O mês de março foi palco de mais um espetáculo oferecido pelas bolsas de valores de todo o mundo: assistimos a saltos olímpicos e escaladas de montanhas, variações repentinas de um dia para outro ou no mesmo diaEm 23 de março, o índice da bolsa de Nova Iorque (Índice Dow Jones) variou 40 vezes entre valores positivos e negativos. A bolsa de São Paulo (Bovespa) teve uma queda de 12% em 21 de janeiro, subiu 7,4% em 28 de fevereiro e caiu 3,6% em 19 de março. O resultado é uma perda de 4,15% no ano e de 3,55% apenas em março.

A instabilidade das bolsas é uma marca da atual crise, que iniciou com o estouro da bolha imobiliária em 2007 e atinge um novo patamar com estas “águas de março”, a ponto de um economista do banco Merrill Lynch, David Rosenberg, afirmar: “a recessão poderá ser profunda, diferentemente dos dois episódios recessivos anteriores, ocorridos no início dos anos 1990 e em 2001, que foram curtos e superficiais”.

A primeira vítima
No dia 15 de março, o banco central norte-americano (Fed) anunciou uma ajuda de crédito ao banco de investimentos Bear Stearns, um dos maiores do país, para evitar sua falência.

As ações do banco despencaram 47% e, algumas horas após o anúncio, outro banco, o Lehman Brothers, viu suas ações caírem 15% ao declarar dificuldades financeiras. A causa dos prejuízos foram os empréstimos de risco para o financiamento de casas, com altas taxas de juros. Com a abertura da crise, os preços das casas desabaram e os proprietários preferiram devolvê-las para não pagar os empréstimos.

Mesmo com estes fatos, o presidente Bush apressou-se em dizer que “os eventos de hoje movem-se rapidamente, mas o presidente do Fed e o secretário do Tesouro estão no controle e tomarão as medidas apropriadas para promover a estabilidade de nossos mercados”.
As medidas apropriadas foram um empréstimo de US$ 30 bilhões ao Bear Stearns e a abertura de uma linha de crédito ilimitada aos demais bancos de investimentos. Um escândalo que deixa o Proer de FHC “no chinelo”. Afinal, na economia mais liberal do planeta, onde a burguesia exige que o Estado não se intrometa em seus negócios, foi necessário o desvio de bilhões do orçamento público para salvar os negócios de maus negociantes.

Durante o período de ouro do financiamento de casas, entre 2003 e 2006, as ações do Bear Stearns chegaram a valer US$ 171. No dia 14 de março, recuaram para US$ 30, e o banco JPMorgan, demonstrando toda sua solidariedade de classe, ofereceu o valor de US$ 2 por ação, totalizando US$ 236 milhões, para comprar o Bear Stearns, uma pechincha.

Quem perde no mercado financeiro
A concorrência entre capitalistas é o que move a economia, dizem os livros escolares. Neste processo, alguns ganham e outros perdem e é natural que isso aconteça, repetem os livros. Porém é o grande capital que sempre sai ganhando, como demonstra a oferta do JPMorgan, num movimento contínuo de concentração de capital.

Alguns milionários também perdem parte de sua fortuna, como Joseph Lewis, um especulador das Bahamas, que comprou US$ 1 bilhão em ações ao preço de US$ 100 no último ano e agora vê seu valor reduzido a US$ 2. A estes, nenhuma solidariedade. Mas outros perdem todas suas economias, como os empregados do próprio banco que, levados a acreditar na solidez dos negócios de seu patrão, eram proprietários de mais de 30% de suas ações. Além disso, a maioria dos 14 mil funcionários perderá seu emprego se o negócio com o JPMorgan for concretizado.

Além deles, outros serão demitidos para que os patrões possam manter seus lucros. O Citigroup anunciou um corte de 10% dos funcionários de seu banco de investimentos, ou 6 mil pessoas, e o Lehman Brothers de 1.400 pessoas. Outra grande instituição financeira, o Goldman Sachs, projeta um corte de 5% dos empregos, mas já se fala em 20%, resultando um total de 6.400 trabalhadores demitidos.

Quem perde fora dele
O mercado automobilístico, que tem sido o carro-chefe do crescimento econômico nas últimas décadas, também foi embalado pelo dinheiro fácil do crédito. Porém, após anos seguidos de aumento de produção, as previsões são de que a produção de 2008 pode voltar aos números de 1995, por volta de 15 milhões de veículos.

