra adaptações e desvios.

Mas o mais importante aspecto de sua vida militante foi o internacionalismo. Em seu último livro, Moreno afirmava: ?”A maior parte de minha militância política esteve, e continua estando, dedicada ao partido mundial, à construção da Quarta Internacional”.?

O resultado desta longa militância, desta sua longa marcha, foi a Liga Internacional dos Trabalhadores. A LIT foi o produto, dentro do trotskismo, da corrente principista de Moreno, construída na classe operária e sempre no marco de uma organização internacional. Com avanços e retrocessos, erros e acertos, divisões e uniões, é a maior obra e o monumento vivo? a Moreno, como a chamou o jornalista e trotskista inglês Peter Fryer. Sem ela, certamente não existiriam a Convergência Socialista e nem o PSTU. Estudar a obra, a vida e os ensinamentos de Moreno é parte da formação marxista que necessitam centenas de jovens militantes que procuram no PSTU e na LIT uma alternativa revolucionária e socialista.

“Nos poucos minutos de conversa por entre as grades, ele procurou fortalecer o ânimo dos jovens militantes”

Conheci Nahuel Moreno em 1978, durante a ditadura. Estávamos presos no velho edifício do DOPS paulista, toda a direção da Convergência Socialista e alguns estrangeiros.

Moreno visitava o Brasil, durante uma conferência pública da Convergência com a presença de 1.200 pessoas, onde se discutiam o programa e os estatutos para a fundação de um partido socialista no país. Mas o governo Geisel não estava disposto a permitir semelhante ousadia. Fomos todos presos um dia após o evento.

As semanas que se seguiram foram de tensão. Milhares de estudantes se mobilizaram por nossa libertação. Foi desencadeada uma campanha internacional para que a ditadura brasileira não deportasse Moreno para a Argentina, onde certamente seria morto pelo regime militar daquele país. Além da Anistia Internacional, pediram por sua liberdade figuras como Gabriel García Márquez, Felipe González, Juan Lechín, da COB, e Mário Soares, primeiro-ministro de Portugal.

Nós, presos, nos somamos às mobilizações com uma greve de fome que durou 15 dias. Finalmente o governo Geisel cedeu e expulsou Moreno para a Colômbia, país onde estava exilado na época.

Depois de dias de isolamento e interrogatórios, nossos carcereiros permitiram que tivéssemos uma hora de sol a cada dois dias. Podíamos sair, cela por cela, em pequenos grupos, para um estreito pátio fechado por muros. Grades formavam o teto. As pequenas janelas das celas, também gradeadas, davam para esse pátio. Moreno, de braços dados com Rita Strassberg, sua companheira na época, caminhava a passos largos, indo e vindo.

Eu e alguns outros companheiros ainda não o conhecíamos porque sua estadia no Brasil era clandestina. Zezé, uma das fundadoras e, na época, a principal dirigente do partido, nos apresentou, ele no pátio e nós na cela. Foram poucos minutos de conversa por entre as grades, e ele procurou fortalecer o ânimo dos jovens militantes que enfrentavam pela primeira vez uma prisão. Ele mesmo já tinha passado por várias, no Peru, na Bolívia e na Argentina.

Desde 1973, Moreno já havia influído decisivamente na fundação da Liga Operária, o grupo que precedeu a CS, desempenhando um papel decisivo na formação de seus quadros e em sua política. Em sua visita de 1978, antes de ser preso, deu sua opinião de que a classe operária necessitava de um partido dos trabalhadores, que seria a organização política que mais corresponderia ao processo objetivo de surgimento de um novo sindicalismo no ABC. Propunha uma correção na orientação anterior da CS em favor da construção de um partido socialista. No ano seguinte, fomos os primeiros a lançar a proposta do PT.

Anos mais tarde, em 1982, eu e mais dois dirigentes da CS visitamos a Argentina. O país vivia os estertores do regime militar, Moreno tinha voltado do exílio, mas ainda vivia na clandestinidade em Buenos Aires. Aí se iniciou um período de anos de discussões com a direção brasileira sobre a crise e a posterior queda da ditadura no Brasil, a campanha das Diretas Já, o PT e muitos outros temas.

Em 1985, com a queda do governo militar, Moreno pôde voltar ao Brasil. Esteve em Belo Horizonte, como convidado do Congresso do SBPC, e visitou o Sindicato dos Metalúrgicos de Belo Horizonte e Contagem, que recentemente havia sido arrancado das mãos dos pelegos e era dirigido em maioria por militantes da Convergência.

Esteve também no Rio e em São Paulo. Procurou transmitir sua experiência nos sindicatos argentinos, onde militou desde 1944, para nós, militantes brasileiros que atuávamos nas oposições sindicais e começávamos a dirigir sindicatos no marco da construção da CUT. Sua obsessão pela democracia operária, a realização de assembléias regulares e a luta contra a burocratização nos influenciou decisivamente.

Em todas essas ocasiões, Moreno nunca posou de “grande homem”. Foi um companheiro atencioso, que preferia se alojar na casa de companheiros e não em hotéis, que se divertia comendo uma pizza e tomando cerveja com dirigentes trinta anos mais novos que ele. Procurava sempre ilustrar suas intervenções políticas com histórias práticas de sua incrível vida militante. Assim, foi o mestre de toda uma geração de quadros trotskistas.

(Bernardo Cerdeira)

Publicado originalmente no Opinião Socialista 144, de outubro de 2003

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