Jornadas de Junho abre uma nova situação política no país

Mesmo depois de passados meses do impasse que inviabilizou a constituição de uma Frente de Esquerda que envolvesse PSTU e PSOL em nível nacional, este debate vez ou outra reaparece. Nas últimas semanas, ele surgiu na esteira da crise que viveu o PSOL e da troca de sua candidatura à presidência da república, com a saída do senador Randolfe Rodrigues e a entrada da ex-deputada Luciana Genro.

Luciana Genro, mais de uma vez, deu a entender que, ainda que fosse certo o PSTU não aceitar ser vice de Randolfe, não haveria razão para não aceitar ser vice na chapa encabeçada por ela. Por outro lado, alguns militantes do PSOL apontam uma pretensa incoerência pela não realização da frente em nível nacional quando ela pôde constituir-se em alguns estados.

A companheira Luciana e muitos militantes do PSOL parecem partir do pressuposto de que quando ela, representando um setor à esquerda dentro do partido, assume a candidatura à presidência deixam de existir as diferenças de programa com o PSTU. Eu respeito muito a companheira Luciana e estes militantes que raciocinam desta forma, mas tenho uma opinião muito diferente sobre essa questão e trato de esclarecê-la a seguir.

O PSTU participa das eleições não por acreditar que por esta via vamos mudar o país e garantir vida digna para os trabalhadores. Como sabemos, as eleições em nosso país são completamente controladas pelo poder econômico (através do financiamento dos partidos, das campanhas e candidaturas; através do controle da mídia, etc). Participamos delas porque consideramos importante disputar politicamente a consciência dos trabalhadores e da juventude de nosso país, apresentando uma alternativa de classe, operária e socialista para o Brasil, que seja um contraponto ao mesmo tempo aos projetos defendidos pela direita tradicional e seus candidatos, como também ao projeto de PT e seus aliados.

Nosso objetivo fundamental aí é ganhar o maior número possível de trabalhadores e jovens para a luta em defesa deste projeto operário e socialista, e avançar na construção da direção política para esta luta em nosso país. É este o conteúdo que vamos dar à disputa que faremos pelo voto (e vamos fazer uma disputa dura por cada voto) dos trabalhadores e jovens. Quanto mais votos obtivermos, mais fortalecida estará a luta por este projeto. Se elegermos parlamentares comprometidos com este projeto, melhor ainda. Mas o nosso objetivo fundamental aqui é claro: disputar a consciência dos trabalhadores e jovens para um projeto operário e socialista para o país e fortalecer a direção política desta luta.

E que projeto de classe, operário e socialista é este? Muito simples. Trata-se de um programa que seja capaz de responder às necessidades da nossa classe e da juventude brasileira; de um governo que seja capaz de aplicar este programa; e de como será possível tornar isso realidade, já que sabemos que pelas eleições não é.

O programa que o PSTU vai apresentar nas eleições parte de responder às demandas das manifestações de rua de junho passado e das centenas de greves que sacodem o país nos dias de hoje, pois expressam as necessidades fundamentais da nossa classe: salário digno, emprego e direitos para todos; saúde e educação pública e de qualidade para todos; moradia digna; transporte coletivo de qualidade e acessível a todos; reforma agrária; aposentadoria; enfim, vida digna a quem trabalha.

Para tanto, este programa precisa atacar o domínio e controle que os bancos, as grandes empresas e as multinacionais têm sobre o nosso país. Vamos defender a suspensão imediata do pagamento da dívida externa e interna, a estatização dos bancos e do sistema financeiro; o fim das privatizações e a re-estatização dos bens e empresas privatizadas (hoje, todas nas mãos de multinacionais, como o setor de telecomunicações, de energia, setor siderúrgico, mineração, aeronáutico, transporte ferroviário; estradas; portos; aeroportos, etc); anular os leilões das reservas do Pré-Sal e as privatizações feitas na área do petróleo e da Petrobrás; estatizar todo o setor de transportes; nacionalizar as terras que estão sob controle do Agronegócio e do latifúndio e colocá-las a serviço da produção de alimentos para a população; atacar os privilégios e o lucro das grandes empresas para reduzir a jornada de trabalho e ampliar os direitos dos trabalhadores, e estatizar todas as empresas que promoverem demissões; acabar com a repressão policial aos trabalhadores e jovens e com a criminalização das lutas e da pobreza, desmilitarizar a PM e assegurar o controle da polícia pela comunidade; atacar fortemente toda forma de discriminação e opressão, o machismo, o racismo e a homofobia; atender demandas democráticas históricas das mulheres como a legalização do aborto, e da juventude, como a legalização da maconha e descriminalização das drogas; livrar o país da corrupção, colocando na cadeia e confiscando os bens de corruptos e corruptores; e um longo et cetera.

Este programa, como se pode ver, tem bandeiras democráticas e econômicas importantes. Mas não se limita à defesa da radicalização da democracia, de reformas ou do desenvolvimento econômico nos marcos do capitalismo. É um programa anticapitalista, que aponta para a superação deste sistema.

Por isso mesmo, requer para a sua aplicação um governo dos trabalhadores, sem patrões, que rompa com os bancos, as multinacionais e grandes empresas e mude o país, acabando com os privilégios destes setores e assegurando vida digna para quem trabalha, apontando para a construção de uma sociedade socialista. Aqui se configura um caráter de classe para este projeto.

Obviamente, um governo assim e que promova mudanças desta natureza não vai se constituir através de eleições controladas pelos banqueiros, grandes empresários e multinacionais. Por isso, dizemos que este governo dos trabalhadores, sem patrões, só poderá se constituir e só conseguirá governar e realizar o programa acima apoiado nas organizações e nas lutas dos trabalhadores, do povo pobre e da juventude.

