Mandi Coelho, da Rebeldia, Juventude da Revolução Socialista

A Educação está sendo muito atacada na pandemia. Estão aproveitando para “passar a boiada” e institucionalizar o modelo ultra precário que é o EaD. Junto com isso está se debatendo o retorno às aulas presenciais. Esse retorno está efetivamente acontecendo em vários estados, principalmente na rede particular.

A desigualdade social na Educação aumentou muito na pandemia. Por exemplo, toda a discussão sobre prorrogar a data de provas como ENEM, ou os vestibulares, demonstrou isso. Claro que adiar a prova é uma medida emergencial para não tornar pior o que já está péssimo. Mas isso tampouco resolve a desigualdade na Educação. A existência da prova, a precariedade da Educação pública, e a situação econômica e social do país, é que são os fundamentos da desigualdade social na educação.

No caso do EaD, longe de ser um debate meramente sobre acesso à internet, o fato é que a pandemia escancarou que a desigualdade social que existe é muito profunda. A diferença de acesso à Educação entre os filhos dos ricos e os trabalhadores é abismal. Desde o acesso, porque para os filhos dos ricos existem as melhores escolas particulares, e a eles é dada a garantia de viver a sua infância e juventude. Enquanto para os trabalhadores o que existe é a rede pública caindo aos pedaços, e ainda com fechamento de escolas. Sem levar em conta as dificuldades de permanecer estudando, como as relativas ao transporte e necessidade de largar os estudos para trabalhar. E também a qualidade da educação, os ricos utilizam os mais renomados sistemas internacionais de ensino, enquanto para nós o que há é a escola sucateada em todos os níveis. Temos que lutar para ter acesso a material escolar, ter salários dignos para os professores e funcionários e tudo mais.

 O EaD é apresentado como uma solução viável, uma tendência que deve ser aprofundada no terreno da educação pós-pandemia. Vários institutos tem estudado o tema e o impacto da maior implementação do EaD, como é o caso da Fundação Lemann no Brasil. Essa é a fundação de Jorge Paulo Lemann, considerado ano passado a 2ª pessoa mais rica do país.

O problema é que este modelo estará a serviço de uma educação cada vez mais privada e de baixa qualidade, a serviço dos negócios capitalistas e não dos interesses do povo. Será uma instrução mínima precária para os alunos, combinando relações mais rebaixadas de trabalho para os professores. Uma coisa são as tecnologias novas, a internet, as plataformas digitais, tudo que pode ser incorporado para ajudar a educação. Outra coisa é que estão implementando isso a toque de caixa e não para melhorar a educação.

Em vários estados, o retorno às aulas inclusive está sendo chamado de “modelo híbrido”, uma combinação de aulas online com presenciais. A implementação desse modelo híbrido na volta às aulas é uma experiência para avaliarem possibilidades futuras de aprofundar o EaD.

Mas recentemente, o que tem sido o carro chefe dos governos e empresários é a defesa e a pressão para a volta às aulas. Há um fortíssimo lobby e pressão das redes educacionais privadas, que lucram bilhões vendendo um direito que deveria ser público e gratuito que é a Educação. Os governos atendem aos interesses dos grandes tubarões do ensino e já começam a preparar seus próprios planos estaduais para o retorno, mas de forma hipócrita dizem que estão preocupados com a vida da população, dos jovens, estudantes, e dos professores e funcionários.

Estão ignorando a relação entre a volta às aulas e a possibilidade de aumento das mortes. Por exemplo, de acordo com pesquisa feita nos estados, 40% dos docentes estão no grupo de risco, o que demonstra a catástrofe que pode ser o retorno às aulas com relação apenas à saúde dos professores.

Reabrir as escolas hoje faz parte da política genocida de Bolsonaro de voltar as cidades e estados à normalidade. É uma política macabra e fúnebre. Querem retomar a economia a todo custo, apesar do momento da pandemia que passa o país. Ou seja, reabrir as escolas é parte do plano de mandar os trabalhadores para o matadouro em nome de garantir que não haja um grande baque no bolso dos empresários. Isto que significa retomar a economia.