A conseqüência disso é o aprofundamento da reestruturação produtiva das principais montadoras dos EUA – GM, Ford e Chrysler – com o fechamento de fábricas e a demissão de trabalhadores da produção, os chamados colarinhos azuis. O principal alvo são os operários sindicalizados, que têm salário maior e mais direitos, para quem estão sendo oferecidos planos de demissão voluntária (PDV). Só na GM, são mais de 70 mil sindicalizados.

A execução de tais planos de cortes de empregos e direitos só é possível quando os dirigentes sindicais fazem negociações pelas costas dos trabalhadores e traem seus interesses. Nos EUA, o acordo coletivo assinado pelos dirigentes pelegos do UAW (Union of Automobile Workers) previa o fechamento de fábricas e o corte de vagas. Para isso, foi preciso derrotar as greves dos trabalhadores da GM e da Chrysler em 2007.

No dia 4 de abril, será anunciado o índice de desemprego de março nos Estados Unidos. Estima-se a perda de 75 mil empregos, mas este número pode chegar a 100 mil. Se depender dos capitalistas, o peso desta crise recairá novamente sobre as costas dos trabalhadores.

Crise de crédito ou crise de superprodução?
A grande maioria dos economistas burgueses afirma que a crise atual é uma crise de crédito. Isto é, de falta de dinheiro nas mãos dos bancos. O ex-secretário do Tesouro no governo de Bill Clinton, por exemplo, afirmou que “o fornecimento emergencial de empréstimos é necessário, mas não suficiente. Há uma questão fundamental, que é que o sistema financeiro está curto de capital e sob pressão para emprestar”.

Bastaria, portanto, resolver o problema da inflação devido à maior oferta de crédito por parte do Estado, reduzir os juros para estimular o consumo e devolver a “confiança” ao mercado, para que os negócios possam continuar tranquilamente.

No entanto, a própria crise no mercado imobiliário demonstrou que esta visão é completamente falsa. Nunca houve tanto crédito barato para estimular a compra de casas, o que causou um crescimento impressionante da construção civil, movendo trilhões de dólares no período de boom. O resultado foi a superprodução de casas sem uma quantidade equivalente de compradores, a paralisação do setor e a conseqüente demissão de milhares de operários da construção.

Atualmente, a especulação financeira, que se traduz nos negócios das bolsas de valores de todo o mundo produz uma deformação nunca vista da economia capitalista. Existe dinheiro demais no mercado, concentrado nas mãos do grande capital financeiro, que controla empresas, bancos e comércio. Nem sempre é possível investir tal capital na produção, pois as mercadorias já não encontram saída, devido à quantidade imensa em que são produzidas.

Como o capital-dinheiro não pode ficar parado, pois assim não rende lucro, é transformado em capital de crédito e emprestado aos trabalhadores para que possam consumir as mercadorias produzidas por eles próprios, mas que não poderiam comprar à vista. Isto acontece porque a riqueza produzida é baseada na superexploração dos trabalhadores e não nas operações das bolsas. Esta situação cria bolsões de consumo, que são uma minoria da população mundial, incapazes de absorver tudo o que é produzido.

Na Inglaterra, por exemplo, as dívidas pessoais correspondem à soma de US$ 2,8 trilhões, mais que o Produto Interno Bruto (PIB) do país. A dívida da população norte-americana é de US$ 13,8 trilhões, um pouco menos que o PIB de US$ 14 trilhões. Os gastos dos ingleses são 62% maiores que seus ganhos em salários, enquanto os norte-americanos gastam 49% mais.

Um dia a bolha estoura, como já aconteceu diversas vezes. E estouro da bolha é sinônimo de crise de superprodução de mercadorias. Sejam elas casas, automóveis, armas, sejam o próprio dinheiro. Como a solução capitalista das crises passa pelo empobrecimento crescente dos trabalhadores e dos povos de todo o mundo, cria-se uma roda viva, isto é, uma roda de morte para os explorados.

Apenas no socialismo as crises econômicas poderão ser eliminadas, pois haverá o planejamento e controle da produção pelos próprios trabalhadores e o objetivo não será o lucro a qualquer custo, mas a satisfação material e espiritual dos seres humanos.

Os dados e citações foram obtidos no site www.nyt.com