Após meses tentando nos convencer de que a crise havia acabado, eis que os governos e a imprensa descobrem que o mundo está novamente sob o risco de uma nova onda de quebra das bolsas, desvalorização de moedas e “falência” de países. Como a Grécia, um país com uma economia tão pequena (menos de 3% do PIB europeu), poderia ter tamanho poder devastador?

A crise grega está longe de ser apenas um problema nacional ou de erros pontuais na política econômica. Na verdade, as razões da crise passam pela combinação de três elementos: anos de aplicação de políticas neoliberais, a saída criada pelos Estados para a crise internacional de estatizar as perdas do grande capital financeiro e, por fim, a falência da maneira como se estruturou o mercado comum europeu e a zona do euro na última década. A nova fase da crise internacional não foi causada pela economia grega, apenas apareceu primeiro no seu elo mais fraco e, como tem demonstrado até agora, também mais explosivo.

A Grécia era um dos países que vinha crescendo mais do que a média europeia, até adotar o euro como moeda, quando esta situação começou a se inverter. A partir deste momento, ao invés de ter uma balança comercial favorável (ou seja, exportar mais do que importar), esta relação aos poucos se inverteu, fechando deficitária em 15% do PIB em 2009 (Valor Econômico, 19/02). A nova moeda “forte” permitiu expandir o consumo de importados (principalmente a partir do endividamento público e privado), criando um cenário de aparente prosperidade e, evidentemente, aproveitado pelos governos de ocasião. Parecia que, finalmente, a Grécia poderia ingressar no “estilo de vida europeu”, do qual efetivamente nunca fez parte.

Mas a ilusão não demorou muito para acabar: ao mesmo tempo o país reduzia suas exportações, perdia competitividade e aumentava o desemprego. Quando a crise de 2008 estourou, o país já se encontrava em situação vulnerável e agora corre o risco de quebrar. Situação semelhante também ocorreu com Portugal, Espanha, Irlanda e Itália.

Antes da crise, em sentido contrário, se encontrava a Alemanha. De um déficit na balança comercial de 1,7% do PIB em 2000, passou para um superávit de 8% em 2007. Mas qual o segredo do “sucesso” alemão?

De que crise se fala

Arrocho salarial, corte de direitos e alta produtividade do trabalho, este foi o modelo adotado pelos últimos governos na Alemanha para conquistar o mercado interno de seus outros “parceiros” comerciais dentro da própria zona do euro. Ainda sob o governo do social-democrata de Schröder, a Alemanha adotou uma política de compressão salarial desde o início da aplicação do euro, em 1999, como mecanismo de redução de custos e aumento da competitividade, não repassando para os trabalhadores os ganhos em produtividade. Com esta política, dois terços das exportações da Alemanha vão para países da zona do euro e isto tem transformado o mercado comum europeu cada vez mais em mercado único alemão, seguido de uma disputa com a França e Inglaterra.

No plano da relação entre Estados e economias nacionais, para cada “êxito” alemão é preciso produzir inúmeras “Grécias”. Por isso que no dia 2 de maio, quando se anunciou o pacote de ajuda de 110 bilhões de euros para a Grécia, era sobre a Espanha que se dirigiam as preocupações, a próxima da fila.

Em síntese, os problemas fiscais dos países europeus, principalmente da periferia da zona do euro, são manifestações de um problema mais profundo, que a crise internacional potencializou e trouxe à superfície: nos bastidores do reluzente Parlamento Europeu, radicaliza-se uma relação típica de países imperialistas (Alemanha, França e Inglaterra) e países periféricos (restante da Europa), na qual os primeiros têm exportado a crise para os segundos tanto pela diferença da produtividade do trabalho quanto pelo controle do crédito e do capital financeiro.

Para onde caminha a Europa?
No livro A Jangada de Pedra, do escritor português José Saramago, a Península Ibérica se desprendeu da Europa e ficou vagando pelo oceano Atlântico. Inicialmente rumou em direção às Américas, mas depois parou e, no meio do oceano, girou sobre si mesma. Esta foi a forma que o escritor encontrou para mostrar a distância que a Europa sempre fez questão de manter em relação aos povos de Portugal e Espanha. A obra acaba sem que o leitor saiba que destino a Península tomou. Independente para onde vai, não irá mais sozinha, pois terá a companhia dos outros países do Mediterrâneo e do Leste Europeu, além da Irlanda.

Sem o mesmo talento, o capital alemão e francês tem feito a mesma pergunta que o escritor português: qual papel deverá cumprir a periferia da Europa na divisão internacional do trabalho após a crise?

As medidas adotadas até aqui para o caso grego dão uma clara demonstração de quais são estas saídas. Da dívida grega de mais de 300 bilhões de euros, 79 bilhões estão na mão de bancos franceses, 45 bilhões com bancos alemães e 15 bilhões com bancos ingleses. O restante está na mão de outros bancos (inclusive gregos) que também são controlados pelos mesmos países acima, além do capital americano. Para “ajudar” a Grécia a pagar tais dívidas, o Banco Central Europeu emprestou dinheiro para os bancos com taxa de juros de 1%. Estes bancos emprestaram para o governo grego com taxa de juros de 5%.

O governo grego, de posse do novo empréstimo, vai pagar suas dívidas antigas, cujos credores são os mesmos bancos da nova dívida. Como se vê, o pacote de ajuda não tem como objetivo reduzir a dívida grega, mas aumentá-la, submetendo ainda mais os Estados periféricos a uma situação de parasitismo por parte do capital financeiro.
Mas esta é apenas uma parte da saída do capital. Em termos estratégicos, o futuro que o imperialismo europeu tem planejado para sua periferia é ainda mais sombrio. Vejamos o caso grego. A contrapartida da “ajuda” à Grécia implica num pacote que inclui aumento de impostos, aumento da idade para aposentadoria, congelamento de salários, corte de direitos sociais e trabalhistas, fim do 13º e 14º salários, além da privatização de empresas públicas.

Em síntese, o projeto do imperialismo europeu para sua periferia é rebaixá-la aos níveis dos países latino-americanos, marcados pela superexploração do trabalho, baixos salários, desemprego elevado e ausência de proteção social.

Se isso acontecer, a América Latina será ainda mais pressionada a assumir os padrões do capitalismo chinês. As medidas de arrocho salarial e reformas deste lado do oceano já acenam para este caminho. Fica a pergunta: até onde vai esta fila?

*Colaborou Euclides Agrela, de Campinas (SP)

Post author DANIEL ROMERO, de Salvador (BA) e do Ilaese*
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