A crise econômica europeia está gerando uma nova situação política no continente. Como vimos, esta crise é continuação da que começou em 2007. E existe a possibilidade de que se estenda a todo o planeta, caracterizando o chamado “duplo mergulho”.

Aqui os trabalhadores ainda acreditam no que o governo diz, ou seja, que o Brasil não vai ser atingido pela crise.

Existe uma base real para essa postura. Em primeiro lugar, a economia brasileira segue crescendo. O Produto Interno Bruto (PIB) de 2010 pode ultrapassar os 5%. A indústria automobilística deve bater seus recordes de produção e vendas.

Em segundo lugar, o país saiu relativamente rápido da crise em 2009. Para os trabalhadores, isso ocorreu devido à ação do governo, o que fortaleceu ainda mais Lula.

Temos, porém, a obrigação de alertar os trabalhadores de que a crise virá, ainda que não chegue aqui rapidamente. É provável que atinja diretamente o país durante o mandato de qualquer um dos candidatos eleito em outubro. Além disso, por mais que se esconda, já existem reflexos da crise europeia hoje no Brasil.

O alerta tem importância porque essa discussão não vai estar presente nas campanhas eleitorais de Dilma Rousseff, José Serra ou Marina Silva.

Como o Brasil saiu da crise em 2009
O Brasil viveu uma recessão entre o último trimestre de 2008 e o primeiro de 2009. Nesse período, acompanhou a queda livre da produção industrial que ocorria no mundo, retrocedendo 16,7%. As grandes empresas frearam a produção bruscamente para ver o que se passaria no mundo.

Foi o momento em que os trabalhadores sentiram a crise e a ameaça de desemprego, simbolizada na demissão de 4.200 operários da Embraer.

O país saiu da recessão no segundo trimestre de 2009, acompanhando a tendência de recuperação da economia mundial. Grandes empresas, como a Embraer, discutiram a possibilidade de novas levas de demissões, mas acabaram apostando na recuperação, que já se dava em todo o mundo.

A primeira lição de tudo isso é que, ao contrário do que diz o governo, o Brasil está muito exposto às variações do mercado mundial, e sofre diretamente com as possibilidades de crise. Do contrário seria impossível explicar como o país acompanhou diretamente a evolução da economia mundial, tanto na queda brutal da produção mundial no último trimestre de 2008, como na recuperação do segundo trimestre de 2009.

A economia brasileira é completamente dominada pelas empresas multinacionais, que controlam a indústria automobilística, química, farmacêutica, alimentícia e agronegócio, além de terem entrado fortemente no setor de supermercados e na construção civil.

Além disso, as fronteiras econômicas foram abertas completamente pelos governos Collor e FHC, e mantidas por Lula. Por último, o mercado acionário brasileiro está estreitamente ligado à dinâmica dos capitais especulativos de todo o mundo, acompanhando dia a dia o mesmo ritmo da Bolsa de Nova York.
O primeiro motivo pelo qual o Brasil saiu da recessão foi porque as grandes multinacionais decidiram continuar investindo no país. O país tem um mercado interno importante, ao contrário de outros países dominados. Além disso, é uma plataforma de exportação de produtos industriais (automóveis, eletrodomésticos etc.) para a América Latina, do agronegócio (carne, soja, sucos cítricos etc.) para todo o mundo e de minérios (em particular ferro) para a China.

As grandes empresas estrangeiras aqui instaladas, ao observar a recuperação internacional, decidiram continuar investindo no Brasil. Foi assim com a indústria automobilística, que está investindo fortemente em todo o país. Foi assim com a Vale, hoje uma multinacional controlada por fundos estrangeiros.

Esse é o primeiro e principal motivo pelo qual o país não seguiu em recessão: as grandes empresas estrangeiras assim o decidiram. Algumas delas, como as automobilísticas, conseguiram mais lucros aqui do que em suas matrizes nos EUA ou Europa. Foi uma decisão em defesa de seus lucros, que nada teve a ver com os “interesses nacionais” ou “preocupação com o país”.

Mas poderia não ser assim, caso essas mesmas empresas achassem que a crise internacional poderia se aprofundar e percebessem que não teriam como continuar exportando. Somente o mercado interno não bastaria para essas multinacionais.

Papel do governo Lula
O papel do governo nessa história é importante, mas não foi o que determinou o curso da crise. O governo brasileiro se comportou como mandaram as multinacionais e os bancos. Injetou R$ 300 bilhões de dinheiro público nas empresas, assim como fizeram os governos imperialistas. Reduziu o IPI de automóveis e eletrodomésticos (ajudando mais uma vez as multinacionais) e liberou mais de R$ 100 bilhões para os banqueiros.
Os reflexos dessa postura sobre o endividamento do país são graves. A soma das dívidas externa e interna brasileira, que compõem a dívida pública, se ampliou. E junto com isso, o pagamento dos juros também cresceu muito. Em 2009, o governo Lula pagou aos banqueiros R$ 380 bilhões, segundo a Auditoria Cidadã da Dívida. Isso significa 36% de todo o orçamento geral do país. Ou seja, mais de um terço de tudo o que é arrecadado no país foi entregue aos banqueiros para pagar a dívida.

Já os gastos com saúde foram de 4,64%. Com educação, 2,88%. Isso significa que o governo Lula pagou aos banqueiros quase cinco vezes mais do que gastou com saúde e educação.

