Sete meses lutando pelo direito à educação públicaNos últimos meses, o Chile tem vivido uma verdadeira efervescência social. Completando sete meses de intensa e ininterrupta mobilização, o movimento estudantil chileno tem protagonizado os maiores protestos do país desde a queda da sangrenta ditadura de Augusto Pinochet, sensibilizando o conjunto da população. Em busca da sonhada educação gratuita e de qualidade, os estudantes se enfrentam com uma dura repressão e constroem novos métodos de luta, com ousadia e muita criatividade.

Sem dúvida, o ascenso de lutas que tomou conta do Chile já é um grande exemplo para a juventude brasileira. Inspirados no levante revolucionário da juventude do mundo árabe e nos indignados da Europa, uma nova geração se jogou com tudo na defesa da educação chilena, e alguns até morreram neste campo de batalha. Enfrentando balas de borracha, gás lacrimogênio, um governo intransigente e a traição de suas direções, os estudantes, ombro a ombro com os trabalhadores chilenos, se mantém firmes na luta.

Pioneirismo neoliberal
O Chile é um dos únicos países da América Latina que manteve a mesma Constituição desde a época da ditadura, e foi um dos primeiros a se incorporar na cartilha neoliberal introduzida na década de 1990 pela América Latina. Por conta disso, possui um sistema educacional muito rígido e voltado quase integralmente aos interesses do mercado, completamente privatizado.

Atualmente, do orçamento total que financia a educação, o governo investe apenas 16%, sendo mais de 80% proveniente da renda de milhões de famílias chilenas, através do pagamento direto de taxas de matrícula ou por créditos e bolsas. Isso implica, inevitavelmente, que haja uma grande desigualdade no acesso à educação. A cada 100 estudantes matriculados no ensino superior, 68 possuem renda per capita de mais de R$ 800, enquanto apenas 23 possuem renda de R$ 180. Pelo enorme endividamento que as famílias ficam submetidas, apenas 60% conseguem terminar os estudos.

O atual governo de Sebastian Piñera, eleito em janeiro de 2010, tem sido agente fundamental do aprofundamento desta lamentável situação da educação do país. Em 2009, ainda no governo de Bachelet (do Partido Socialista) foi aprovada a Lei General de Educación, implementada por Piñera. Este projeto aprofundou ainda mais a privatização, já que impôs uma meta de 80% para a educação subvencionada, ou seja, instituições particulares que cobram taxas e recebem incentivos do governo federal. Cerca de 3% do PIB apenas é investido em educação, e sequer são direcionados para o ensino público; os movimentos sociais defendem que ao menos 7% sejam investidos.

Governo acuado
Todos os protestos deixaram o governo Piñera em xeque, numa grande instabilidade. Chegou a índices abaixo de 20% de aprovação, quando a grande maioria da população chilena prestava sua solidariedade à luta dos estudantes. Além dos familiares, diversas categorias de trabalhadores deram seu apoio ativo, como professores, servidores da saúde, trabalhadores de transportes e, inclusive, mineiros, que realizaram diversas paralisações, deixando a burguesia chilena de cabelo em pé. A extração de cobre é o setor mais lucrativo no país (a educação é o terceiro!). Para se ter uma ideia, um dia de paralisação da Codelco (empresa estatal de Cobre) dá cerca de 40 milhões de dólares de prejuízo.

A força da mobilização tem feito avançar a largos passos a organização dos estudantes. Diversos colégios e universidades foram ocupados, e em cada ocupação, há comissões de divulgação, alimentação, limpeza, mobilização, cultura, numa auto-organização impecável. Em cada universidade e escola, há sua federação estudantil de representação que se articula em nível nacional entre os universitários pela CONFECH (Confederación Nacional de Estudiantes de Chile) e entre os secundaristas pela CONES (Coordinadora Nacional de Estudiantes Secundários).

Contradições
Com o acirramento das lutas, as contradições começaram a ficar mais evidentes. A principal entidade que convoca e organiza as mobilizações atualmente é a CONFECH, que reúne diversas federações das principais universidades do Chile, como se fosse uma federação de DCEs. Entidade de tradição na histórica luta estudantil chilena, atualmente a CONFECH é dirigida pelo Partido Comunista do Chile, que por sua trajetória na entidade já deixou marcas profundas de burocratização e traição às bases estudantis.

Após a queda da ditadura de Pinochet, o Chile foi governado, por 16 anos seguidos, pela Concertacion, (aliança entre o Partido Socialista com a Democracia Cristã). Ao longo desses anos, o governo chileno aprofundou a aplicação de medidas neoliberais e nada fez pra mudar significativamente o país. A situação da educação é uma prova disso. Havia, ao longo desses anos, um grande pacto de omissão do Partido Comunista em fazer críticas mais duras e uma forte oposição junto aos movimentos sociais, porque foram base de sustentação do governo de Bachelet. Priorizaram, portanto, as alianças parlamentares e em diversos momentos traíram a luta. Em 2009, já estavam à frente da CONFECH e o mais duro ataque à educação dos últimos anos foi votado, a Lei General de Educación. A entidade não convocou sequer uma mobilização, chegando a confundir as organizações estudantis secundaristas sobre a data da votação.

Desde que o governo Piñera foi eleito, considerado de direita tradicional, a entidade foi empurrada com força pelas bases estudantis a convocar mobilizações. No dia 28 de abril, o primeiro grande “paro nacional”. A partir daí, foram dezenas de mobilizações que reuniam mais de 100 mil, chegando, em agosto, a colocar 1 milhão nas ruas, depois de gerar uma enorme comoção social.

A direção da CONFECH, personificada em Camila Vallejo, fez de tudo para deixar as ruas e levar a luta aos gabinetes do governo. As propostas, porém, não chegavam perto de solucionar as demandas. Os estudantes reivindicavam uma Assembleia Constituinte, o fim da cobrança de taxas, um plebiscito oficial sobre a educação gratuita para que a população pudesse decidir. Do governo, só vinha ampliação do crédito, do investimento indireto, conselhos de reitores para elaborar propostas; passavam longe das demandas estudantis.

Em uma série de entrevistas, como uma feita à Globo News, Camila deixou claro que não é contra a privatização, que estava disposta a entrar num acordo que deixasse de lado a principal bandeira da luta chilena, concordando que as universidades não sejam 100% gratuitas e que possa haver alguma cobrança de taxas. Em diversos momentos, desmarcaram grandes atos, mudaram datas e locais, tentaram burlar encaminhamentos das assembleias estudantis.

Essa postura burocrática na condução da entidade tem provocado desgastes na base da CONFECH, que tem atropelado muitas vezes sua direção para seguir fortalecendo as mobilizações.

Desafios
Os desafios seguem sendo enormes, e a força da luta estudantil só tem crescido. Os estudantes já perderam o ano letivo e isso não parece desanimar os protestos. A FRIC (Fuerza Revolucionaria Izquierda Comunista), seção chilena da LIT-QI, tem participado das mobilizações dos estudantes e mineiros do cobre. Estamos unidos com diversas organizações de esquerda, reivindicando a educação gratuita e de qualidade. Defendemos que a riqueza produzida no país, como nas diversas minas de cobre, seja revertida para a educação pública. Questionando o papel das direções traidoras, a juventude e os trabalhadores da FRIC se colocam a serviço da construção de um movimento estudantil aliado aos trabalhadores chilenos, construído com democracia, vinculado à base, com ousadia e disposto a lutar até o fim pela vitória.
Post author clara saraiva, da Secretaria Nacional de Juventude do PSTU
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