Este é, resumidamente, o projeto que o PSTU vai apresentar nas eleições. Nas discussões que tivemos com a direção do PSOL, os companheiros nos esclareceram que o seu partido defendia um programa que apontasse para a radicalização da democracia em que vivemos, evitando a defesa de medidas mais radicais que poderia não dialogar com o nível de consciência médio da população, pois isso dificultaria a disputa dos votos.

O PSTU, como eu disse antes, quer e vai disputar os votos dos trabalhadores e da juventude. Mas não vai deixar de defender o seu programa para isso, nem de dizer a verdade aos trabalhadores sobre o que é necessário – e como -mudar no país para que todos tenham vida digna. Precisamos e queremos ganhar os trabalhadores para a luta pela transformação deste país, e não simplesmente ganhar o voto deles a qualquer custo. E isso não é simplesmente um capricho nosso. Se os trabalhadores e a juventude brasileira não abraçarem a luta por este projeto, não haverá revolução e, sem ela, não haverá mudança de verdade no país. Simples assim.

Este debate, sobre a necessidade de rebaixar programa para ganhar votos, nós já vivemos na história recente da esquerda brasileira. Foi dentro do PT, no início da sua existência. Sabemos como terminou esta história e não queremos repeti-la.

Em 2006, quando os parlamentares que fundaram o PSOL recém haviam rompido com o PT e lançaram a candidatura da Senadora Heloisa Helena como expressão da negação da conciliação de classes representada pelo PT, e que empalmou com o sentimento de esperança por uma alternativa em setores amplos dos trabalhadores e jovens, o PSTU decidiu fazer a Frente de Esquerda e somar-se àquele processo que era importante, mesmo com todas as limitações e dificuldades para construirmos um programa em comum que já ali se vislumbrava.

Hoje, temos um quadro muito diferente. O senador Randolfe Rodrigues retirou sua candidatura à presidência para impulsionar, no Amapá, uma frente eleitoral com o PSB e o PT, num completo abandono do critério da independência de classe! Ao que consta, Randolfe é a principal expressão política da direção do PSOL e, de mais a mais, não se sabe de qualquer decisão do partido contrária ao que foi feito lá.

Entendemos que isso seja normal para o PSOL, pois, mesmo sendo parte da esquerda socialista brasileira e oposição de esquerda ao governo do PT, não se propõe a ser um partido revolucionário, portanto não adota, como sua estratégia, a revolução, ou seja, uma transformação completa da estrutura econômica, social e política do país. E compreendemos o porquê do acordo feito pela companheira Luciana com a direção do PSOL (logo após o congresso deste partido), que deu a ela a vaga de vice de Randolfe. Apesar das diferenças que existem entre eles, são parte do mesmo partido e, portanto, comungam da mesma estratégia.

No entanto, o PSTU é outro partido, tem outro projeto para o país e sua candidatura presidencial está a serviço de levar este projeto para os trabalhadores, trabalhadoras e jovens do Brasil. Para nós –e acreditamos que também para toda a militância socialista que defende, de fato, uma revolução socialista no Brasil – aproveitar a disputa eleitoral em curso para ganhar para este projeto uma parcela da nossa classe é fortalecer nossa luta por uma revolução no país. Nós acreditamos que rebaixar nosso programa, deixar de dizer com clareza para os trabalhadores as mudanças que precisamos fazer no país e como podemos fazê-las, abrir mão da independência de classe, ainda que nos leve a ganhar mais votos, vai nos distanciar cada vez mais do nosso objetivo. Essa é a diferença e, como se vê, não se trata simplesmente de quem é vice de quem. Por isso não houve Frente Eleitoral nacional.

Nos diversos estados do país, o processo se desenvolveu de forma desigual e combinada. Onde se conseguiu chegar a um termo aceitável no programa e demais condições para uma frente estadual, ela se constituiu e está sendo apresentada uma alternativa unitária às candidaturas burguesas tradicionais e também ao PT e seus aliados naquele estado. No entanto, em todo o país, com frente eleitoral ou candidatura própria nos estados, toda a militância do PSTU estará trabalhando duro para disputar a consciência dos trabalhadores e da juventude brasileira em defesa deste projeto de classe, operário e socialista para o Brasil. E é a serviço dele que estará a nossa candidatura, minha e da companheira Claudia Durans, à presidência e vice presidência da república.

As jornadas de junho do ano passado abriram uma nova situação política no país, mais favorável ao avanço da luta e da organização dos trabalhadores e da juventude. Enxergar nisto apenas o potencial eleitoral que pode favorecer a esquerda nas eleições seria de um oportunismo sem perdão. A esquerda socialista brasileira tem a obrigação de apresentar, na disputa eleitoral, uma alternativa de classe e socialista, e de lutar para ganhar para esta alternativa todos os trabalhadores e jovens que puder. Ganhar sim os seus votos, mas principalmente, ganhá-los para a luta em defesa deste projeto. Apenas desta forma vamos aproveitar de forma conseqüente as melhores condições que a realidade política nos brinda para avançarmos no sentido da nossa estratégia que é a transformação socialista do país onde vivemos.

É para dar conta deste desafio que convidamos a somar conosco toda a militância que está na luta da classe trabalhadora e da juventude brasileira.

*Zé Maria é metalúrgico, membro licenciado da Coordenação Nacional da CSP-Conlutas e candidato a Presidente da República pelo PSTU

 

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