A crise deixou reflexos na economia. As exportações caíram de 197 bilhões de dólares em 2008 para 152 bilhões em 2009. O superávit comercial no ano passado foi de 24,6 bilhões de dólares, o menor desde 2002. As previsões para 2010 indicam uma redução ainda maior, para 11 ou 12 bilhões de dólares.

O resultado é que o país deve ter em 2010 o maior déficit em contas correntes desde 1947. As contas correntes incluem a balança comercial, serviços (fretes, seguros, viagens internacionais) e transferências unilaterais (remessa de lucros das multinacionais em particular). Com a queda do superávit comercial e o aumento das remessas de lucros das multinacionais (2,5 bilhões de dólares entre janeiro e março), houve um déficit nas contas correntes do país no primeiro trimestre de 12 bilhões de dólares, o que projeta um déficit anual de 50 bilhões de dólares.
Ou seja, para ajudar as multinacionais e os banqueiros, o governo endividou mais o país, agravando as contradições já existentes. O país depende cada vez mais da entrada de capitais estrangeiros para manter a economia.

Para os trabalhadores, nada. Nenhuma medida de garantia do emprego. Sequer os demitidos da Embraer foram defendidos por Lula, mesmo podendo fazê-lo legalmente.
Mas não foi Lula (ao contrário do que pensam os trabalhadores) que impediu a crise.

Foram as grandes multinacionais que controlam a economia do país que decidiram. Junto com isso, também impuseram um ritmo de trabalho ainda maior, ampliando a superexploração dos trabalhadores, como se sente hoje nas fábricas. Ou seja, são os trabalhadores que estão pagando hoje os custos da crise de 2008-2009.

Uma nova crise pode ser diferente
Caso ocorra uma nova crise, ou mais precisamente um novo momento dela, a evolução da economia brasileira pode ser completamente diferente. Tudo vai depender da gravidade dessa crise e da disposição das empresas multinacionais.
Caso haja uma crise grave, que afete não só a Europa, mas a China e os EUA, com uma dinâmica de aprofundamento maior, as multinacionais podem decidir parar de investir no país.

Nesse caso, a crise brasileira seria muito maior do que a ocorrida em 2008-2009.
Não existe a possibilidade de uma evolução semelhante à ocorrida na década de 1930, em que ainda havia um espaço para o crescimento nacional mesmo no meio da crise internacional. O grau de internacionalização da produção e controle das multinacionais é muito maior.

A avaliação que temos da economia internacional é a de que entramos em um longo período recessivo, que vai durar muitos anos. Pode haver ciclos de crescimento anêmico seguidos de novas crises. Por algum tempo, não veremos um ascenso econômico como nos anos 1990 ou no início deste século.

A crise europeia pode se generalizar ou não, o que vai depender também da evolução da luta de classes naquele continente. Mas a crise atual já é uma demonstração de que a história sobre “o fim da crise” não era mais do que uma propaganda enganosa.
A situação atual da economia brasileira (ainda crescendo fortemente) e as dos EUA e China (também crescendo) indica a possibilidade mais provável de que a crise não atinja o país antes das eleições.

Também podemos dizer que é bastante provável que uma nova crise atinja o Brasil durante o mandato do novo governo eleito em outubro. E aí teremos uma situação para os trabalhadores que pode ser muito mais grave do que a crise passada. Se os governos europeus de Espanha, Portugal e Grécia estão impondo cortes nos salários dos trabalhadores, arrebentando as aposentadorias e cortando os gastos sociais, imaginem o que podem fazer Dilma Rousseff ou José Serra.

Para evitar uma nova crise é preciso romper com o imperialismo
As crises econômicas não são produto da natureza. São fruto do capitalismo, que faz a sociedade trabalhar para garantir altos lucros para as grandes empresas. Não existe maneira de terminar com as crises sem romper com o capitalismo.
É possível evitar uma nova crise no Brasil. Podemos evitar que os salários sejam reduzidos e milhares e milhares de empregos sejam perdidos. Mais ainda, podemos melhorar qualitativamente nossos salários e garantir emprego para todos, alimentar nosso povo, educar a juventude, morar com dignidade.

Mas, para isso, será fundamental acabar com a dominação imperialista do país. Temos de deixar de pagar as dívidas externa e interna.

E temos que avançar para estatizar, sob controle dos trabalhadores, os bancos e as grandes empresas multinacionais que controlam o país. Só assim a decisão sobre investir ou não no país poderá ser feita aqui e não nas matrizes dessas empresas. Só assim poderemos reinvestir os enormes lucros obtidos por essas empresas.

O que poderia ser feito
Deixar de pagar a dívida aos banqueiros possibilitaria ter dinheiro para investir em um plano de obras públicas. Poderiam ser construídas as seis milhões de casas populares necessárias, e o déficit habitacional do país seria resolvido.
O custo total seria de R$ 72 bilhões. Esse plano poderia absorver os desempregados do país.

Teríamos também condições de financiar a reforma agrária, com assentamento de seis milhões de famílias (apoio de R$ 20 mil cada) e um gasto total de R$ 120 bilhões. Mais R$ 160 bilhões poderiam ser utilizados para triplicar os gastos de saúde e educação do governo.

Basta pensar no impacto social desses planos no emprego, reforma agrária, habitação, saúde e educação, para ter certeza da necessidade de deixar de pagar essas dívidas.

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