Ativistas apostam na auto-organização para avançar nas mobilizações

Na última quinta feira, dia 22 de junho, durante as manifestações na Avenida Paulista em São Paulo e no Rio de Janeiro, as colunas de militantes da esquerda foram atacadas por grupos de indescritível boçalidade que queimaram as faixas. As bandeiras vermelhas foram perseguidas com ferocidade fascista. Dezenas de militantes foram agredidos violentamente e, para evitar um confronto físico que poderia ter sido muito mais grave, em condições imensamente desfavoráveis, porque os agressores fascistas eram apoiados por uma parcela da manifestação que gritava “sem partido, sem partido”, a esquerda decidiu se retirar da manifestação.
As grandes manifestações que sacudiram o país não conquistaram apenas importantes vitórias.  Também começaram a produzir intensa politização e a fomentar novos tipos de organismos de luta e mobilização. Os exemplos mais concretos são as assembleias populares de Belo Horizonte e o Fórum de Lutas do Rio de Janeiro.  Há também iniciativas semelhantes em Fortaleza, Maceió e Campinas. Todas têm em comum uma crítica progressiva sobre as limitações estruturais do sistema de representação da democracia eleitoral burguesa, seus partidos corruptos e eleições viciadas que são bancadas pelo grande capital. Todos buscam construir, a partir da luta, outra esfera de representação e de unidade de ação, transformando a força política espontânea que vem das ruas em organização. 
 
Belo Horizonte
Na capital mineira, a Assembleia Popular Horizontal (APH) começou a se organizar durante a luta contra os gastos da Copa do Mundo. A primeira sessão ordinária da assembleia foi realizada no dia 19 de junho e reuniu cerca de mil pessoas, segundo Matheus Cheren, cientista social e integrante da Comissão de Comunicação da APH. Desde então, a assembleia já organizou cinco sessões ordinárias. Uma delas, organizou a grande manifestação que reuniu 100 mil pessoas nas ruas de Belo Horizonte, realizada no último dia 27. As reuniões e divulgação do que foi aprovado é realizada geralmente por uma página no Facebook.
“O foco nosso é a horizontalidade. Independente do seu vínculo ou não com partido, sindicato, ONG’s, todos tem o mesmo tempo de fala, todos podem participar”, explica Matheus.
Segundo Matheus, a assembleia possui 11 Grupos Referência temáticos que discutem desde saúde, transporte, educação até democratização da mídia.  Matheus ainda destaca que essa é melhor forma de integrar aqueles que, pela primeira vez em suas vidas, estão participando da vida política. Além disso, é um espaço para “unificar a esquerda, apesar das diferentes práticas e teses”, afirma.
As reuniões da assembleia eram geralmente realizadas embaixo de um viaduto, no centro da capital mineira. No entanto, com a ocupação da Câmara de Vereadores da cidade, o local começou a abrigar algumas sessões da assembleia (leia na p. 5). 
No fechamento desta edição, ainda estava indefinido o desfecho da ocupação. No entanto, Matheus explica que um dos objetivos é realizar assembleias por região, bairro e categoria. “O objetivo é ampliar vozes”, explica.
 
Fortaleza
Em Fortaleza, a primeira assembleia popular foi realizada em 23 de junho e reuniu 700 pessoas. Serviu para avaliar a primeira grande manifestação em Fortaleza ocorrida no dia 19 de junho, que levou 80 mil pessoas às ruas, quando do jogo Brasil e México no estádio do Castelão pela Copa das Confederações. De lá pra cá, foram realizadas mais duas assembleias que definiram as principais reivindicações do movimento, entre as quais podemos destacar a redução imediata da tarifa de ônibus, rumo ao passe livre; 10% do PIB para a educação pública, já; e em defesa da moradia popular: contra os despejos das comunidades do entorno da Arena Castelão. Com essas bandeiras, cerca de 20 mil pessoas foram às ruas novamente para protestar no dia 27 de junho. 
A próxima assembleia popular se realiza no 11 de julho, na Serrinha, bairro da periferia de Fortaleza, nas proximidades da Arena Castelão. Os moradores desta comunidade próxima ao estádio abriram as portas de suas casas para abrigar os manifestantes feridos no enfrentamento com a polícia durante a Copa das Confederações. O preço por essa ousadia seria pago horas depois. Tão logo a noite caiu, a polícia esteve no local invadindo casas, agredindo adolescentes e cometendo outros excessos. Em resposta, no dia 28 de junho, a comunidade realizou uma assembleia na Praça da Cruz Grande seguida de cortejo pelo bairro, tendo reunido, entre adultos e crianças, centenas de participantes.
 
Rio de Janeiro
No Rio de Janeiro, uma articulação semelhante ocorre pelo Fórum de Lutas Contra o Aumento da Passagem. A primeira reunião do Fórum foi no dia 25. Mais de três mil pessoas participaram de uma plenária em frente ao prédio do IFCS (Instituto de Filosofia e Ciências Sociais). O local foi sitiado durante a repressão da PM no ato do dia 20 de junho.  A grande qunatidade de participantes demonstra sua viabilidade de ser um espaço no qual se compartilha as análises e organiza as reivindicações dos mais diversos movimentos.
“O Fórum é um espaço de unidade de ação que tinha uma pauta específica. Nosso objetivo agora é torná-lo mais abrangente”, explica Julio Anselmo, diretor do DCE da UFRJ e membro da ANEL. Segundo ele, o desafio agora é fortalecer a organização do fórum, aprofundar sua democracia e ampliar suas pautas de reivindicação e de luta. “Queremos fortalecer o fórum como uma coordenação de lutas e aprofundar o debate democrático”, explica.  Assim como em Belo Horizonte, as reuniões são geralmente chamadas pelo Facebook.
 
A experiência argentina
Guardadas todas as proporções, a experiência inicial de organizar assembleias populares no Brasil já teve seu equivalente na Argentina, durante a rebelião de 2001 que derrubou o então presidente Fernando de la Rua.
Naquela época, o país vivia uma intensa crise devido aos inúmeros planos neoliberais que privatizaram estatais e os serviços públicos.  O governo ainda promoveu o chamado “curralito”, o confisco da poupança da população.
As Assembleias Populares surgiram centralmente na capital argentina e aglutinavam vizinhos em todos os bairros. Suas reuniões eram feitas nas esquinas e  praças. Nestas assembleias se discutia de  tudo. Algumas tomaram tarefas que têm a ver com a luta contra a impunidade, outras instalaram restaurantes e medidas de economia solidária, articulando com organizações dos trabalhadores desempregados. Também assumiram tarefas em defesa dos hospitais e mobilizações contra os aumentos das tarifas, contra os cortes de luz, pela recuperação das empresas privatizadas etc.
Ao mesmo tempo, se avançou na sua centralização com a Coordenação do Parque Centenario, um bairro de Buenos Aires. Era lá que se reunia semanalmente uma plenária geral e se discutia temas que apontavam uma saída para o país, como a nacionalização dos bancos, o controle do comércio exterior, a expropriação com controle operário e  o não pagamento da dívida.
 
 
*colaboração de Camila Chaves e Euclides de Agrela.

Post author Jeferson Choma, da Redação*
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