Assinatura do acordo entre o governo de MG e a Vale. Foto Gil Leonardi/Imprensa MG
PSTU-MG

Rafael de Ávila (Duda) e Ivan Targino, de Congonhas-MG

O capitalismo consegue transformar tudo em mercadoria num jogo em que os donos do poder adotam diversos mecanismos para multiplicar suas fortunas e se perpetuarem no comando da sociedade. O acordo firmado entre o Governo Zema (Novo) e a Vale S/A é uma prova categórica do caráter mesquinho, perverso e desumano desse sistema.

No dia último dia 4 de fevereiro, foi selado o acordo entre o Governo de Minas Gerais com a Vale, sob o argumento de uma suposta reparação dos prejuízos sociais, econômicos e ambientais decorrentes do crime cometido pela empresa, em 25 de janeiro de 2019, quando 272 operários (as) morreram após o estouro da barragem de rejeito em Brumadinho. Um fato que também deixou um rastro de destruição nas comunidades e no meio ambiente ao longo da Bacia do Rio Paraopeba.

Esse acordo, mediado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, prevê o valor de R$ 37,69 bilhões, dos quais 30% desse montante deverão ser destinados ao município e à população de Brumadinho. Segundo a própria empresa, o acordo também prevê programa de transferência de renda às comunidades atingidas, atenção a demandas específicas dessas comunidades, e investimentos no metrô de Belo Horizonte, construção de um rodoanel bem como outros investimentos em infraestrutura no estado, como no Hospital Regional de Juiz de Fora. Algumas dessa obras inclusive tem relevância logística para as atividades da própria Vale.

Como um “bom homem dos negócios”, Zema já busca capitalizar os supostos benefícios desse acordo pensando no cenário eleitoral de 2022, promovendo obras eleitoreiras que nada tem a ver com os interesses dos atingidos. Muito conveniente para quem tem um cofre no lugar de um coração.

Tudo isso foi discutido, negociado e definido deixando de lado as famílias e comunidades atingidas diretamente pelo crime da Vale. Aqueles (as) que ainda choram a perda de seus entes e a destruição causada pelo mar de lama que desceu o Rio Paraopeba foram tratados como meros espectadores em mais um capítulo de acordões e negociatas que entra para a história de nosso país.

A empresa, o Governo Zema, representantes do Judiciário e a grande mídia trataram de apresentar o acordo como sendo uma grande vitória para conjunto da sociedade mineira e para as comunidades atingidas, dada sua dimensão financeira. Um discurso hipócrita que esconde o real caráter desse jogo de cartas marcadas.

foto Agência Brasil

A pechincha da Vale mostra que o crime compensa para os poderosos

O valor da reparação até então pleiteado na justiça pelo Governo do Estado era superior a R$ 54 bilhões. Esse montante foi calculado pela Fundação João Pinheiro, órgão oficial de pesquisas e estatísticas do governo mineiro. Ou seja, a Vale conseguiu pechinchar e economizar bastante, frente ao que realmente devia ao povo mineiro. Ao que parece, o que foi mediado pelo TJ-MG não foi uma negociação, mas um verdadeiro leilão dos direitos e reivindicações dos (as) atingidos (as).

Além disso, esse acordo não implica em reconhecimento de culpa e responsabilidade administrativa ou criminal dos representantes da empresa ante ao crime cometido. Deste modo, a Vale executa o que faz de melhor: paga uma mixaria para se livrar dos problemas que ela mesmo, irresponsavelmente, criou.

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Dos termos propostos pela empresa ao governo, ficou também estabelecido que todos os processos futuros, se existirem, serão conexos com estes encerrados pelo acordo, impedindo a distribuição de novas ações. Neste caso, qualquer prejuízo futuro aos cofres públicos que possa acontecer em função do crime da empresa não poderia mais ser reclamado na justiça.

Por fim, é importante considerar os lucros gigantescos que a mineração vem tendo nesse último período. Só em 2020, no meio da pandemia, a Vale distribuiu para os seus acionistas e credores, de uma única vez, R$ 40 bilhões, um valor maior do que a empresa paga em reparação pelo crime gigantesco que cometeu.

Zema e Bolsonaro estão do lado do modelo dessa mineração que mata

Como os governantes anteriores que abaixaram a cabeça para a Samarco e Vale, no período em que ocorreram os crimes, Zema e Bolsonaro seguem demonstrando que não querem contrariar o poder das mineradoras. Prova disso é que garantiram as condições para que as grandes empresas do setor tomassem status de atividade essencial para manterem sua produção a todo vapor durante a pandemia, mesmo sendo evidente que as aglomerações operárias resultavam e continuam resultando na proliferação do vírus e da doença nas comunidades mineradas.

Soma-se todo o descaso pelas políticas ambientais por ambos os governos, principalmente pelo ministério chefiado por Ricardo Salles, passando a “boiada” na natureza e fazendo avançar a mineração em áreas de preservação.

Essa é a realidade de um país que caminha de forma cada vez mais acelerada, para se tornar uma colônia mundial agrícola e minerária, sofrendo uma profunda desindustrialização para satisfazer as necessidades do imperialismo e do capital financeiro. Neste cenário, o que fica para o povo trabalhador é a destruição do meio ambiente, a precarização do trabalho, a perda da soberania e o atraso tecnológico que nos leva a andar para trás na roda da história.

Lutar por justiça, mas também por outro modelo de mineração e sociedade

Por tudo isso, somos contra e denunciamos o caráter imoral e hipócrita do acordo recentemente firmado com a Vale com a benção da justiça burguesa. Somamo-nos à luta de todos os atingidos que tiveram suas vidas destruídas pelos crimes reincidentes da Vale. Achamos que é preciso fortalecer a luta por justiça e verdadeira reparação do que aconteceu em Brumadinho e Mariana. Vamos transformar a dor e o luto em ímpeto de transformação! Esse é o lema!

Essa luta, contudo, deve estar ligada a uma luta maior, que consiga parar esse modelo assassino e destrutivo de mineração em diversos pontos do país e da América Latina. É preciso parar essa mineração capitalista que se alimenta da exploração e da morte.

Precisamos colocar para fora Bolsonaro e Zema, exigir prisão dos administradores da Vale S/A e da Samarco que estiveram envolvidos com esses crimes e eleger uma nova administração, compostas por operários (as) da empresa e por representantes das comunidades atingidas, garantindo que a mineração seja colocada a serviço do interesse, das necessidades e da segurança de nosso povo trabalhador.

Em resumo, é preciso lutar pela reestatização da Vale e de todo sistema minero-siderúrgico brasileiro, sob o controle operário e das comunidades mineradas, garantindo soberania e desenvolvimento numa sociedade mais justa.

Essa luta passa pela construção de um amplo processo de mobilização nacional, articulada de forma unitária por todos os sindicatos operários, centrais sindicais, movimentos populares e de organização dos (as) atingidos, bem como de todas as instituições acadêmicas e jurídicas que estejam do lado das reivindicações dos movimentos em torno da reparação e mudança radical de todo esse cenário, como o MAB e as assessorias independentes que articulam a organização das comunidades devastadas.

Só assim, combinando essas lutas, poderemos ter uma saída real para o abismo para o qual caminham as cidades que enfrentam a ação predatória dessa mineração e o conjunto da humanidade que sofre com as mazelas do capitalismo. Brumadinho e Mariana, já mostraram: é socialismo ou barbárie.

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