A última semana de outubro apresentou novas peças do quebra-cabeça econômico formado após a crise do financiamento da casa própria nos Estados Unidos e na Europa. O petróleo alcançou um preço recorde em termos nominais, de US$ 92 o barril, a venda de casas nos EUA chegou a seu nível mais baixo em uma década, o banco de investimentos Merrill Lynch anunciou seu maior prejuízo na história e, em duas ocasiões, as ações variaram mais de 100 pontos na bolsa de valores de Nova Iorque devido a rumores que depois foram desmentidos.

Após o crash da Bolsa Nasdaq em 2003, que negocia ações das empresas de informática, a economia apresentou um ciclo de crescimento baseado no crédito barato e na economia de guerra dos EUA. Nessa fase, os preços do barril de petróleo subiram a US$ 50 em 2004, e alcançaram US$ 60 em 2005. Em setembro de 2007, passou dos US$ 80 e, por fim, bateu novo recorde em outubro. No entanto, a economia desconheceu estes aumentos e continuou crescendo, já que os consumidores arcavam com o aumento dos preços nas bombas dos postos. Parecia que o fantasma da recessão de 1974, quando o petróleo chegou à incrível cifra – para a época – de US$ 12, não voltaria a se repetir.

Porém a crise do financiamento habitacional pode ter mudado essa insensibilidade em relação ao aumento dos preços da principal fonte energética mundial. Como disse Mark Chandler, executivo da empresa Brown Brothers Harriman [1], “eu acho que vários de nossos postulados, coisas em que nós acreditamos intuitivamente, estão sendo questionados. Nós estamos tateando, tentando tudo para acertar sem ter certeza do resultado”.

Nenhum livro explica melhor o funcionamento da economia capitalista em tempos de crise do que a declaração acima.
As turbulências da bolsa
Embora a bolsa tenha fechado aquela semana em alta, alguns rumores provocaram turbulências que mostram que nem tudo está sob controle. O primeiro boato foi de que a Reserva Federal (ou Fed, o Banco Central norte-americano) estava planejando baixar as taxas de redesconto, que facilitariam o pedido de empréstimos dos bancos ao governo. Embora completamente infundadas, a bolsa de Nova Iorque subiu mais de 100 pontos.

Depois outra fofoca dava conta de que a maior seguradora dos EUA, a American International Group, anunciaria quedas no valor de títulos ligados ao financiamento da casa própria. As ações desabaram e voltaram a subir após os desmentidos. Esta semana errática da bolsa, com vários zig-zags violentos num mesmo dia, demonstraram que os negócios estão muito vulneráveis a uma nova crise de crédito.

Na verdade, os fatores que levaram ao aumento do preço do petróleo – incluindo a queda do dólar, a preocupação com a redução das reservas e o aumento das tensões no Oriente Médio – sugerem mais problemas no horizonte.

O caso da Merryl Lynch e outros
O caso do Merrill Lynch, um dos principais bancos de investimentos norte-americanos é emblemático. Ele praticamente ressurgiu das cinzas após a crise das empresas “ponto.com”, aproveitando-se dos ventos favoráveis da economia. Suas ações saíram do fundo do poço em 2003, quando eram cotadas a pouco mais de US$ 0,30 para atingir mais de US$ 0,90 no início de 2007. Porém, em quatro meses, elas baixaram para US$ 0,65, o valor de dois anos atrás.

Os porta-vozes do Merrill declararam que esperam um prejuízo de US$ 2,3 bilhões em ações no último quadrimestre de 2007, comparado com um lucro US$ 3 bilhões, no mesmo período do ano passado. O motivo foi a venda desenfreada de títulos amarrados aos financiamentos subprime. Quando o preço das casas desabou, o valor dos títulos acompanhou a queda, deixando mais uma perda de US$ 5 bilhões.

Mas o Merrill Lynch não foi o único. O Citigroup declarou perdas de US$ 5,9 bilhões, o UBS de US$ 3,4 bilhões e o Deutsche Bank perdas de US$ 3.1 bilhões. Além desses, o banco de poupança Washington Mutual, anunciou que sua receita no último quarto do ano (setembro, outubro, novembro e dezembro) será 75% menor. Como se vê, a lista é grande e está longe de ser esgotada.

