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Redação

Inicialmente, “A Ditadura Revolucionária do Proletariado“, obra de Nahuel Moreno, publicada pela primeira vez na Colômbia em 1979, teve como objetivo polemizar com uma resolução escrita por Ernest Mandel para o XI Congresso do Secretariado Unificado da IV Internacional. Esse documento de Mandel, conhecido como Democracia Socialista e Ditadura do Proletariado, fazia concessões programáticas e de princípios aos partidos comunistas europeus que rompiam com Moscou, movimento que ficaria conhecido como eurocomunismo. Porém, A Ditadura revolucionária do Proletariado, tanto pelos temas que aborda, como pela metodologia utilizada, transcende o objetivo inicial do debate e revela-se de uma profunda atualidade.

A atualidade do socialismo e a teoria da transição
Um dos temas centrais da obra de Moreno é a atualização da teoria da transição ao socialismo. Depois da derrocada da URSS, houve um profundo questionamento ao marxismo, desde os que passaram de malas e bagagens para o regime democrático burguês, como os que negaram que a luta pelo socialismo passa pela necessidade da conquista do poder do Estado. Mas nenhuma das correntes que negam a perspectiva socialista entra a fundo no debate sobre o tema da transição.

Moreno, ao polemizar com Mandel sobre o caráter do novo Estado, explica como o marxismo revolucionário foi desenvolvendo uma teoria da transição ao socialismo a partir dos grandes acontecimentos da luta de classes. Segundo ele, o fato da revolução socialista vencer num país somente inicia uma primeira fase, mas a tarefa fundamental é a luta pela derrota do imperialismo.

Partindo de Marx, Moreno demonstrou, por meio da experiência da Revolução Russa (1917), que há uma primeira etapa a ser vencida antes da implementação do socialismo, que é a da luta implacável desse novo Estado contra o imperialismo.

Segundo Moreno, a mobilização das massas para derrotar o imperialismo em escala mundial é a tarefa fundamental de um Estado operário. Essa tarefa subordina todas outras, como a planificação da economia, o desenvolvimento das forças produtivas, a plena democracia soviética, etc.

Os programas para o período de transição
Moreno distingue três programas que historicamente se apresentaram para enfrentar o período de transição. Com variações de argumentos e de formas, há uma profunda atualidade nesta classificação. Inicialmente, o que ele chamou de “burocrático reformista”, que, em nome de preservar as conquistas nacionais, ignorou a necessidade de destruir o imperialismo. Esta política da burocracia, diz Moreno, acabou levando aos acordos com o imperialismo e à derrota de toda e qualquer transição ao socialismo. Por outro lado, temos os que defendem a aplicação do programa máximo, ou seja, a realização imediata das tarefas de transição ao socialismo antes que a ameaça imperialista seja aniquilada. Apesar da crítica correta à opressão ditatorial e burocrática, vêem somente as necessidades da liberdade política, não estabelecendo uma relação entre elas e a realidade concreta.

Para Moreno, o correto é o terceiro programa fundamentado na obra de Trotsky. Somente ela, sobretudo o Programa de transição e a Revolução permanente, consegue harmonizar as tarefas aparentemente contraditórias. E esse movimento deverá se expressar em todos os terrenos da vida: da manutenção do exército regular para a defesa do país, com as milícias populares e o armamento do povo, à necessidade de funcionários especializados no aparato do Estado, com a diminuição da jornada para que a classe se ocupe das tarefas de administração estatal. A essência desta etapa é, portanto, uma profunda relação entre o imediato e o histórico, entre o programa e a realidade sobre a qual ocorrem as revoluções: “Em toda esta primeira etapa, a combinação dessas atividades tendências, leis (…) estará determinada pelas necessidades revolucionárias e pelo grau de desenvolvimento das forças produtivas, pelo peso da classe operária, pelo avanço da economia de transição e, principalmente, pelas relações entre a contra-revolução imperialista e a revolução socialista mundial”. (p. 279). “Que as massas se mobilizem e nessa mobilização, façam o que democraticamente decidirem. Esta é a nossa norma fundamental”, escreve Moreno.

O movimento operário neste último século esteve sempre polarizado pelas definições de ordem tática que, em última instância, obedeceram a distintas opções estratégicas: da militância revolucionária nos sindicatos, ao sindicalismo ou à negação da atuação nos sindicatos; o mesmo em relação ao parlamento burguês, desde a adaptação ao parlamento até a negação da participação nas eleições; da guerrilha como um método à ela como única forma de luta.
A tradição bolchevique não fez fetiche de nenhuma forma de luta. O grande desafio dos revolucionários é saber como exercer a atuação do programa estratégico na militância cotidiana. Nesse sentido, Ditadura Revolucionária do Proletariado é um exemplo de como a realidade concreta nunca modifica os princípios fundamentais da estratégia.

Assim, a tarefa de construção do novo não tem nenhum fetiche organizativo e de forma, mas responde a um conteúdo fundamental: o de ser uma ação consciente das massas em luta. Por isso, a mobilização permanente toma distintas formas institucionais, que, por sua vez, correspondem ao período da luta entre as classes, desde a organização sindical nos dias de hoje até o Estado proletário amanhã.
Mas, se as instituições de classe são a forma que a mobilização permanente adquire, a estratégia concentrada no programa toma a forma dos partidos nacionais e da Internacional, sem a qual as energias da luta se dissipam, seja antes ou depois da tomada do poder.

Porém, falta um terceiro elemento, que diz muito sobre o caráter de uma direção que está à frente das instituições da classe operária. A luta pelo poder deve ser uma ação consciente e a única forma pela qual essa ação consciente pode se expressar é a democracia operária: “Apesar de que temos que aplicar normas programáticas, a lei absoluta é a da luta de classes. Estamos a favor de que as massas revolucionárias façam o que quiserem, que tomem as iniciativas que lhes pareçam adequadas. Este é o principio absoluto de toda nossa ação política. Que as massas se mobilizem e nessa mobilização, façam o que democraticamente decidirem. Esta é a nossa norma fundamental”.

De nossa parte, nos resta acrescentar que os princípios que norteiam a nossa luta pelo socialismo devem ser exercidos no dia-a-dia. Mudam a intensidade e a forma, mas não o seu conteúdo: a mobilização permanente, a democracia operária e a construção da Internacional.