A situação é calamitosa. No EaD, os professores estão ultra sobrecarregados. O home office impõe muito mais horas de trabalho e num contexto totalmente desafiador. Assim é aprofundada a precarização do trabalho docente. Já os estudantes estão desistindo das aulas e, para muitos, é preferível reprovar em tudo em 2020 do que seguir no modelo de aulas online. Com certeza, os índices de evasão escolar devem aumentar muito também. Já diante da pressão da volta às aulas, são vários os pais que disseram que não vão autorizar os filhos a voltarem. Muitas escolas não tem estrutura para garantir o mínimo da higiene necessária para combater a Covid.

Já são mais de 10 estados onde o retorno da rede particular está sendo construído. Além das escolas, várias universidades privadas também estão com plano de retorno. A volta presencial das escolas da rede pública, apesar de não tão acelerada, também está acontecendo. Nesse caso, o destaque é para São Paulo e Manaus. Não sem debate, o retorno está sendo acompanhado de muita mobilização de alunos e professores. Em alguns lugares, como no Rio de Janeiro, os professores deflagraram greve contra a volta às aulas.

Em São Paulo, foi votada em duas instâncias na Câmara Municipal o PL 452, que regulamenta o retorno e também tem ataques embutidos. O projeto torna válido o modelo dos vouchers para a Educação. Isso significa o avanço da privatização na educação, pois o estado pagaria por matrículas de alunos nas redes privadas. Além disso, o projeto também aprova a contratação de professores de forma precária. Em Manaus, as aulas da rede particular estão vigentes desde início de julho, e na segunda quinzena de agosto aconteceu o retorno da rede pública. É a cidade com as aulas presenciais em sua forma mais avançada.

Apesar de tudo isso, nos pedem paciência e resiliência, como se a tempestade fosse passar e viesse um mar de rosas. Para defender tanto o EaD quanto a apressada volta às aulas, os governos dizem que estão preocupados com a saúde dos jovens, pois a pandemia estaria aumentando o sedentarismo e hábitos pouco saudáveis. Dizem que para as famílias e professores ter uma rotina de trabalho fora de casa é saudável. Argumentos para justificar o retorno e fingir que se importam com a nossa saúde, quando na verdade a maior forma de se importar com a saúde teria sido garantir uma quarentena de fato, para diminuir o contágio e preservar vidas.

Sobre saúde, eles ainda têm a cara de pau de falar que se importam com a saúde mental dos jovens. Em São Paulo, de acordo com pesquisa feita pelo Datafolha, 75% dos estudantes estão se sentindo ansiosos, irritados ou tristes no isolamento social. Essa pesquisa foi feita em parceria com a já citada Fundação Lemann e com o Itaú. Os resultados foram enviados para o governo Dória na época em que estava para anunciar como seria o plano de retomada das aulas. O problema não é o resultado da pesquisa, mas utilizarem isso como forma de pressão para o retorno às aulas. Como se algum dia tivessem se importado com a nossa saúde mental.

Também usam o falso argumento de estarem preocupados com o desenvolvimento e aprendizado dos estudantes. Ou ainda, preocupados com o índice de evasão escolar que a pandemia pode gerar. Esses são argumentos também do Banco Mundial, para demonstrar como a hipocrisia dos ricos e poderosos extrapola fronteiras nacionais. E tudo isso não passa de balela, pois a realidade da Educação antes da pandemia já era de escolas caindo aos pedaços, de precarização, corte de verbas, ataques aos trabalhadores da educação e fechamento de escolas. Ou seja, todos exemplos de coisas que tornam o ambiente educacional menos propício para o aprendizado e desenvolvimento, e não o contrário. E todas coisas que vão expulsando os alunos das escolas ao invés de consolidá-los e garantir que permaneçam estudando.

Além do aprofundamento do EaD, o que já se desenha como perspectiva é o corte de verbas na Educação. Em São Paulo,  João Dória quer aprovar um projeto de lei que só nesses 4 meses finais do ano retiraria mais de R$ 1 bilhão das universidades de São Paulo. Além disso, o governo Bolsonaro já anunciou que haverá um corte de mais de R$ 4 bilhões no orçamento do Ministério da Educação para 2021. Para se ter uma ideia, esse valor é próximo do total de recursos destinados ao programa Pró-Infância, entre 2011 e 2019, para construir creches.