Economistas avaliam que as perdas do JPMorgan Chase cheguem a US$ 2 bilhões e do Bank of America Corporation, a US$ 1 bilhão. O problema do Merrill Lynch, como disse Richard X. Bove, analista de finanças da Punk, Ziegel & Company, foi que “eles perderam mais que os outros”, isto é, o “pecado capital” do grande capital é perder mais do que a concorrência, resultando numa menor taxa de lucro e na possibilidade de falência, venda do patrimônio ou fusões para segurar o tranco.
A verdadeira causa
As variações bruscas da bolsa e a alta do petróleo não são mais do que demonstrações da crise que tem sido represada há alguns anos pela política econômica norte-americana. Elas não explicam os prejuízos das empresas que especularam no mercado imobiliário. São, antes, conseqüências dessas especulações.

Se o remédio receitado pela Reserva Federal – de créditos baratos – ajudou a engordar o paciente num primeiro momento, agora ele pode morrer de obesidade. Existem muitas casas construídas, muitos automóveis fabricados, muitos aparelhos eletro-eletrônicos e celulares esperando clientes nas lojas. Mas sem compradores.

A primeira ação intuitiva do “mercado” é a exigência de redução de taxas bancárias para baratear ainda mais o crédito, na tentativa de “empurrar a crise com a barriga”, isto é, continuar vendendo seus produtos. Até quando este cabo de guerra continuará esticado? A opinião dos analistas econômicos norte-americanos é sombria. Segundo eles, “o abalo dos financiamentos subprime das casas próprias deixou os investidores de cara com um mercado no qual não é mais aplicável a percepção convencional”. Da mesma forma, segundo o mesmo Mark Chandler, “se alguém me perguntasse alguns anos atrás o que aconteceria se o petróleo alcançasse US$ 90 o barril, eu diria que a economia teria uma queda rápida”.

Assim, combina-se um ciclo de superprodução de mercadorias invendáveis, com grandes capitais à procura de negócios, que não encontra, na tentativa de manter a taxa média de lucro. O que impede que essa contradição do capitalismo seja resolvida é a resistência das massas trabalhadoras em todo o mundo, pois, nessas situações, a única forma de reciclagem da economia capitalista é o aumento brutal da exploração dos trabalhadores. A derrota norte-americana no Iraque, as revoluções que abalam a América Latina desde 2001 e, agora, o ressurgimento, embora ainda tímido, da luta da classe operária norte-americana para manter seu nível de vida – com greves nas campanhas salariais da GM e da Chrysler e uma revolta da base contra o “peleguismo” de suas direções – impedem que a saída clássica seja tomada.

Se o detonador da próxima crise da economia capitalista será a falência de um dos bancos envolvidos no financiamento subprime, a alta do preço do petróleo ou uma queda mais abrupta do dólar, é de menor importância. O essencial é que as condições estruturais estão dadas, mesmo que o momento seja de euforia nas bolsas, pelas altas constantes. Como disse Mandel [2], “a massa absoluta de investimentos não retrocede; pode até aumentar. O desemprego e a massa salarial não retrocedem também; estão até num nível bem elevado, senão máximo. Mas os investimentos, o emprego e a produtividade não crescem mais em proporção suficiente para sustentar por si próprios a expansão” – justamente porque há capital demais em circulação – e continua: “a expansão acelerada do crédito é praticamente inevitável, uma vez que os bancos esforçam-se para evitar as bancarrotas em cadeia, que lhes causariam graves perdas. Assim, passa-se imperceptivelmente do boom ao superaquecimento, que encobre ainda mais, no imediato, as forças que preparam inexoravelmente o crash”.

Estas palavras foram escritas para analisar a recessão iniciada em 1974, “a primeira recessão generalizada da economia capitalista internacional desde a segunda guerra mundial”, como disse Mandel. Mas parecem mais a premonição da próxima crise, tamanha é a semelhança com a atual manifestação da economia. Caberá à classe operária e ao partido revolucionário a tarefa de aproveitar a desorientação da burguesia – nestes momentos em que cada um vai querer salvar a própria pele – para desenvolver ações contra os males que afligem os trabalhadores e caminhar rumo a um verdadeiro governo socialista dos trabalhadores, sem patrões, sem burocratas e sem pelegos.

NOTAS:
1.
As citações e dados deste artigo foram retiradas das edições eletrônicas do jornal New York Times dos dias 6 e 27 de outubro, em www.nytimes.com
2. Ernest Mandel, A crise do capital. Editora Unicamp/Editora Ensaio, 1990.