A Educação sob o capitalismo

Os ricos e poderosos, para justificar o retorno à normalidade, fingem que se importam muito com a Educação. Mas neste país nunca teve educação de qualidade. Vivemos décadas de um capitalismo decadente, subordinado ao imperialismo que, com relação à Educação, não conseguiu resolver nem questões básicas. E todos os governos, todos os políticos e todos os partidos dos ricos foram coniventes com isso.

Por trás de todo o falatório e dos discursos dissimulados, só querem manter a engrenagem funcionando para formar mão de obra barata, uma mão de obra que possa ser superexplorada e que mantenha a economia girando, enquanto o bolso deles vai ficando mais recheado de dinheiro. Ou seja, o debate no âmbito da Educação sempre foi reduzido em como garantir que a maioria dos trabalhadores tenha algum letramento e compreensão básicos para desempenhar suas funções na sociedade capitalista.

A educação pública e universal foi uma dura conquista da luta dos povos contra a educação aristocrata. Foi uma conquista democrática importante. Ao passo que a burguesia virou classe dominante, cada vez mais reacionária e conservadora, transformou essa conquista democrática em uma educação que é sua imagem e semelhança, controlando-a para seus fins políticos, econômicos e sociais. Os ataques de Bolsonaro contra as universidades, as escolas e a ciência é a expressão disso, desses setores mais reacionários da burguesia.

Hoje, se destrói e se ataca até o direito democrático mais básico que é o acesso à Educação. A Educação está cada vez mais precária, mais privatizada a serviço dos lucros e está sempre colocada para atender as necessidades de formar uma mão de obra minimamente qualificada, para adequar o povo cada vez mais para a exploração, para manutenção da riqueza da burguesia.

As escolas e universidades cumprem um papel ideológico em favor dos ricos e poderosos. São escolas e universidades burguesas. A direção das escolas e as reitorias das universidades inclusive fazem parte da estrutura de poder da classe dominante e, portanto, atendem às necessidades deles.

O que Bolsonaro alardeia sobre a existência de um marxismo cultural nas universidades é apenas uma invenção deste setor da ultradireita para atacar e destruir uma conquista democrática elementar que é, por exemplo, a educação laica, a popularização da ciência etc.

A Educação durante a pandemia, portanto, torna uma catástrofe o que já era uma tragédia. Aprofunda a desigualdade social em todos os terrenos. E cada momento que nos debruçamos sobre algum problema escancarado com a pandemia, seja a falta de internet, seja a data do ENEM, seja a evasão escolar, percebemos que o problema é mais complexo do que parece. Que não há nada que resolva significativamente o problema da desigualdade social. Isso acontece não porque não há o que possamos fazer durante a pandemia, mas sim porque a Educação mesmo em tempos de normalidade já era desigual.

Precisamos lutar hoje para que o abismo não se aprofunde. E defender todo tipo de medida democrática para que os jovens trabalhadores e filhos de trabalhadores tenham condições menos desiguais de acesso à Educação, e tenham acesso a uma educação de mais qualidade. No entanto, precisamos lutar pela mudança de seu caráter. No capitalismo, a Educação nunca atendeu e nunca atenderá a necessidade de melhorar a nossa vida. Por exemplo, hoje a população está mais escolarizada, mas a perspectiva para as novas gerações é viver pior do que seus pais.

O problema da Educação só será efetivamente resolvido quando houver uma revolução nas escolas e universidades, ancorada numa revolução fora delas. Quando destruirmos o capitalismo através de uma revolução socialista, que colocará a maioria da população, nós, trabalhadores, governando e administrando todos os âmbitos da sociedade, de acordo com aquilo que nos interessa e que nos é necessário.

Esse é o único jeito de não só acabar com o analfabetismo, por exemplo, ou de criar certo senso crítico sobre as coisas. Mas de que a Educação seja um alicerce para que cada um possa desenvolver aquilo que há de melhor em suas capacidades. E que isso retorne para a sociedade de forma a contribuir com o avanço de toda a humanidade.